Existe espaço para opinião no skate?
Perguntamos para jornalistas, criadores de conteúdo e pessoas influentes do skate se existe espaço para conversas além do elogio

Tem uma fala da designer de moda Vivienne Westwood que me fez pensar bastante: “Para ter opinião, é preciso formá-la. Hoje, todo mundo tem sua própria opinião. Mas não é uma opinião de fato, é a primeira coisa que lhes vem à cabeça. E isso não vale nada”. E, assim como tudo que faço na vida, trouxe para o skate e me peguei pensando nela: na opinião.
Em 2025, o skate brasileiro vive nas redes sociais de formas diversas. Tem, é claro, os skatistas mostrando suas manobras nos seus perfis pessoais; tem as marcas, poucas é verdade, fazendo trabalhos que variam entre produtos e manobras de seus riders; e tem as mídias, que curiosamente nos últimos anos, tem ido mais para um lado de manobra do que de, realmente, reflexão no skate.
Seja pelas plataformas que utilizamos diariamente ou pelo rumo que o skate tem tomado, indo para um lado confuso entre esporte e perda de identidade core, atrelado a um mercado mundial complicado, a gente quis entender se as reflexões acerca do assunto skate ainda fazem sentido ou se realmente focamos em performance, seja ela nas pistas ou nas métricas das redes sociais.
Existe espaço para opinião no skate? Em uma atividade tão singular e subjetiva, onde caminham tantos egos, uma vez que o skatista não exatamente joga em um time, mas sim faz seu corre solo e tenta levantar seu nome, existe espaço para falarmos coisas além dos elogios? Falar que fulano marretou ou que certa videoparte é excelente não é bem o fato, mas existe espaço para conversas, críticas, pensamentos reflexivos e visões além das manobras?
Antes que a gente chegue na opinião que a gente pediu pra uma galera legal do skate, vale lembrar que opinião é diferente de ofensa. É diferente de fobias, de preconceito e diferente de ataques pessoais. Estamos falando aqui de críticas construtivas, de pensamentos embasados e visões diferentes.
E outra: quem pode opinar e ser considerada uma opinião válida? O criador de conteúdo que não trabalha no mercado de skate mas que tem certa relevância em vídeos de react tem o mesmo peso de um jornalista com décadas no mercado, mesmo tendo muito mais alcance? Para opinar no skate tem que andar pra caralho? Tem que ter feito algo relevante?
São muitas questões e para nos ajudar a refletir sobre a reflexão (inception fudido) fui atrás deles mesmos: mídias, jornalistas e criadores de conteúdo. Vamos lá:

