O grime recifense com Zoe Beats e o destalado.
Uma troca de ideias com o DJ e produtor que toca o destalado.

O formato de DJ sets gravados não é surpresa para quem consome música eletrônica, ainda mais no caso do grime, gênero que se construiu e difundiu por meio das rádios piratas, e encontra o seu ápice de intensidade nos sets com MCs.
No Brasil, o projeto Brasil Grime Show, que é a principal vitrine do gênero e por onde a maioria do público teve o primeiro contato com ele, se inspirou nessa cultura de set com MCs e trouxe essa energia aqui para o Brasil. Diversos outros projetos já replicaram essa fórmula, que não é novidade. O que torna esse modelo tão especial é a relação entre as duas partes, tão única e intensa, que nunca se repete do mesmo jeito.
O destalado. é um projeto encabeçado por Zoe Beats, produtor e DJ recifense que levanta a bandeira do grime no seu estado. É um projeto que se destaca pela sua originalidade, uma vez que todos os beats são produzidos pelo Zoe, que também escolhe os MCs convidados com muita cautela.

Há duas semanas, o DJ fez, junto com rotciv_ e Afroh, uma viagem aqui pelo Sudeste, em eventos de grime com coletivos de São Paulo e do Rio de Janeiro, mostrando a potência do projeto. Trocamos uma ideia com ele sobre as suas movimentações e ideias acerca do grime.
O que é o destalado.?
O destalado. é uma ideia que surgiu a partir do momento que eu tinha produzido um quartinho com Lucas Sang, a primeira tentativa de fazer um projeto gravado, live. Na época nem tinha controladora ainda, tanto que eu toquei no notebook. Foi a necessidade que eu vi na época de fazer algo diferente do que já estavam fazendo aqui pro Recife, tá ligado? Então foi foi uma parada que surgiu muito natural, vamos dizer assim, de uma forma muito autêntica.
As pessoas a princípio compararam com BGS ou algo do tipo, só que tipo, a gente é de outro lugar. A ideia é a mesma, a concepção é a mesma, mas a gente é uma nova safra e fez do nosso jeito aqui.
É um projeto que me fez me enxergar mais como produtor e principalmente como DJ, eu que faço todos os beats, eu que faço todas as paradas. E não depende só de mim, também tem a minha equipe de filmagem, tem Rony, tem Simon na fotografia, toda uma galera envolvida que faz a parada acontecer no geral.
E acho curioso que você decidiu não criar um canal novo para o programa, usou o seu próprio.
É, eu tentei fazer do meu canal meio que uma emissora de televisão, vamos dizer assim, que esteja tudo meu lá. Tudo que eu faço, tanto o destalado., quanto os singles, os clipes, a rádio também que a gente tá botando pra frente agora.
E eu também não quis ter o trabalho de separar tanto para tudo ficar mais unido e quando a pessoa conhecer, não só conhecer um single, não só conhecer o destalado., mas se ela parar para pesquisar, já vai ver que tem tudo lá, tá ligado?

Queria que você falasse um pouco sobre a importância de fazer essas movimentações em volta de você — mais especificamente, por que fazer grime em Recife?
Então, mano, o grime chegou em um momento que eu estava meio perdido no que fazia. Já produzia rap, já produzia boombap, trap e tudo mais, mas foi uma forma de realmente eu me enxergar como produtor.
Eu vi que era uma parada que eu sabia fazer, que eu gostei de fazer e que foi a junção de tudo que eu já vinha fazendo há anos. Foi onde eu consegui criar minha identidade — o Zoe Beats produtor, DJ, o Zoe Beats do destalado., tá ligado?
E fazer isso aqui em Recife foi importante porque a nossa cena é muito independente, tem poucos projetos que realmente botam artistas para cantar, que dão suporte. Agora estão surgindo mais, mas há uns anos tinha pouquíssimos projetos, e quando tinha, dependiam de inúmeras coisas para fazer acontecer e nem sempre estava acontecendo. Eu vi essa necessidade de trazer essa junção, porque a cena do rap aqui é muito sinistra, mano.
Tem muita gente boa, muita gente que às vezes pode até estar perdida, como eu estava. E já trouxe pessoas aqui no destalado. que, tipo, quando cantaram em cima da parada, ficaram: “mano, o que é isso? É minha música, mas numa forma totalmente diferente!" Isso é o diferencial do projeto e eu tento passar o máximo para quem eu estou convidando. Você vai se descobrir como artista junto a mim, ali naquela parada.
Então, trazer isso aqui para Recife foi uma parada muito louca e principalmente com grime em si, que foi onde eu conheci esse formato, esse jeito de se fazer as paradas. E foi muito louco que a galera abraçou legal, realmente é um público que acompanha a parada, que viu desde o primeiro até agora, o décimo que tem lançado, tá ligado?

