STAB - Toda terça, às 20h

Um rolê com o maior clube de corrida do ABC Paulista

STAB - Toda terça, às 20h

Terça-feira, começo de noite, peguei um metrô saindo da Zona Norte até a estação da Luz e depois um trem sentido Rio Grande da Serra. Horário de pico, vagão lotado, gente de todos os tipos voltando do trabalho. Desembarquei na estação Prefeito Celso Daniel, em Santo André, ABC Paulista e depois de uma caminhada acelerada de 15 minutos, cheguei ao Teatro Carlos Gomes. São 20h, faz 16ºC, e numa contagem rápida, por cima, mais de 200 pessoas, de todas as idades, vestidas com roupas leves e tênis de corrida, reunidas em pequenos grupos na frente do espaço. Vai começar a Social Run da STAB, clube de corrida fundado há pouco mais de um ano e que já consegue mobilizar centenas de pessoas para correr semanalmente pelas ruas do centro da cidade.

O fenômeno da corrida no Brasil explodiu nos últimos anos e parte desse sucesso vem dos clubes de corridas, que reúnem praticantes pela cidade para promover o esporte, ou melhor, a cultura da corrida de rua. Pra entender um pouco melhor, indo do micro pro macro, troquei uma ideia com Leandro Bellini, Felipe Bataline, Victor Rego e Henrique Vecchi, membros fundadores da STAB, pra conhecer o projeto e a partir disso entender um pouco mais sobre esse universo dos Runnning Clubs.

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POV você colou na STAB

Primeiro, vamos falar do nome. De onde vem STAB?

Leandro: A gente precisava de um nome pra poder criar algo, criar identidade com base no conceito que a gente ia criar e a gente pensou, pensou, pensou, bateu cabeça… E aí um dia minha esposa virou e falou assim “pô, e se a gente trouxer aqui da palavra estabilidade, STAB. Ao mesmo tempo, tem o lance da música, que você gosta bastante do Planet Hemp, ela tem uma letra foda bem, bem intensa. E dá pra você fazer criar com base nisso." 

Então ela que fez uma pesquisa de naming, e tem um outro ponto que STAB significa facada, traduzindo ao pé da letra, também vira tipo uma gracinha ali.

Há quanto tempo se conhecem?

Bata: Cara, o mais recente é o Vecchi, que eu conheci aí já tem mais de dez anos, o Leo deve ter uns 15, e o Rego, não lembro de mim sem o Rego (risos). Deve ter uns 23 anos de amizade, talvez. Conheço o Rego desde criancinha. É um negócio legal também, porque apesar de a gente se conhecer há muitos anos, a gente estava numa época não tão próxima. Eu e o Rego sim, nunca nos distanciamos, mas o Lê tava no rolê dele, o Vecchi em outro, e aí a gente acabou se reunindo de novo pra fazer a STAB. Deu uma puta aproximada assim, e eu acho que por serem tantos anos de amizade que a gente consegue fazer as coisas acontecerem também. 

Se não fosse a STAB, você estaria correndo, ou ao menos levando com a seriedade que levam hoje?

Leandro: Tenho certeza que eu não estaria correndo com a mesma intensidade e com a mesma seriedade. Esse negócio de se inscrever em prova e ter um objetivo a longo prazo, correr maratonas… Talvez eu até correria maratona, mas com menos seriedade, estaria fazendo isso com os amigos mesmo, de uma maneira menos a sério. Eu já tinha familiares, amigos que corriam, inclusive os próprios meninos da STAB, mas eu duvido que a gente se encaixaria de correr sempre com a mesma frequência. A gente meio que se reaproximou, então acho que isso seria muito mais esporádico.

Vecchi: Cara, é difícil falar isso. Acho que essa foi uma pergunta que vai me fazer refletir. Eu acho que sim, porque a corrida é um negócio que me pegou bastante, sabe? Antes eu sempre ficava nessa questão, ‘será que eu foco mais na corrida? Ou será que eu foco mais na musculação?’ Porque esse era meu foco na época e aí eu foquei mais na corrida. E aí a corrida me deu um leque de amizades e até impulso pra continuar. Eu gosto muito de performance, de desafiar os meus limites e tentar…'Fiz um RP aqui nessa prova, beleza. Então agora já vou treinar para a próxima vez que eu fizer essa distância de novo, eu consiga bater um RP’.

