Uma análise sobre a cultura do futebol invadindo o fashion
Da onde veio, pra onde vai e o que tá rolando nesse campo (rá, pegou?)

Piet fechando o SPFW com um desfile no Pacaembu com referências futebolísticas. Kith fazendo collab com a adidas falando de chuteiras, camisas e afins com o Kaká como protagonista. Provavelmente você viu essas duas notícias na sua timeline, seja dos criadores desses conteúdos ou de diversas páginas de cultura falando sobre o assunto.
Realmente, o futebol é o ponto focal do mundo fashion-urbano em 2025.
O futebol é uma cultura sempre crescente. Sempre existiu, sempre foi forte dentro do seu próprio eixo, mas a questão nem é essa aqui nesse texto. A gente quer analisar essa alta em outros âmbitos, fora das quatro linhas, fora das portas de estádio e dentro da vida de pessoas que não-necessariamente são adeptas à prática ou à apreciação do jogo.
Balenciaga, Martine Rose, Gucci, Supreme, Corteiz, etc. A gente poderia passar algumas boas linhas escrevendo várias marcas que fizeram sua versão de camisa de futebol, usando tecidos de performance ou não, cada uma se inspirando em alguma camisa antiga de algum time do mundo. Essas marcas acompanham a tendência da alta da cultura futebolística no fashion e influenciam outras, como Mad Enlatados, Class e Quadro a seguir nesse caminho sem muito erro e com muita gente pra vender camisa.
Algumas dessas grandes marcas até fazem collabs com times, colocando seus pés cada vez mais no futebol. Tudo bem, isso não é de hoje, como a gente pode lembrar da camisa do Corinthians de 1996 com o desenho do designer francês Ted Lapidus, que foi um marco na época e hoje é um item raro (se não for réplica). Mas vale pensar que hoje ambas as empresas, times e marcas, se beneficiam bem mais dessas parcerias.
Assim como a do Corinthians em 1996, que foi pra jogo na Libertadores daquele ano, outros times também botam suas collabs em campo. Na temporada 18/19, a Juventus fez uma collab com a Palace e usou as camisas em vários jogos. Em 2025, foi a vez do Milan ter seu terceiro kit em parceria com a Off White e também levar pra jogo.
Isso mostra o poder das marcas e de sua representatividade nos ramos que atuam, mas também é um reflexo das tendências que acontecem no âmbito popular, nas ruas, bebendo da fonte da trend, mais do que só criando sua marca no tempo.
Em 2023, outro marco nessa junção de fashion e futebol foi na semana de moda de Paris, quando a seleção da Jamaica, patrocinada pela adidas, lançou seu uniforme no desfile da estilista inglesa Wales Bonner. Não foi nos campos nem com a torcida, mas em uma das passarelas mais importantes do mundo.
Até os times adotaram fortemente essa crescente e, quando apresentam novos uniformes, é bem comum ver ensaios fora de campo, mesclando as camisas com roupas casuais e até de alta costura. Times como Venezia, Palmeiras, Inter de Milão e vários outros já lançaram suas coleções dessa forma.
Palmeiras meteu uma coleção chamada LEISURE com a Puma, focando no extra-campo
adidas Samba e tênis que parecem chuteiras
A gente já volta a falar das camisas. Agora vale dar uma olhada em uma tendência que também remete à prática do futebol e que influenciou bastante nos últimos anos: os tênis com cara de chuteira.
Tiveram vários modelos de tênis que declaradamente se inspiraram no futebol ou que vieram dele. Mas o que mais fez sucesso nos últimos anos foi o Samba da adidas. Ele foi originalmente trazido como uma chuteira na Copa do Mundo do Brasil, de 1950 (por isso o nome Samba, homenageando o país sede), e ganhou força nos últimos anos. Foi o tênis do ano em 2023, virou tendência e continua respirando forte e influenciando outros tênis de outras marcas a seguirem o mesmo caminho.
O tênis surgiu no campo, teve uma versão de futebol de salão e essa sim tomou as ruas com hooligans ingleses nos anos 80. Desde então o tênis sempre esteve aí, associado bastante à cultura de futebol no Reino Unido e ao Bloke Core (que vamos falar já já) e foi bastante usado por músicos como os irmãos Gallagher, Robbie Williams e Bob Marley, que tinham uma relação mais íntima com o futebol e eram torcedores assíduos. Mas de fato o tênis só explodiu essa bolha depois da década de 20 do século XXI, quando teve uma ressignificação pela marca, utilizando-o como carro chefe de colaborações com marcas gigantes e impulsionado por tiktokers e influenciadores fashion no mundo todo.
As versões de colaboração com a Wales Bonner ou com a Heineken foram algumas que começaram a explorar a bolha fora do futebol, sendo utilizadas por influenciadores fashion e chegando nos pés que você olha pra baixo quando está no metrô. Hoje tem uma porrada de cor, material e colaboração e influencia outros tênis a seguirem o mesmo caminho.
As redes sociais tiveram um impacto gigantesco na alta do tênis e, consequentemente, em outras peças que combinariam com esse look, como as camisas de time. Outras marcas também surfam essa onda, como a Puma com o Palermo, a Nike com o Lunar Gato e a New Balance com o RC42. Todos nascidos do futsal e que ganharam as ruas do mundo todo.
É curioso também como essa alta desses tênis inspirados no futebol permitiu que o esporte se popularizasse no mundo fashion. Dá até pra atrelar a alta de um com a alta do outro, sendo os tênis um dos principais motivos pra galera normalizar o futebol dentro da estética campo e quadra.
