Secret Futebol Club cria histórias para além dos campos

A Secret Football Series usa Nova Iorque como plano de fundo para produções audiovisuais do coletivo

Secret Futebol Club cria histórias para além dos campos

Nova Iorque é uma cidade peculiar. Sinto que todo pequeno grupo social na cidade tem um lugar especial para se desenvolver e crescer além de seus propósitos iniciais. Se você joga xadrez, vai ter um grupo que vai te acolher e vão ter lugares para ir relacionados a isso; se você gosta muito de pizza, vai encontrar uma religião de apaixonados pela mesma coisa que vai ser seu novo “clube do livro” pessoal. 

O que me chama atenção não é só esse aspecto diverso de subculturas que residem e habitam as ruas da cidade, mas também como esses grupos transformam suas paixões em arte, produtos e como vendem sua ideia pra além de seus participantes. Você encontra bonés de hamburguerias e chaveiros de crews de skate se procurar bem. 

Juntando subculturas e criatividade, conheci o Secret Futebol Club, uma crew de amigos que se juntou 15 anos atrás para jogar bola nos parques e quadras públicas de Nova Iorque e que hoje se transformou em coisas maiores, fazendo do jogo em si só uma ponta de sua atuação. Recentemente o Secret lançou o “Secret Football Series”, uma série audiovisual com roteiros que conectam os participantes dos jogos com suas histórias de relação com o esporte e com a cidade. 

Ah, para quem ainda não pegou, a gente está falando de futebol. 

Quando vi, achei bem legal e vi um olhar genuinamente nova iorquino de perceber suas histórias e de dar vida ao projeto. Se os caras antes só jogavam bola, hoje extrapolam o limite das quadras e levam sua criatividade para criações próprias e para collabs com marcas e times de futebol do mundo todo. 

Quem me contou tudo isso foi o Ricardo Carlota, um dos membros-fundadores do Secret Futebol Clube e, junto do Cristián Medina e do Nicolas Vallejo (os diretores da série Secret Football Series), eles me contaram mais sobre essa pira de fazer vídeos e projetos além do jogo.


Tenho acompanhado coletivos de futebol de Nova Iorque e vejo que a cultura dos rachões é bem forte. Ricardo, como você enxerga hoje a cultura do futebol na cidade? 

Ricardo: Para começar, acho que isso tudo sempre existiu aqui. Acho que todo lugar do mundo tem futebol, é um jogo acessível. Em Nova Iorque, existe uma camada de criatividade que brilha além do jogo. Acho que tem o ponto que o foco tem se voltado pra cá por causa da Copa do Mundo e tem mostrado vários projetos existentes, revelando bastante sobre a cultura e sobre como as pessoas tentam fazer parte disso, seja de maneira positiva ou negativa.

Acho que é uma maneira bem divertida e um lugar interessante para se estar agora, porque como Nova Iorque é bem diversa, você introduzir esse elemento ao futebol, você começa a ver benefícios do jogo e começa a entender como você pode, efetivamente, quebrar barreiras de linguagem só por ter um denominador comum do esporte. Com isso, permite várias maneiras das pessoas criarem em cima do seu ambiente e o que quero dizer com isso, é criar comunidades, conhecendo pessoas e seus interesses, e ainda aquilo que interessou elas no esporte. 

Frames de um jogo captado pelo coletivo

Me contem um pouco sobre o Secret Futebol Club. Como surgiu e como está hoje?

Ricardo: Secret tem uma abordagem tripla, tem aspectos diferentes que se desenvolveram nos últimos 15 anos da nossa existência. Quando começamos, a gente fazia os jogos em Nova Iorque só convidando uma galera mais próxima, jogando pequenos jogos em diversos lugares, tipo 3x3 ou “rei da quadra”. Depois começamos a fazer 5x5, jogar em ligas, começamos a destilar o que era realmente e como queríamos jogar. 