Pipa Souza (Into The Mirror)
Existe espaço para opinião no skate?
O que eu acho é que a nova geração está tão urgente, tão imediatista que a gente, que vem desse outro lugar, de um lugar que tinha mais calma, mais análise, mais pesquisa, hoje essas coisas ficaram mais rasas por conta da grande demanda de se manter no fluxo, de manter o algoritmo bombando, de manter evidência. Sinto que, com isso, a gente vai com a manada e estamos cada vez mais preocupados em entregar coisas que nos fazem sermos vistos e lembrados. Entregar performance acaba sendo uma safe area, conforto de fazer o trampo que sempre fez mas de uma forma mais rasa.
Acho que na internet, cada vez mais, figuras importantes, pessoas que poderiam estar expressando opiniões, poderiam estar falando de skate de modo mais construtivo, ativando o pensamento crítico da galera, o lado que gera mais interesse no skate pela sua essência e história, a gente está só entregando o que a galera quer ver. Essas pessoas acabam ficando até um pouco silenciadas, perdem espaço nas colunas, em outros espaços que poderiam ter opinião simplesmente pelo formato do consumo que é hoje, que é tudo imediato e também pelo medo do cancelamento. Acredito que no meio disso tudo ainda tem esse medo, medo de expressar mesmo algo que pensa e acabar sendo recebido de maneira negativa por quem está consumindo e, de repente, se ver no meio de um turbilhão de problemas por causa de alguma fala, sendo que isso faz parte do skate, não é a toa que é conhecido como contracultura, sobre opinar mesmo, ir contra a maré, e a pessoa pode se ferrar apenas por expressar sua opinião.
Acho que é isso, o formato de como as coisas são hoje, com a pressão do algoritmo, o lance da performance ser uma zona de conforto dentro de tudo que pode ser criado, é o que está matando esse outro lado que desperta o senso crítico da galera, que faz as pessoas debaterem, conversas que são importantes para nossa cena. É importante ter vários pontos de vista para que se chegue num consenso, melhores resoluções de situações X, Y, Z… Mas as pessoas estão sendo silenciadas por tudo isso e se auto silenciando.
Quem pode dar opinião no skate?
Eu adoraria dizer “todos” mas não é uma realidade. Acredito que quem pode dar opinião no skate com mais propriedade é a pessoa que, para além de ser skatista, vive o skate, está no movimento, quem faz pelo skate. Seja quem construiu um DIY, quem construiu numa mídia, quem faz um evento que movimenta e fomenta o skate nos locais… Essas pessoas que, de certa forma, não só vivem o skate, mas botaram a mão na massa e mantém a parada viva para quem consome e ama o skate.
No mundo ideal, seria ótimo ter homens, mulheres e pessoas queer conversarem sobre as situações do skate e serem capazes de falar e ouvir. Assim como as gerações, o velho e o novo, ambos conseguissem coexistir numa troca saudável, um aprendendo com o outro. Senão, não adianta pegar toda minha nostalgia e colocar numa parada que já se transformou. O skate se transforma, é fluido, não tem como eu querer manter uma cena igual mil novecentos e bolinha. Os tempos mudam, não só a forma como as pessoas se relacionam com o skate, isso muda porque a sociedade como um todo muda, percepções, modos de consumo, moda…
Tem coisas que precisamos entender e conciliar dentro de uma troca para que seja saudável e todo mundo coexistir nos caminhos do skate sem criticar. Ao mesmo tempo, a galera nova olhar para trás e valorizar, isso tudo é necessário pra opinar. Quem pode opinar também é quem estava ali em momentos críticos.
Não é qualquer um que pode dar opinião no skate, mas ao mesmo tempo gostaria que fosse, que as pessoas tivessem senso no skate e entendessem o básico. Tipo pensar que quando a gente ouvir uma opinião machista, racista, é isso mesmo que a gente precisa ouvir e disseminar? Nessas aí que a gente vai fazendo um funil, muita gente está ainda com a mente quadrada, precisando abrir a mente, para falar com mais propriedade, ter empatia com todo cenário, entender que no skate a gente prega liberdade, equidade, compartilhar o lifestyle.

Felipe Minozzi (Black Media)
Existe espaço para opinião no skate?
É imprescindível que todo mundo que está envolvido com o skate tenha uma opinião e exponha-a, tanto em ambientes mais abertos, onde todo mundo vai ver, quanto em rodas de conversa ou reunião de um projeto. Ali sua opinião é importantíssima também!
Se for uma opinião sensata, saudável, que vai gerar uma discussão, que vai trazer pessoas para conversa, é muito bom. Se for uma opinião imbecil, as pessoas se afastam porque você é um idiota! (risos) Tudo o que você faz já está impregnado da sua opinião. Quando a Black Media solta um conteúdo, tem nossa opinião também, por exemplo quando soltamos o Vale Lovers com samba na trilha sonora, também é nossa opinião de que aquilo é legal ou que combina. Não é só uma tomada de posição explícita sempre. É importante perceber essas entrelinhas também.
Quem pode dar opinião no skate?
Todo mundo pode, não só no skate, mas em tudo. Mas você tem que ter o discernimento de ouvir aquela opinião e ver quem está dando a opinião para entender seu valor. Esse valor está diretamente ligado a quem dá. Hoje é fácil dar uma opinião e todo mundo vê. Mas deveria ser muito fácil também entender esse valor. Se o Fabio Cristiano dá uma opinião sobre uma manobra, não tem o mesmo peso que eu sobre a mesma manobra.