Você fala sobre pensar com muito cuidado nos beats e em quem você convida, então com certeza todos os episódios são muito importantes para você. Mas em alguns casos parece surgir a necessidade de estender essa junção para um projeto de fato, como foi, por exemplo, com a Tremsete. Quando isso acontece?
Eu seleciono as pessoas, vamos dizer assim, de uma forma que eu paro para escutar o som, a música que a pessoa tá fazendo no momento, e com isso vem a identificação do que a pessoa já faz. Tipo: "pô, isso aqui pode agregar no meu trabalho e meu trabalho também pode agregar na carreira, na vida dessa pessoa".
O de Tremsete foi uma parada muito louca, porque ela amassou no episódio, é um bagulho que é indispensável falar. E surpreendeu não só a mim, mas todo mundo que estava no momento e as pessoas que assistiram o episódio, então surgiu essa necessidade, realmente, de fazer algo a mais, porque eu vi algo ali, tá ligado? Eu vi algo que era um diferencial, principalmente pelo fato de ser uma mulher, uma menina nova, cantando letras daquele jeito, sendo daquela maneira, de uma forma muito autêntica.
E nisso surgiu o EP dela, Grimestar, que foi uma parada que a gente fez de forma muito autêntica também — eu separei uns beats, mandei para ela, ela curtiu, selecionou os beats e amassou de uma forma sensacional também. É um trabalho que eu tenho muito prazer de ter feito, principalmente junto a ela que é uma menina pra frente demais, em todos os sentidos assim, ela é sinistra, velho.
É muito pela identificação mesmo, tá ligado? Tipo, eu tenho agora um EP com Deox, que é um mano que fez o segundo episódio do destalado. lá em 2022. Tem outros artistas também que já participaram, que a gente tá trabalhando em coisas, mas não são todos, tá ligado? Às vezes tem coisa que bate no episódio, mas não da para levar adiante, e tem coisas também que são de primeira.
Você falou que que a recepção do público foi legal com o destalado., mas teve algum momento que a galera não entendeu a parada?
Sim, sim, a princípio sim. E principalmente pelo fato da comparação, né, de já compararem com o Brasil Grime Show e outras coisas que já rolavam. Amamos o BGS, a galera é fechamento, mas a gente conseguiu provar que não — que o trabalho deles é uma coisa, o nosso trabalho é outra, o caminho é o mesmo, mas cada um fazendo do seu jeito, tá ligado?
Como é a sua relação com a cidade? Fala um pouco sobre as influências para além do grime, que vêm do lugar em que você vive. Como você mistura isso?
Antes eu morava na Zona Oeste de Recife, lá em Aldeia, é um lugar até que um pouco distante do centro, mas faz três anos que eu vim morar aqui no centro do Recife. Foi nesse meio tempo que estava sendo criado o destalado., tanto que eu gravei o terceiro episódio já aqui no centro.
Toda essa mudança e a influência da cidade em si é muito grande, porque eu sempre fui apaixonado pelo centro do Recife, desde que eu me entendo por gente, e nunca tive a oportunidade de morar. Anos depois, morando aqui, você vê que a cidade influencia em todos os sentidos, principalmente falando do movimento Mangue Beat, que é uma das minhas principais influências.
Escutando os álbuns de Chico Science & Nação Zumbi ao longo desse tempo morando aqui é uma parada que fez total sentido dentro da minha cabeça, me fez percorrer caminhos através da música dos caras, vivendo no centro do Recife, tá ligado? Foi um lance da vida, mesmo, de me mudar para o centro, de estar criando uma parada nova e ver o quanto os caras influenciam na minha vida.

