Rafael Kamada e a arte da repetição, tentativa e erro
A transição de telas da vida de Rafael Kamada

A primeira vez que ouvi falar do Rafael Kamada, éramos jovens. Meados de 2008 a 2012, acho que nós dois compartilhávamos um sonho: o de viver do skate de alguma forma. Eu via que ele tinha lá suas crews, seus projetos de vídeo, suas aparições em canais de Youtube manobrando, mas depois, com o tempo, cada um seguiu seu caminho.
Até que, recentemente, ouvi falar do Rafael de novo, mas em outra arte: nas pinturas. Hoje mais velho, Rafael Kamada tem outra paixão, as artes plásticas, e está fazendo parte de uma exposição chamada "O silêncio da tradição", no Centro MariAntonia da USP, em São Paulo, que será exibida até 28 de setembro.
Troquei uma ideia com ele para saber sobre esse Rafael mais velho e mais artista e se ainda ele conversa com aquele skatista que um dia conheci.
Fala Rafael! Conheço você do skate e, mais recentemente, vi suas paradas de arte. Como surgiu seu interesse pela pintura?
Não sei te responder ao certo como ou quando começou, mas o impulso para começar a pintar não veio de uma decisão deliberada, foi surgindo aos poucos, de maneira natural. Sempre me interessei por alfabetos, em 2019 eu tinha uma relação prática com caligrafia e sinto que a transição para pintura surgiu daí. Com o tempo, fui percebendo que a minha atenção estava mais nos gestos que originavam as letras, do que no significado ou estilização das palavras. Acredito que esse deslocamento de percepção e prática que me aproximou da pintura.
O que é a arte pra você hoje? Onde você está com sua arte, em termos de ser profissional com ela, de ser um hobby, de estar ou não com galeristas... explica um pouco onde está sua arte hoje na sua vida.
Não é um hobby, mas também nunca foi apenas um projeto de carreira. Foi algo que cresceu comigo e hoje ocupa um lugar central na minha vida. Estou apenas começando e animado para continuar estudando e produzindo com regularidade para ver onde isso ainda pode me levar.
Como você define sua arte hoje?
Bom, eu nem tentaria definir. Não busco contar uma história ou construir uma narrativa fechada sobre o trabalho. Tem um poema do Drummond chamado Paisagem: como se faz que fala sobre como a paisagem, antes de se tornar imagem, é algo que se forma por dentro; acho que isso diz algo sobre o que faço. A artista norte-americana Joan Mitchell também dizia que pintava a natureza que restava nela. Me identifico com essa ideia. Não é sobre a representação de um lugar específico, mas de como dar forma ao que sobra dele: um rastro, uma vibração, algo que persiste sem contorno definido.

O que ou quem te inspira na hora de criar? Você tem algum ídolo na arte?
A própria história da pintura, o olhar pro mundo, pro cotidiano, de alguma forma sempre reverbera no trabalho, mas é no fazer que os caminhos se revelam, eu só descubro por onde seguir enquanto estou pintando. Diversos artistas acabam me influenciando de alguma forma, mas diria que o impressionismo e o expressionismo abstrato foram os dois movimentos que mais me abriram portas para a pintura.
Você está fazendo parte da exposição “O silêncio da tradição: pinturas contemporâneas”. Explica um pouco sobre ela e como surgiu esse convite.
Desde abril de 2024 participo de um grupo de estudos organizado pelo Rodrigo Naves — crítico, historiador da arte e professor — , onde artistas e pesquisadores se encontram semanalmente para discutir história da arte. Como grande parte do grupo possui uma prática voltada principalmente para pintura, o tempo e a convivência despertaram no Naves o desejo de organizar uma exposição como um desdobramento dos encontros. A exposição está em cartaz até o dia 28 de setembro no Centro MariAntonia da USP, com entrada gratuita. Amigos que também participam da exposição: Beatrice Arraes, Beatriz Buendia, Bruno Neves, Daniel Tagliari, Guilherme Gallé, Helen Scheunemann, Jesus José, Joji Ikeda, Lucas Rubly, Luiz83 e Miguel Mori. Também fazem parte do grupo, como pesquisadores, a Beatriz Almeida e o Gabriel San Martin.

Voltando ao skate, como está o skate pra você hoje? Continua andando, continua filmando, fotografando e afins?
Hoje em dia estou parado, faz tempo que não ando de skate. Ainda acompanho algumas coisas, vejo vídeos, sigo amigos que continuam na ativa, mas guardo lembranças muito boas desse tempo, em especial dos lugares que conheci e grandes amizades que construí.
Falando das duas coisas, o skate influenciou sua arte de alguma forma?
Pensando agora numa possível relação com a pintura, vejo que nos dois há algo que surge da repetição, da tentativa e erro. O movimento nem sempre dá certo de primeira, mas é na insistência que algo começa a acontecer. É como se a imagem, assim como a manobra, surgisse aos poucos, entre tropeços, desvios e descobertas.