Então tipo, com certeza a STAB fez com que eu continuasse nesse ritmo assim, forte, sempre visando provas, até porque, tipo, é bastante coisa que a gente gosta de fazer com a galera.

Bata: Cara, acho que é muito provável que não. A STAB vem suprindo e foi suprindo várias áreas que eu sentia uma carência. Eu voltei pra São Paulo no começo do ano passado, estava morando fora por conta do mergulho - Felipe é fotógrafo subaquático e instrutor de mergulho - e voltei muito carente dos meus amigos e minha família, então a STAB foi uma desculpa para reunir essa galera. A ideia era a gente se movimentar, fazer um corre para os amigos mesmo. Começou com os quatro. Então na primeira semana vieram mais seis convidados. Muitos a gente nem conhecia, veio pela primeira vez e foi crescendo. Primeiro veio dez, segunda, 20, 30, 100, 200, 1000, sei lá quantos, 1500 pessoas que a gente estipula. A gente não consegue hoje mais contar.

Este que vos escreve, pelas lentes de Felipe Bataline

Falando nisso, de agora ter centenas de pessoas correndo, porque vocês acham que esse fenômeno acontece? Tipo, é um esporte individual, né?!

Bata: É um esporte individual, mas eu acho que a gente vem aí de uma pandemia que fez mudar muita coisa, então a gente estava muito, sei lá, carente disso, querendo ter contato. Dois, três anos aí trancado em casa e aí acho que os grupos de corrida estão tão em alta porque é um negócio que as pessoas vêm, se sentem acolhidas, né? Se sentem parte de verdade. E acho que isso tá dentro da gente. A gente quer ser parte de algo, vira de torcida organizada, vai pra uma igreja, vai pra sei lá o quê, pra um grupo, faz uma banda, faz alguma coisa pra ser parte de alguma coisa. Então acho que por isso que acaba se sobressaindo e somando a tudo isso, nesse pós-pandemia. Acho que por isso que só cresce, porque a galera realmente é parte, não é um teatro.

Vecchi: A galera tem muito esse lance e não só a galera, mas todos nós, de pertencer a algo, sabe? De tipo, ‘poxa, eu vou lá porque eu gosto da energia, da bagunça, da estética que tem no Instagram…’ alguma coisa assim. Então eu acho que é muito essa questão do pertencer e de conhecer gente nova. Porque tipo, eu falo por mim mesmo cara, eu conheci pessoas aqui que eu jamais imaginaria na vida que um dia eu iria conhecer e que são incríveis, que agregam para minha vida, para conhecimento, com amizade, conselhos… porque é isso, é troca.

E eu acho que essa questão do pertencer é isso, foi criar uma comunidade, fazer parte de algo. Então, tipo, toda terça-feira meu compromisso com STAB, às 20h00, pra gente correr cinco quilômetros.

Rego: A corrida eu acho que é o esporte individual mais coletivo que tem. A gente já falou disso em outros lugares, pra outras pessoas. E eu acho que é a questão de ser algo leve, justamente por não ser performance. Porque você não está lutando, vamos dizer assim, jogando contra o seu amigo ou contra a pessoa que está do seu lado. Você está aqui pra terminar os cinco quilômetros, começa junto, termina junto. Então acho que isso traz, tipo, não é uma coisa que vão me exigir algo, eu não preciso ser bom, mano. Eu preciso correr e terminar. Acabou. Vai terminar igual, quem termina em primeiro e quem chega por último. Quando todo mundo corre cinco quilômetros, é isso que importa.

Foto: Felipe Bataline

Legal isso de leveza, e dá pra ver que a STAB não é performance né?! Tem o lance do exercício, mas tem a cervejinha depois, sem forçar o estilo fitness.

