Peranonimo e a rua em miniatura
Grafittis, carros, skatistas e casas antigas ganham vida na arte em miniatura do Pera
Imagina tudo o que rodeia seu mundo de forma reduzida. Seus gostos, seu olhar para a cidade, as coisas que você sempre curtiu, tudo aquilo representado em uma escala bem menor.
É assim que o João Pedro Perassoli, o Pera, vê o mundo na maioria dos dias. Ele junta o graffiti, o skate, os carros e as paredes das cidades em miniaturas que tomaram conta do seu fazer profissional e que hoje vão parar em galerias e casas do mundo todo.
A gente trocou uma ideia com ele pra saber quais interesses ele “miniaturizou” e quais as formas de fazer as miniaturas virarem enquanto trampo.
Fala João, tudo bem? Quando e como você começou na arte? Um histórico da sua vida enquanto artista.
Isso vem desde criança. Eu sempre gostei de desenhar, sempre gostei muito de carro e gostava de fazer realismo. Eu tinha miniaturas de carro, sempre gostei, foi uma parada que me acompanhou a vida toda, colecionava Hot Wheels e umas miniaturas um pouco maiores. Aí essa paixão foi aumentando e fui juntando as duas coisas, sempre desenhando carros de forma realista.
Na adolescência, tinha uns 14 anos, conheci o graffiti através de uma aula de artes. Aí comecei a olhar mais pras ruas, observar seus detalhes. Até criei um personagem, uma pêra, que eu fazia nas paredes, desenhava bastante, até fiz uns chaveiros com essa perinha. Essa relação do graffiti com as minhas miniaturas meio que vem daí também.
Em 2014 eu tive meu primeiro contato com o biscuit, que viria usar bastante nas miniaturas depois. Comecei a fazer chaveiros e vender e entrava uma graninha, que me dava uma perspectiva diferente. Depois disso, quis fazer uma garagem para os meus carrinhos e peguei esse biscuit que estava sobrando e fiz a minha primeira, que era uma garaginha com uns detalhes urbanos, uns graffitis, tinha já essa pegada.

Aí postei no instagram e uma outra página até repostou! Nessa eu vi que era uma área que dava pra eu me puxar um pouco mais, sabe? E tinham poucas coisas no Brasil relacionadas a miniaturas como eu estava fazendo. Meu foco sempre foi muito falar sobre a rua, pegar fachada com pixo. Eu sempre curti, eu sou do interior de São Paulo, mas eu sempre curti muito ser estética de graffiti e pixação.
Depois mais velho até pensei em fazer faculdade de design, mas ainda bem que não fiz (risos). Eu odeio retrabalho e seria difícil trabalhar com cliente de agência. Aí trabalhei em um mercado fazendo cartazes, mas foi por pouco tempo. Depois trabalhei com um cara que tinha um aquarismo. Isso tudo eu continuava fazendo as miniaturas e postando no instagram, mas ainda não tinha dado um boom. Não tinha feito muita venda significativa, nem nada.
Desse trabalho com esse cara, entrei em outro, uma empresa de arquitetura e design, e foi nesse que entrei realmente no circuito de galerias e comecei a realmente vender meus projetos. Com eles também comecei a usar PVC nas miniaturas e foi dando mais corpo pra aquilo que eu fazia.
Deu um boom mesmo na pandemia, quando comecei a meio que só fazer isso, viver de miniaturas, mesmo. Comecei a vender mais, vender para fora da minha cidade, e isso foi muito bom. Vendi até pra fora do Brasil, tipo Japão, Canadá, Estados Unidos.
Hoje um dos projetos que dá mais alcance é o das latas, que eu transformo a lata em uma cena do cotidiano. Hoje sou casado, tenho uma casa que conseguimos ter com esse trabalho das miniaturas, então acho que está dando bom (risos).
Pô, muito legal. Eu vejo que seu trabalho tem uma morada forte nas cenas da rua, no graffiti, no pixo, skate e afins. O quanto isso tudo tem um peso na sua formação enquanto pessoa?
Eu conheci o skate enquanto moleque e sempre curti o estilo de vida dos skatistas. O graffiti e o hip hop também entram muito nessa equação. Também já tive bike fixa e já fiz miniaturas de bikes também. Também tem meu interesse pelos carros. Então sempre tento colocar essas coisas em uma cena de cotidiano urbano, principalmente o pixo e o graffiti, que tem em toda cidade, seja ela pequena ou grande.