A influência do BrazilCore
Há alguns anos, era comum pensar no #BrazilCore, uma tendência global que trazia ícones do dia a dia brasileiro, principalmente das quebradas e favelas, para dentro do universo fashion de outras partes do mundo. Brincava-se que aqui isso é o nosso comum, que geral se veste assim na rotina e até se questionou sobre uma certa apropriação cultural por parte dos gringos nesse nosso lifestyle.
O que consistia o Brazil Core? Roupas curtas, bastante verde e amarelo, chinelo e, o que vale pra gente aqui nesse artigo, camisas de time das mais variadas. Desde camisa da seleção a times internacionais com craques brasileiros, passando, é claro, pelos times que a gente torce nacionalmente.
Essa trend ficou forte na última Copa do Mundo, em 2022, mas vira e mexe ela reaparece e desponta algum item do dia a dia nacional. Tem hora que é a camisa de time, outra que é o Juliette da Oakley, ou até mesmo os Air Max 97 e outros modelos que eram comuns em treinos da seleção brasileira nos anos 90. Mas nos últimos anos ela não necessariamente foi embora. Em 2023, a Vogue francesa trouxe o #BrasilAesthetic como uma tendência para os próximos anos e, bem, de alguma forma tem coisa brasileira nesse molho todo aí.
Inegável pensar que essa tendência também influenciou e ditou os rumos de fashionistas no mundo todo, o que nos faz pensar que isso também tenha corroborado para a alta do universo futebolista no fashion, afinal, quando se pensa em futebol, se pensa em Brasil e, convenhamos, todo mundo quer ser um pouquinho brasileiro nesse assunto.
Bloke Core
A gente comentou da Bloke Core anteriormente e vale muito voltar pra esse estilo para entender a alta do futebol no fashion. Esse estilo de vestimenta, muito comum em países do Reino Unido, mescla materiais esportivos com tênis confortáveis e, na maioria das vezes, feitos para a prática de esportes indoor. Entre eles, o futebol de salão.
O termo bloke core, traduzido livremente em algo tipo “estilo de mano”, pega o que os moleques vestem nos países onde o futebol é bem forte, principalmente na Inglaterra, então isso se traduz fortemente no uso de camisas de time fora do ambiente suado da quadra ou do campo. Apesar da gente ver que o estilo acontece há anos, o nome foi trazido no verão de 2022 pelo usuário Brandon Huntley, a princípio como uma piada do tiktok, e viralizou. Você também pode achar alguma coisa relacionada com a Casuals Culture ou Terrace e dá até pra pensar que a Bloke é uma versão moderna dessas aí citadas.
Em um breve histórico, essa cultura começou nos anos 80, com a molecada que curtia futebol querendo estar cada vez mais confortável e com as camisas de seus times nas ruas, até mesmo em dias fora de jogo. Era um estilo atrelado ao proletariado, já que não precisava de muitos recursos financeiros para usar as marcas presentes e garantia conforto para todas as ocasiões de seus dias.
A adidas era preferida da galera que ia pros estádios e modelos tipo o adidas samba e Stan Smith eram os escolhidos. Mais tarde, os Trainer, Gazelle e Spezial faziam a cabeça de geral. Depois mesclou com a cultura eletrônica de Manchester e pegou os agasalhos dos times, porque na Inglaterra fazia um puta frio, pra completar os looks. Isso tudo sem falar nos hooligans e seu estilo mais neutro de se vestir, usando agasalhos e roupas confortáveis para… bem, para sair na porrada com mais conforto, mesmo.
Nos anos 90, a parada ficou ainda mais forte e marcas tipo Stone Island e Fred Perry também foram introduzidas nesses elementos de bloke culture e bandas tipo Oasis, Blur e Stone Roses ajudaram a alavancar o estilo “camisa de time + calça” ainda mais entre os homens. Mesmo com o declínio do hooliganismo no Reino Unido, essa tendência continua crescer e mais pessoas usam camisas de time no dia a dia.
Nos anos seguintes, enquanto jogadores eram cada vez mais endeusados dentro e fora de quadra, esse estilo continuou existindo, mesclando essas características com detalhes da vida da classe trabalhadora, como comer kebabs, ir a bares e curtir shows com seus amigos, já que isso tudo também fazia parte de um contexto futebolista e muito comum em qualquer parte do mundo.
Claro que existem referências pelo lado dos jogadores, alguns que são mais estilosos que outros, que também influenciaram essa mistura. David Beckham nos anos 90 e 2000 e Hector Bellerin na era moderna são exemplos de jogadores que levam um estilo diferente para fora do campo e também impactam nessa relação. Mas quando um cara ganha 60 mil libras por semana, como um jogador médio ganha na Premier League, ele tinha que ser OBRIGADO a não sair cafona na rua, você não acha?
Mas enfim, voltando a nós meros mortais, esse estilo pegou uma força tremenda nos últimos anos, com a popularização de seus itens nas redes sociais, sendo utilizados por homens e mulheres e, principalmente elas são as grandes responsáveis pela popularização desses itens da moda futebolística, trazendo os tênis-chuteira como seus parceiros infalíveis e as camisas de time oversized como itens de estilo.
Então o que consiste de fato o bloke core atualmente? É simples, é juntar ítens de futebol no look de qualquer ocasião. Esse estilo, junto dos outros que comentamos nesse texto, foram responsáveis por colocar o futebol no fashion atualmente, impulsionados por homens e mulheres nas redes sociais, transformando o esporte ainda mais em negócio e colocando sua estética no dia a dia de pessoas do mundo todo.
Uma camisa de time (quanto mais vintage melhor), calças legais e tênis que remetam a momentos de esporte.
Pronto. Pode ir pra qualquer lugar do mundo.