Rego: Nem um pouco, não é performance. A STAB é pra trazer a galera, tirar de casa, ter o primeiro contato com a corrida. No Brasil é mais complicado sair pra correr sozinho, fazer qualquer coisa sozinho. Então a gente se mobilizou, teve essa ideia pra tirar a galera de casa, sair do celular, aquela coisa de ir só pro bar, “vamos pro bar?, vamos pro bar”, mas fazer algo diferente, que conectasse as pessoas, criasse uma comunidade. E deu muito certo, graças a Deus.

Vecchi: Partindo até do princípio, todo mundo fala que para você evoluir na corrida, você não tem que treinar forte, você tem que treinar leve. Você evolui nos treinos leves, então a gente consegue conciliar essas coisas, uma vontade de estar bem com a questão de estar todo mundo junto, de todo mundo se empurrar e se ajudar e gerar também a comunidade.

Porque muitas vezes, se a gente puxa um treino forte numa terça feira, talvez não seja todo mundo que consiga vir, que consiga acompanhar esse treino. Então, tipo, muitas vezes a gente acaba até falando que não é um treino em si, mas se conectar com as pessoas, conhecer gente nova. E a corrida acaba virando um segundo plano ali. Mas também não deixa de ser o foco.

Foto: Felipe Bataline

E hoje, qual a parte mais difícil de manter a STAB rodando?

Rego: Achar mais staff e ter o apoio da prefeitura, de algum órgão da cidade, né? Porque a gente faz tudo por nossa conta, É responsabilidade total nossa. Mas se tiver o apoio, eu acho que ajuda, facilita pra gente. É muito complicado. Hoje a gente se programa, a gente estuda, vê o que tem que ser feito. Mas assim, eu acho que a parte mais difícil hoje é não ter o apoio da prefeitura. Facilitaria muito pra gente.

Vecchi: Acho que o que mais pega é tempo, porque tudo o que a gente já fez até agora foi durante o nosso trabalho, o pessoal de cada um. Então é tipo, sei lá, precisa fazer uma reunião e a gente para o que está fazendo, faz uma reunião rápida com algum potencial apoiador ou patrocínio e tal. Mas o tempo é o que mais pega, porque a gente trabalha no horário comercial. Então a maioria das coisas que a gente faz, a gente faz depois do trabalho, que é tipo 18h00. Então é tipo 24 horas a gente está trocando mensagem no grupo. 

Às vezes as pessoas olham assim, “pô, que da hora, não sei o quê”, mas não tem noção do trabalho que é reunir, e da responsabilidade. Poxa, tipo, se acontece alguma coisa também, então a gente tem que muitas vezes ir atrás de prefeitura ou de pessoas e contatos pra gente conseguir uma segurança melhor.

A STAB virou um trabalho quase oficial então? Como fica a remuneração? (risos)

Foto: Felipe Bataline

Leandro: Virou porque a gente encara com seriedade. E aí é algo que a gente até brinca, que a nossa remuneração desse trabalho é conhecer gente legal, gente foda, fazer network com gente interessante, que tem os mesmos gostos, que tá do lado aqui em Santo André e não conhecia. E também outras pessoas, que através do esporte a gente incentiva e acaba dando um start ali pra ela mudar de vida também. Então é legal a gente ouvir da galera “pô, eu comecei a correr por causa de vocês…” Então por enquanto é o nosso pagamento.

A gente ganha uns produtos aqui, não vou falar que é um pagamento. É uma troca, porque a gente trabalha. E é uma coisa que eu percebo, sabe? Eu vejo muita matéria falando que grandes marcas acabam perdendo muito porque elas não investem tão forte em comunidade e comunidade é o que a gente tem aqui com a STAB, que é reunir a galera pra correr, e é algo autêntico, é uma troca de verdade com a galera. E é algo que as grandes marcas estão procurando. E aí o problema pra mim é que eles olham pra gente como um investimento baixo, eles dão um produto pra gente, tá tudo certo e a gente finge que tá tudo certo, mas não tá. Essa é a real.