Aqui embaixo do meu prédio antes rolava um pagode, mano, que tocava altas músicas. Uma parada de estar sexta-feira aqui em casa, ouvindo e pensava: “caramba, esse som é muito bom, vou fazer um remix”. Até nisso a cidade influencia, em coisas mínimas, além de música, além de arte, além de carnaval, tá ligado? Coisas do dia a dia mesmo, um acidente que acontece aqui embaixo, uma briga, coisas que a gente vive ao longo do dia que vai influenciando de várias maneiras na vida em si.
E pelo fato de morar no centro, que é um lugar muito movimentado, tem dias que o cara acorda, tá aquele barulho aqui embaixo, aí o cara fala: "pô, fazer um beat", aí o cara vai, abre o Ableton e sai um beat horrível. E tem momentos que o cara acorda num sábado de manhã, a cidade calma, o cara abre a janela, vê a vista: "pô vou fazer um beat". Quando vê sai uma parada tipo angelical, tá ligado?
Então a minha influência em si não é só da música, não só da arte, mas principalmente do dia a dia. É uma parada muito diária, o que acontece aqui embaixo, o que acontece na minha vida no geral, então tudo isso se une e vira um mistão de influências no geral, tanto para fazer música quanto para tomar decisões pessoais e etc.
Você já morou no Rio, né? Como você sente a diferença das cidades?
Morei no Rio em 2019, começo de 2020. Mano, eu acho que é muito o lance da gente ser quem a gente é realmente, tá ligado? Pelo fato de onde a gente vem, quando a gente chega em locais no Sudeste, como São Paulo, Rio de Janeiro, a galera já olha de uma forma diferente, só de ver o visual da pessoa e já começa a olhar. A gente é muito de abraçar ideias, criar ideias, ter ajuda, tá ligado? Eu acho que é muito disso.
Quando a gente chega numa cidade grande, que é outro ritmo, a galera às vezes é mal educada, não tá nem aí pra vida mesmo, nem aí para você, às vezes dá um bom dia, a galera não responde. A gente tem esse diferencial em si, que quando a gente chega em outros lugares, chama atenção, tá ligado? E quando a gente começa a falar, principalmente, o sotaque já dá outro aspecto em tudo [risos].
Eu queria saber sobre o final de semana que vocês viajaram — há umas duas semanas — e passaram aqui em São Paulo no CR1AGRIME e lá no Rio pela Ocupação IBORU. Conta um pouco sobre esses dois rolês e a importância dessa viagem para vocês.
A gente comprou passagem e se jogou, tá ligado? Não foi uma parada tipo: "ó, a gente vai turistar em São Paulo, Rio de Janeiro, dar um rolezão", não, mano, a gente se jogou. Eu, particularmente, tinha comprado a passagem em dezembro de 2024, com a ideia de dar um rolê, fazer umas conexões, uns trabalhos.
Ao longo desses meses o tempo passou, a gente estava em contato com a galera do CR1A, com o Sucateiro, e a gente falou: “mano, vamos estar por aí, estamos a fim de fazer uma parada acontecer". Independente de grana, independente do que fosse acontecer, a gente estava disposto a fazer conexões reais, representar Recife de uma forma bacana. Essa ligação com a galera do CR1A, a galera do Terra à Vista, foi uma parada muito louca, porque você vê que é uma galera que tá na mesma frequência, na mesma ideia de fazer o bagulho acontecer, tá ligado? Ver isso de perto, que tem pessoas na mesma caminhada, só agrega no nosso trabalho, né, mano? E também o reconhecimento da galera, de trocar uma ideia, elogiar o trabalho e tudo mais, tá ligado?
E principalmente esse rolê também que rolou depois, né, no domingo depois do CR1A lá na Ocupação IBORU, foi uma parada que Antônio representou de uma forma sinistra, tá ligado? Ele falou, "mano, quando você chegar aqui no Rio, a gente vai fazer um bagulho louco acontecer", e fez mesmo, tá ligado?
Foi uma parada que eu fiquei 4, 5 horas seguidas sem ir no banheiro, sem beber uma água direito, só na estiga da parada mesmo. De curtir cada momento, porque é uma parada que a gente vê que tá fazendo o bagulho certo, tá no caminho certo. Ver a galera de lá elogiando, comentando, dando aquele alô, é sempre muito gratificante, tá ligado? E é uma parada que só agrega pra gente continuar fazendo o que a gente já tá fazendo por aqui.

Uma parada também que eu percebi é que a gente realmente é muito suficiente aqui, tá ligado? Antes, para ser sincero, eu tinha aquela visão de que eu precisava ir para São Paulo, para o Rio, tanto que em 2019 eu fui com essa visão de tentar minha vida, tentar ser beatmaker, tentar ser um produtor foda, tá ligado?
Mas o cara morando, o cara passando, o cara vê que realmente não é uma parada assim, tipo, um estalar de dedos. Tem que viver, tem que passar por altos e baixos para as pessoas realmente entenderem o que é a sua caminhada e o que você tá fazendo perante a todo o seu trabalho que você executa, tá ligado?
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