Helga Simões (Skate Paradise 2005-2013, ICL Notícias)
Existe espaço pra opinião no skate?
A opinião é a base do skateboard. Se o skate não tivesse a opinião do skatista ele seria só “poser”. O skate é debate, é ideia, é opinião. Seja no vídeo, na matéria, nas sessões. É falar do que tá rolando, do que não tá legal, de quem fortalece e de quem só surfa a onda. A cultura cresce quando a gente troca ideia, discorda, evolui. Skate sem opinião vira só performance. “Ah, mas não gosto destas questões políticas que rolam.” Bom, daí equivale a dizer que você não gosta da própria existência como ser humano. Porque nossa essência é política e social. E é a política que movimenta nossa existência. Claro que nem toda opinião é bem-vinda, principalmente se discordar da minha. Mas não quer dizer que ela não deva existir. É com a ponderação das várias opiniões que elaboramos sinapses, tentamos entender o mundo que nos cerca e transformá-lo a partir deste conhecimento. Portanto, opine, ouça as opiniões dos outros. Elabore sua cabeça com ciência e conhecimento e siga flipando.
E quem pode dar opinião no skate?
Todo mundo, mas principalmente quem tá no corre. Não importa se é skatista, jornalista, filmaker ou lojista. Se você tá construindo a cena com verdade, sua opinião é válida. Mas tem que ser de dentro pra fora — não de quem só assiste de longe e acha que entende. Aqui, vivência pesa mais que número de seguidor. É claro que você não tem que ignorar a “opinião não especializada”, mas sempre tem que ficar atento porque esta opinião vem “batizada” com o interesse de consumo massificado das grandes empresas, da mídia corporativa que tem como objetivo principal o lucro e não a expansão do saber, ou das redes sociais que parecem atuar em função de um emburrecimento coletivo. Uma opinião leiga é importante, mas temos que entender a carga de importância dela. Aqui, vivência pesa mais que curtida. Informação pesa mais que hype.

Douglas Prieto (Clife Skate Mag e SneakersBR)
Existe espaço para opinião no skate?
Claro, existe sim espaço pra opinião, não só no skate, mas em tudo - pelo menos enquanto a gente tiver essa liberdade. O que eu vejo é que as pessoas que têm conhecimento de causa e opinião embasada cada vez se sentem menos confortáveis nesse universo ignorante de mídias digitais - e acabam guardando suas ideias para um grupo restrito de amigos, o que é bastante prejudicial para o coletivo. É triste, mas é quase admitir que Nelson Rodrigues tinha razão quando disse que "Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”
Quem pode dar opinião no skate?
Qualquer um pode dar opinião, mas em um mundo ideal as opiniões deveriam ter peso diferente - ou, pelo menos, as pessoas deveriam ir em busca de conhecer quem está falando e o que fez/faz pela cena. A mesma internet que dá voz a quem não sabe o que diz é a que te oferece as ferramentas pra saber quem é real e quem não é.

Existe espaço para opinião no skate?
Quando soltei aquele texto opinativo falando sobre o momento atual do skate, não imaginei que teria tanta repercussão e que geraria tanta discussão e interesse, ainda mais porque somos uma mídia que acabou de nascer. Isso pra mim é um sinal claro que existe interesse em olhar para o universo do skate além das manobras e videopartes. Com ou sem espaço nas mídias, as pessoas que fazem parte da cultura vão sempre falar sobre skate e compartilhar opiniões, nem que seja em uma roda de amigos na sessão.
Mesmo que o comportamento das novas gerações e consequentemente a forma de se consumir conteúdo tenha se alterado drasticamente, acho essencial que a gente continue elevando outros elementos do skate além das manobras e campeonatos para manter a essência real da cultura de pé.
Quem pode opinar no skate?
Acho que opinião todo mundo pode dar, né? O lance é saber quem tem respaldo e respeito na cena para que sua opinião de fato tenha algum peso e reverbere, gere conversa e discussão. Pra mim o poder da real influência está muito mais no que a pessoa já fez e faz dentro da cena, o que ela representa pra cultura do que o número de seguidores que ela tem. E relevância é algo bem subjetivo, né? Você pode ser relevante pra toda uma geração que viveu o skate nos anos 80 e 90 mas pro moleque que tá começando a andar de skate agora você não representa absolutamente nada.