Terror Mandelão: não é produção, é bruxaria

Depois de rodar festivais, o documentário de Larozza e GG Albuquerque está disponível no YouTube

Terror Mandelão: não é produção, é bruxaria

Quase dois anos depois circulando por festivais, o documentário Terror Mandelão está disponível online, e o melhor, de graça lá no YouTube. O filme dirigido por Larozza e GG Albuquerque aborda o som experimental, as tecnologias desenvolvidas e o mercado de trabalho do funk paulistano.

Entre bailes e quebradas, DJ K — um dos principais nomes do Baile do Helipa, rolê já clássico que acontece na maior favela da cidade — foi acompanhado pela equipe de Larozza e GG que juntos buscaram entender como nascem a sonoridade e a estética do funk de São Paulo.

A ideia inicial era mostrar o processo de composição desse ritmo que é super experimental, tem “tuim”, bastante barulho, noise, mixagem lá em cima, enfim, toda uma parada de música específica desse estilo de funk, que era onde a gente queria explorar inicialmente. - Larozza

Mas o curioso é que essa história não nasce em São Paulo, mas sim em Recife, quando o GG Albuquerque, jornalista e pesquisador musical investigava a cultura do brega funk na capital pernambucana. O ano era 2019 e o Spotify, reconhecendo o crescimento do gênero, decidiu produzir um curta-metragem, no qual GG foi roteirista e apresentador, enquanto Larozza foi convidado para dirigir. Ali estava selada uma parceria que anos depois viria a resultar no projeto lançado esta semana. 

Terror Mandelão então surge como um projeto de pesquisa de GG, mas que logo na primeira entrevista, já com DJ K, ganha naturalmente outras proporções e se torna um longa metragem sobre a vida do jovem produzindo funk na quebrada, ou melhor, fazendo bruxaria.

Para quem acompanha a cena brasileira alternativa/independente/experimental, enfim, como preferir chamar, percebe que existe uma forte construção de identidade sonora e visual dentro do funk, ou melhor dos diferentes funks, seja pela forma de composição, escolha de sons e beats, os passos de dança, as roupas, diversos elementos estéticos que em conjunto constroem uma cultura muito rica e por vezes pouco compreendida.

Nesse contexto, Terror Mandelão surge como um registro histórico dessa cena construída de forma independente e, se não cai nas graças de grandes gravadoras, rola sem recurso mesmo, na base da guerrilha, alimentado pelo sonho de jovens que almejam viver da música.

A estreia rolou em janeiro de 2024, na Mostra de Tiradentes, e de lá pra cá construiu um circuito de exibição que passou por grandes festivais, como o In-Edit, focado em documentários musicais, e salas menores, como de CEU’s e Centros Culturais. A presença do filme em espaços importantes de exibição, foi o ponto alto para Larozza:

Foi muito bom colocar o filme pra rodar e eu acho que, nesse processo, a parte mais legal foi conversar com as pessoas. Se botar ali na frente e debater as coisas que o filme apresenta, sabe? O filme é um doc que a gente acompanha diversas fases da vida e da carreira do DJ K, desde uma época que ele tá muito sem grana, até uma hora que ele lança um disco com uma gravadora gringa e estoura.

Então tem muitos temas aí no filme que vão sendo levantados e conversados pelos personagens, que depois a gente trocou muito. Ideias sobre mercado de trabalho, produção musical, carreira artística na quebrada, os bailes, a evolução dos passos de dança… Tem bastante assunto de pesquisa que durante os festivais e durante os debates foi o que a gente mais conversou."

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E visualmente o filme experimenta muito, assim como o próprio objeto de observação e registro. Por ser o primeiro longa-metragem da dupla de diretores, ambos tiveram a oportunidade de experimentar muito sobre a linguagem de documentário, trazendo elementos visuais que brincavam com a montagem, as narrativas e o imaginário dos bailes funk e das quebradas paulistanas.

Tentei experimentar algumas coisas. A gente tem cenas de ficção, cenas de dança, várias cenas que fogem um pouco da linguagem tradicional de Doc e a galera percebeu. A gente trocou muito ideia sobre isso. A gente está tentando também ser parte de uma construção de linguagem nacional, de documentários e propondo coisas diferentes. - Larozza

Outro ponto super importante é o atual momento em que estamos quando falamos da cultura funk, principalmente em São Paulo, onde neste exato momento está rolando a CPI dos Pancadões, de autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que tem como objetivo, segundo ele “investigar possíveis omissões de órgãos públicos na fiscalização da perturbação do sossego gerada por festas clandestinas na capital paulista.”

Na verdade, sabemos que este é mais um movimento do Estado de sufocar manifestações populares e que tem como protagonistas, pessoas periféricas e, em sua maioria, negras. Historicamente outras culturas como o Jazz nos EUA, e o Samba, no Rio de Janeiro, passaram por experiências muito similares. Aqui, há uma tentativa de associar a cultura de bailes com o crime organizado, para justificar intervenções violentas nos espaços em que ocorrem.

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Segundo Larozza, o filme começou a ser filmado em um momento em que o assunto ainda não tinha começado a ser debatido pelo poder público, mas que hoje, pode ser uma ferramenta de luta para que o tema seja visto com outros olhos, de preferência menos estigmatizados.

"Acho que, como toda produção artística envolvendo o funk, que leva ele para outros lugares e o apresenta para para outras pessoas, contribui para que essa visão seja menos estigmatizada, porque a coisa não seja criminalizada por falta de conhecimento ou por falta de entender o que está acontecendo ali.

Não porque é uma produção nossa, mas eu acho que é importante mesmo. Quanto mais tiver, melhor. Quanto mais o Estado também incentivar esse tipo de produção é legal, porque o nosso filme é independente, não tem grana de edital, não tem patrocínio, não tem nada. É coisa de coração, na loucura. Eu acho que a criminalização não vai ajudar em nada, nem no debate, nem na construção de uma cena cultural saudável para todo mundo. Todo tipo de produção que leve o funk para outros, outros ambientes, outros lugares de debate, ajuda."

O filme Terror Mandelão está disponível gratuitamente nos canais da Pó de Vidro e da Volume Morto, respectivamente produtora do Larozza e projeto independente do GG Albuquerque. Então não vacila, prepara seu copão, pega sua melhor lupa e taca o play.


ISMO
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