O core e a batida do Secret Futebol Club são essa comunidade de pick up games (jogos informais onde a galera combina e se reúne pra jogar, tipo nosso rachão, nossa pelada). É essa gravidade que puxa todo mundo pra dentro, você conhece novas pessoas, faz novos amigos, aprender coisas novas e interessantes e disso começamos a fazer coisas naturalmente, pessoas que são criativas começaram a criar nossos próprios objetos, nossos vídeos, esculturas, fotos, realmente explorando todos os meios e tudo que as pessoas têm a oferecer de maneira divertida e experimental. 

O Secret Futebol Club tem como foco a comunidade. Em nossa essência, somos um centro organizador de futebol. Também operamos como estúdio e agência boutique. Para nos divertir, produzimos artefatos, objetos e itens diversos com artistas que amamos. A gente tenta sempre inovar e alinhar as expectativas dessas marcas e times que trabalham com a gente com nosso ethos, então as coisas que você vê nossas com eles, tem nossa identidade. 

O Secret Futebol Club é um assunto denso (risos), mas principalmente é sobre as pessoas.

Nico: Eu estava filmando um vídeo de uma banda que o Ricardo era o empresário. A gente estava almoçando e ele me falou sobre uma crew de futebol que ele tinha e eu comecei a jogar com eles, ir em eventos, ir em encontros e pouco a pouco, eles se tornaram meu grupo de amigos, nos vemos todo final de semana… Hoje é como uma família, se você está sozinho em Nova Iorque e cola com eles, você se sente abraçado. 

Cristián: Quando o Nico me contou sobre esse grupo de futebol de Nova Iorque, fiquei pensando “como assim? Por que eles jogam futebol?” (risos). Mas comecei a querer entender mais sobre o grupo, sobre como eram as pessoas e são tão apaixonadas por futebol como nós somos. O primeiro dia que os conheci, foi jogando bola e trataram a mim e à minha mulher - que também participa nas séries na produção - muito bem! O futebol une as pessoas e acredito que isso seja o mais lindo dessa série. 

Vejo que vocês não tem só ido jogar bola, mas também fazem coisas criativas com as pessoas que jogam. Isso até chega a inspirar outros grupos, né?

Ricardo: Essa é a atitude! Você não é dono do aspecto cultural dos rachões. Eu vivo numa cidade de milhões de pessoas, então é muito baseado no tom e no caráter que você se coloca. Eu gosto de falar que é um jogo “open source”, o código está aí, você tem que interpretar, fazer acontecer para você e seus amigos, principalmente. 

Vocês tem ido para um caminho do audiovisual recentemente. Me falem um pouco sobre esse desejo de fazer vídeos. 

Ricardo: Pois é! Um dos nossos amigos, que conhecemos através de um clipe de uma banda que eu costumava trabalhar, ele adora filmar de filme, ele é obcecado por isso, ele tem uma câmera 16mm. É o Nico Vallejo, ele é louco (risos), uma pessoa brilhante, criativa e enérgica. Ele falou “cara, tem tanta história com profundidade que sai da galera que cola com a Secret que eu adoraria capturar!”. Um mês depois, ele começou a especular e desenhar esses episódios e ele filmou tudo em 16mm com um amigo chamado Christian Medina, pegando essas histórias que eles sentiram que tinham alguma importância tanto nos personagens quanto nas pessoas retratadas. 

O primeiro capítulo da Secret Football Series começa com a história de Abii

Algumas coisas deram muito certo, outras, tipo locação, foi muito na camaradagem, perguntando para amigos se podíamos gravar nos locais de trabalho deles. A série é uma vinheta para o mundo do Secret Futebol Club. Foi tudo produzido naquela ideia do livro "You'll Like This Film Because You're in It: The Be Kind Rewind Protocol”, do Michel Gondry, onde o personagem é a própria pessoa contando sua história. Nenhum de nós é ator e às vezes é dolorido assistir nossas atuações (risos), mas nós nos divertimos tanto criando que nada disso importa, quando assistimos a gente curte muito! A série começou a rolar agora no Youtube e fizemos exibições no nosso estúdio ano passado, foi muito legal, a casa estava lotada, um momento muito especial. 