Vecchi: Acho que como é tudo muito novo, como teve esse boom da corrida, e aí as crews começaram a aparecer, tipo Santo André, São Paulo e tudo mais, as marcas vieram muito forte em cima porque elas buscam essa comunidade que a gente criou sem o intuito de vender algo, de ter um produto. Porque eu falo assim, as marcas criam o produto pra depois criar uma comunidade. E a gente fez o contrário, a gente criou a comunidade primeiro, então, tipo as marcas, elas querem o pessoal que vem aqui com a gente. E muitas vezes a gente não é valorizado, tipo “a gente vai te passar um trabalho, vocês fazem todo o trampo de divulgação, de design, divulga para toda a galera e aí, tipo, a gente manda para vocês um produto nosso”

Tipo, hoje, infelizmente a gente não consegue pagar nossas contas com produto, então é isso que falta sabe? Que as marcas olhem isso como um trabalho mesmo, porque é um trabalho danado. A gente faz essas coisas de reunir essa galera e manter essa comunidade e manter esse contato que a gente tem.

Então, tipo, acho que é só mais uma questão de valorização mesmo, porque tem muita marca que se aproveita e tem muito grupo que se prostitui também por pouca coisa. Então, tipo, a gente acaba ficando meio assim (faz uma careta), porque muitas vezes se a gente não aceitar, qualquer outro esquina running club vai aceitar.

Leandro: Vamos criar o Sindicato dos Clubes de Corrida, vamos reivindicar.

Foto: Felipe Bataline

E como fica conciliar os dois trampos? Vocês, que tocam o lado mais “criativo” da STAB, têm espaço pra criar?

Leandro: É algo difícil de conciliar porque tem... Bom, eu trabalhava sempre como designer gráfico, sempre fui designer gráfico. Eu percebi que o mercado estava meio em baixa e decidi migrar pra área de experiência do usuário, então hoje em dia eu sou UX Designer. Eu trabalho num banco, então é algo muito mais corporativo mesmo. Só que eu ainda sentia que eu tinha aquele desejo de criar marca, criar conteúdo, criar coisas meio repreendido dentro de mim. Acho que a STAB foi o grande start pra eu falar, ‘mano, é só eu criar!’. 

Então, a partir dali eu comecei a criar. Eu queria algo muito simples e que eu conseguisse viajar e criar sem que ninguém me repreendesse. Então eu tinha total liberdade, sem que nenhum cliente viesse pra cima de mim falando assim “pô, precisa mudar isso, mudar aquilo, texto tá pra lá, texto tá pra cá…” Então foi algo que me preencheu ali, como designer, sabe? Eu faço o trabalho de UX designer, que eu gosto e enxergo muito valor no que eu faço, só que ainda faltava muito esse lance do design gráfico, de criar e de fazer coisas novas.

E você, Bata? Saiu da fotografia subaquática pra fotografia de corrida!

Bata: Cara, é bônus e ônus. Eu sinto muita falta do mar, é meu lugar favorito no mundo. Mas pra minha área, que eu trabalhava, eu não conseguia ser e fazer o meu trabalho. Era uma foto 100% comercial, pra turista, para isso, para aquilo. Então eu não conseguia editar do jeito que eu gosto. Eu não conseguia fazer uma foto do jeito que eu gosto. Então hoje na STAB eu tenho total liberdade de editar, de fazer e de pôr um pouco do Felipe assim, de como o Felipe enxerga a fotografia também. Então, acho que para todas as áreas, assim, o Lê vem de um banco, imagina, de criar pra um monte de gente coxa! E aí aqui ele consegue viajar, enfim, todo mundo consegue atuar bem e ser a gente mesmo.

Então é isso que acho que é o mais legal, a STAB cresceu e a gente sempre foi a gente, sem precisar fingir algo e enfim, a gente fez um negócio com muita verdade e é por isso que acho que rola, e por isso que deu certo. E é por isso que é tão gratificante também do que fotografar, sei lá, embaixo d'água, cara em Noronha, - morar em Noronha é da hora pra caralho - Mas é legal aqui, também eu gosto muito de Santo André.


ISMO
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