Visel MC e o rap como matéria de desenvolvimento humano
Do Wu Tang Clan ao hip hop como ferramenta social, o Visel sempre fez uma caminhada diferente do padrão no rap

A caminhada do Visel MC sempre foi diferente. Desde seu começo, escrevendo músicas dentro do quarto e mandando para produtores e MCs do mundo todo através do MySpace, até sua visão atual do rap enquanto ferramenta de construção para crianças e adolescentes, é possível dizer que ele sempre enxergou além das rimas e barras.
O Visel começou a rimar ainda na adolescência, buscando um refúgio na música para seu problema de timidez, oriundo de sua dificuldade na fala. Ele encontrou no papel e caneta uma possibilidade de tirar toda a revolta jovem do peito e transformar em arte. Segundo ele “o rap foi uma necessidade”. Ele sempre teve o sonho de rodar o mundo fazendo sua rima acontecer e foi através da internet que ele começou essa jornada.
Sua carreira tem início com ele mesmo fazendo contatos com pessoas do mundo todo através da internet, mostrando suas músicas pelo MySpace e pelo MSN. Os primeiros contatos vieram no Velho Continente, através do produtor português Blasta Beats, pra quem ele mandava as rimas e recebia os beats para rimar em cima. Através do Blasta, Visel conheceu o Nova Kane, um rapper norte-americano que já tinha uma conexão diferenciada: o Wu Tang Clan. Eles fizeram esse som juntos:
“Sempre cantei em português, até porque acho fajuto a gente não usar nossa própria língua, querer emular outra, sabe? Aí eu comecei a gravar com várias pessoas através do MySpace e do MSN e esse sonho de dar a volta no mundo gravando estava se concretizando sem eu nem precisar sair de casa (risos). Talvez eu seja o MC brasileiro que mais tenha feats. com MCs do mundo todo, Tailândia, Cazaquistão, Japão, Rússia, Polônia, Estados Unidos e por aí vai” - Visel
Conexão com o Wu Tang Clan
Nessas andanças digitais, o Visel conheceu o Nova Kane e o pessoal da Wu Corp Army, uma “filial”, uma crew que fazia várias mixtapes com MCs do mundo todo que estavam conectados de alguma forma com a família Wu Tang.
"O primeiro trampo com os caras da família Wu Tang Clan foi através desse rapper aí, o Nova Kane, que ele já colava com os caras, já tinha uma uma certa conexão lá. E aí foi a música Bone Smashing, que eu participei com o grupo da Monster Mob. Essa foi a minha primeira faixa oficial, depois eu sempre busquei estar junto da família fazendo sons e a coisa foi crescendo, foi tomando o corpo com tempo, participando de vários discos sem sair de casa.” - Visel

Em uma das vindas do Wu Tang Clan no Brasil, o Visel foi o intérprete pros caras em São Paulo, através do pessoal do RZO, que lembrou que ele falava inglês e tinha essa conexão da família latina. Foi a primeira vez que conheceu membros originais do Wu Tang Clan pessoalmente, como GZA e RZA.
“Em 2012 eu fui intérprete de novo por aqui na passagem do GZA por São Paulo. Chamei ele pelo nome, Gary e ele foi muito educado e respeitoso comigo. Foi o Sandrão que me conectou pessoalmente com os caras, devo muito a ele” - Visel

Em 2014, o Visel estreitou ainda mais seus laços com o Wu Tang Clan, participando do Wu Tang Latino, encabeçado pelo Killah Priest e por rappers do Equador, como o Bura. Ele foi o cara do Brasil nessa coletânea, sendo também responsável por chamar outros MCs brasileiros para participarem, como o Sandrão RZO e o Phantom.
Rap enquanto ferramenta de transformação
Mais tarde, o Visel viria a encontrar no rap uma outra forma de atuação: a da transformação. Um pouco depois da época dos vários feats, Visel é chamado pelo amigo Rafael, de Tatuí, para falar sobre o rap para crianças que estavam cumprindo medidas socioeducativas nos CREAs da cidade. Ele comenta: “Eu já fazia música com um propósito e quando o Rafael me chamou, pensei em ensinar aquilo que eu aprendi na vivência do rap para as crianças que estavam naquela situação, era pra eles que a mensagem do meu rap tinha que chegar.”
Vendo como uma oportunidade de trabalhar com o que gostava e ainda podendo influenciar na vida de várias pessoas com seu som, o Visel abraçou o projeto, que a princípio previsto para durar 3 meses, e durou mais de um ano. Ele contou com a ajuda de vários parceiros, dentre eles o Isaac, um garoto que começou nos programas do Visel e se tornou beatmaker.
“Eu comecei ligando para as famílias daquelas crianças, explicando a minha aula e pedindo para que participarem. No começo veio um, dois, mas depois eles mesmos começavam a conversar entre si e muitos colaram nas aulas; eles tinham apoio psicológico e atividades ao longo do dia também” - Visel

Teve um momento que o projeto ficou tão grande e tão interessante, que outros adolescentes, que não necessariamente cumpriam medidas socioeducativas, queriam participar. O Visel lembra que nessa época, outras escolas e professores começaram a chamar ele para dar palestras e aulas: “Começou a tomar uma proporção muito maior e chamar atenção de órgãos público de uma maneira muito positiva”.
Foi quando conheceu o Dr. Marcelo Salmaso, que viria comandar o Juizado da Infância de Tatuí e os dois começaram a trabalhar juntos em uma justiça restaurativa, dando chances para crianças e adolescentes verem outros caminhos na vida além do crime. “Comigo os moleques aprendiam a produzir uma música, aprendiam a fazer beats com o Isaac, gravávamos, fazíamos eventos, várias coisas que eram uma forma diferente de ver o mundo para aquelas crianças”.





As aulas do Visel já foram assistidas por muitas crianças e adolescentes (fotos: acervo Visel)
Percebendo também a carência nas escolas públicas, Visel resolveu amplificar o alcance de seu projeto com o rap. Em 2017 criou o projeto Rimas Batidas e Consciência, o RBC, que faz até hoje. Como ele lembra, além do rap, o projeto envolvia grafite, basquete, skate e outras atividades: “tive ajuda de vários amigos e fizemos esse projeto no CÉU de Tatuí pra todo mundo que quisesse participar." Através desses projetos, o rap foi ganhando espaço nas escolas e foi entrando nas aulas curriculares, como português, redação e história.
“Eu tenho uma ideia de louco, mas eu acho muito viável: a de colocar o hip hop de forma efetiva como matéria no estado. Vi que isso funcionou com crianças e adolescentes de várias esferas na sociedade e vi a transformação que o rap fez na vida de muita gente. A cultura, de forma geral, é libertadora. É um trabalho longo, assim como qualquer trabalho com o interior do ser humano é. Mas com certeza o rap tem uma função de transformação gigantesca e eu quero mostrar isso pra mais gente.”
Atualmente o Visel atua como Diretor de Cultura da cidade de Paranapanema, no interior de São Paulo, levando seu projeto RBC para mais crianças além de Tatuí. Essa é a primeira vez que ele trabalha diretamente com uma prefeitura - antes era terceirizado. Essas ações mostram que, mesmo não concordando com o sistema, tem que saber dançar o jogo para conseguir chegar mais longe e atingir mais pessoas. Segundo o Visel, "a vida toda foi sobre quebrar barreiras, não só no rap, mas nos projetos sociais também".
"A gente tem sempre que quebrar paradigmas, não só das crianças mas, principalmente, dos adultos que podem fazer acontecer por elas e por muitas vezes nem sabem como" - Visel MC