Nico: A gente escreveu essa série pelo simples fato de querermos fazer algo legal com essas histórias. O Christian veio do Chile e a gente filmou os 10 episódios em Abril do ano passado, um por dia, totalmente guerrilha, filmando em filme 16mm, o que nos custou 14 mil dólares, 7 mil meus e 7 mil do Christian. Queríamos criar algo divertido e autêntico, histórias sobre Nova Iorque e sobre jogar bola. 

O futebol era uma desculpa para mostrar a comunidade e os personagens que a cidade nos trazia, situações que Nova Iorque nos fazia viver, pessoas diferentes que fazem coisas diferentes que se reúnem para jogar bola. É mais importante o que acontece com a pessoa que está contando a história do que realmente a parte do jogo. 

Cristián: É importante dizer que o que conecta todas essas histórias na série é a bola - um perde a bola, outro rouba, outro acha, outro joga com outras pessoas etc. A série é sobre as pessoas, mas é a bola, o esporte, o principal conector dessas histórias. 

Eu estava no Chile quando o Nico me chamou para fazer essa série sobre o Secret e os primeiros contatos foram através do Zoom ou via Meet. Com esses papos, começamos a escrever as histórias baseadas nas personalidades das pessoas do grupo e também em momentos vividos pela gente. Por exemplo, tem um episódio que a pessoa se apaixona por algo que comeu - essa história eu e o Nico vivemos em Paris, comendo uma baguete (risos). 

Em 2024 eu fui até Nova Iorque e ajudei o Nico a criar essa série, sem nenhum orçamento, fazendo tudo por amor pelo esporte e por acreditar no projeto. 

Vocês filmaram a série toda em filme, usando câmeras de 16mm. Por que essa escolha? 

Nico: Com o filme temos uma pegada mais “real”, algo mais próximo do que fazemos de verdade no dia a dia. Com certeza demanda mais atenção e foco ao filmar tudo em filme, porque você não pode ter tantos takes como tem nas câmeras digitais. Você tem que se preocupar mais com os actings e com as cenas, não temos 15 takes para um shot, sabe? Tem que ensaiar um pouco antes e depois filmar valendo. 

A escolha de usar filme é para ser mais natural, mais real, sentir as nuances da vida, é uma escolha estética com certeza. A parte do “jogar bola” tem que ser muito bem coreografada, até pra dar uma sensação de realidade, o que nem sempre um jogo coreografado dá no cinema, mas tentamos fazer com o máximo de cuidado possível para passar essa sensação de realidade, mesmo sem ninguém ser ator de fato, mas até isso ajuda, as pessoas são mais espontâneas também. Trabalhar com amigos, mesmo se você faz algo mais sério, é muito divertido. 

Cristián: Foi muito chamativo fazer uma série dessa e fazer em filme foi uma loucura. Foi tudo por amor, na raça. Foi como jogar uma partida contra o Barcelona (risos). 

A série de 10 capítulos, todos capturados em 16mm

Eu sinto que o Secret é mais do que só um coletivo de ir jogar bola e já era. Eu vejo vocês como uma plataforma de fazer outras ideias além do futebol só jogado. Me conta um pouco sobre isso, sinto que essas ações também podem chamar a atenção de outras marcas maiores, outras produtoras…

Ricardo: Sendo honesto, não ligo muito de chamar atenção para coisas maiores ou algo do tipo. Vivemos e respiramos isso, então estamos focados em fazer isso de forma sustentável e nos divertir o máximo possível. Tudo o que vem das marcas é simplesmente uma reverberação natural do que já estamos divulgando.

Com a Secret, tudo o que fiz veio de um lugar de autoexpressão e compartilhamento de experiências com amigos. Se uma marca percebe isso, se conecta com ela e nos convida a colaborar, então se trata apenas de estender o que já estamos fazendo. É assim que a maioria dessas conversas começa.

Minha prioridade é servir ao meu entorno imediato, construir uma comunidade de futebol acessível de diferentes maneiras, compartilhar o que fazemos e criar um espaço onde as pessoas possam se ver envolvidas. 


ISMO
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