Verso, luz e sombra: o olhar atento de Matéria Prima
O MC mineiro conhecido pela lírica afiada e introspectiva encontrou na fotografia de rua uma forma de expressão silenciosa

Nome fundamental do rap underground nacional, o MC mineiro Matéria Prima também cultiva, entre canetadas e sessões de estúdio, o hábito de fotografar pelas ruas da cidade e compartilhar seus registros em seu perfil no Instagram.
Se dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras, quando estamos falando de um MC com o repertório e conjunto de obra do Matéria, essa frase carrega um significado ainda maior.
A fotografia de rua, que começou como um passatempo, virou uma extensão natural de sua escrita: nas fotos, o mesmo olhar atento que atravessa seus versos, captando contrastes, cenas improváveis e fragmentos de beleza escondidos nas frestas da cidade.
Nessa troca de ideia, Matéria compartilhou como o skate, o rap e o hábito de observar moldaram sua relação com a imagem — e como a rua segue sendo inspiração para além das rimas.
Como e quando surgiu o interesse pela fotografia de rua?
Com o convívio no skate e no rap. No meio dos anos noventa, a produção de imagens era pesada — muita revista e vídeo, uma fase muito inventiva. Mas eu também me lembro que minhas irmãs tiravam bastante foto em qualquer viagem que faziam, e eu sempre pegava aquela caixa de fotos e ficava mergulhado ali. Sei lá, eu acho que sempre gostei de imagens e guardei a vontade de fazer fotos no meu HD. Agora aguenta! (risos)
Esse teu olhar atento (pra rua) vem dos tempos de skate?
Sim. Na minha época, o skate sofria muita repressão, era visto como marginal e, ao mesmo tempo, o material do skate era alvo duma rapa que achava que podia fazer um dinheiro com o carrinho. Então era um olho no peixe e outro no gato, e também a curiosidade de observar os lugares aonde o skate levava a gente. Tudo isso foi construindo um olhar mais ligado e aí com certeza tudo isso se reflete na lente.









O que mais te atrai na rua? O que te faz ter que parar tudo pra fazer um registro?
Uma cena inusitada. Uma composição legal. Contraste de luz e sombra. Um recorte abstrato da arquitetura… Pode ser qualquer coisa que chame minha atenção. Vi um documentário chamado Everybody Street, em que um fotógrafo diz que a câmera tem que ser tipo uma katana — tem que estar sempre pronta pro corte. Aí eu fico sempre com a câmera na mão pensando nisso…


Como é pra você encarar um desconhecido na rua e mirar a câmera pra ele?
Eu não faço isso com frequência. As vezes que fiz, deu ruim (risos). Eu acho muito invasivo também, então tento colocar a pessoa ali como um componente, mais do que uma peça central. Às vezes não tem jeito, tem gente que até faz pose — e isso é legal demais — mas eu, na maioria das vezes, sou mais discreto.
Muitas das suas fotos tem o contraste de luz e sombra bem acentuado. Fala um pouco sobre isso.
Eu nem sei como isso se tornou uma característica principal do meu trampo. Mas, depois que descobri que tenho um olhar pra enxergar esse contraste, eu mergulhei nessa piscina (risos). Mas também acho que é influência da fotografia de rua que eu consumo — e isso é bem clássico de rolê.






A sua fotografia e o seu rap dialogam de alguma forma?
Disseram uma vez que tiro fotos como escrevo. Acho que a foto é uma extensão. E uma imagem fala mais do que mil palavras, então, se fala, eu tô aí escrevendo com a lente (risos).
Pessoalmente, você encara a fotografia como uma expressão artística tão importante quanto a escrita e o rap?
De certa forma. Mas a foto está num lugar mais hobby, embora eu já tenha participado de exposições e publicado dois fotozines. Eu quero manter a fotografia num lugar sagrado, longe de ego e de qualquer outra coisa que estrague a expressão artística.



Fotozine "Fora do Grid" de Matéria Prima, impresso em risografia e lançado pelo faísca.lab
Prefere fotografar com celular ou com a câmera? Digital ou analógico?
Eu tinha um celular que era bala pra fazer foto, e aí ele morreu. Depois disso, nunca mais consegui descolar um com uma câmera boa. Então, hoje em dia, eu só tiro foto com câmeras que ganho — e agradeço todo dia a chance que esses presentes me dão de ver o mundo através deles.
O que na sua opinião faz uma foto acima da média?
Um fotógrafo que se chama Alex Webb disse uma vez que, se a fotografia fosse minimamente previsível, ele nem saía de casa com a câmera. Então, a princípio, é uma foto que te surpreende — ou uma foto que tem o que você procura. Tem um exercício ou outro, tipo sair de casa pra ver grafismos, ou arquitetura, ou camadas, abstrato etc. O seu gosto faz uma foto ficar acima da média.



Matéria Prima em ação nas ruas por Vini Cerchiari
Confira outros registros fotográficos do Matéria Prima acompanhando o seu perfil no Instagram @materiap.