Eu não ando mais de skate, mas curto a cultura, então tento colocar personagens que fazem sentido. Isso foi até um parada que me fez estudar mais 3D, porque alguns personagens, como skatistas, você não encontra bons moldes online, então tem algumas coisas que você tem que criar.
Falando nisso, sei que as miniaturas de pessoas e personagens ou itens são de Impressoras 3D. Como foi essa parada de conhecer esse método, você tinha tentado fazer de outro jeito antes ou meio que teu trampo mudou quando começou a fazer em 3D?
Antes eu tentava fazer tudo à mão e tinha até um preconceito com máquinas. Mas aí comecei utilizando corte à laser e os encaixes foram ficando muito melhores. Até pro cliente, ter uma coisa mais estruturada era muito melhor, principalmente para mandar pra longe, para aguentar o transporte.
Em relação ao 3D, foi uma parada também de pensar na mão de obra e no lado financeiro. Se eu continuasse fazendo à mão, talvez as pessoas não iam pagar o valor que aquele trabalho tinha. Com o 3D, a demanda é mais rápida, você consegue imprimir várias coisas e pintar rápido, facilita a vida. Eu sou um artista que vive só disso, então você tem que achar formas de achar seu valor. Você até pode agregar seu valor fazendo à mão, mas quando você vive disso, tem que achar um meio termo. Se eu fizesse as latas à mão, ia sair muito mais caro que fazer em 3D e talvez nem vendesse.
Voltando até a falar da rua, que é o que te inspira. Na rua muita gente se incomoda com o pixo e com o grafite, e esses são elementos presentes na tua arte. Existe um preconceito com pixo e grafite nos dioramas também? Como você vê isso?
Cara, já tiveram comentários negativos, sim. Alguns que veem o processo de fazer um diorama e falam “puts, preferia antes de você colocar a pixação” (risos). Mas pensa em um lugar abandonado, sempre tem alguém que vai fazer uma graffiti lá, então eu gosto bastante de representar esses lugares também.
Mas acho que por ser uma representação artística da realidade, as pessoas vêem com outros olhos. Mas tem gente que quer a miniatura mais “bonitinha” (risos). E eu adoro fazer os trabalhos mais “sujos”, porque nas maquetes mais arquitetônicas, sua mão tem que estar limpinha, você não pode sujar nada, tem que ter muito mais cuidado. Eu curto a parada real mesmo, sabe?
Você comentou que às vezes pensa que algum post vai bombar ou não. O que bomba?
Cara, existe uma diferença entre bombar no instagram e bombar no TikTok. No segundo é mais fácil, porque o algoritmo te ajuda. Um dos últimos que fiz recentemente bateu legal no instagram, mais de 200 mil visualizações em pouco tempo. E era um que eu achei que não ia dar em nada!
É muito bom quando bomba, porque gera engajamento, seguidores e futuramente, quem sabe, essas pessoas não compram também, sabe? Mas tem coisa que a gente faz pensando em bombar e não bomba e gera uma certa frustração, até comecei a dar uma desencanada disso.
Eu sou da época que a gente bombava postando foto no instagram. Hoje é reels e você tem que ser o coringa, ficar jogando o jogo deles. Sinto que no instagram é um público mais sério que no TikTok, é no insta que vem a maior parte dos meu clientes. Mas eu acredito que se focasse mais em produção de conteúdo, já tinha duplicado de seguidores, sim.
Mas eu detesto estar nesse lugar de ter que também fazer vídeos, porque eu quero fazer tudo perfeito e às vezes gera uma frustração. E cara, não dá pra ser tudo ao mesmo tempo, saca? Para ter uma parada profissional, você tem que contratar pessoas que são profissionais naquilo. Eu sou profissional em fazer miniaturas (risos).



Basquiat em miniatura na lata
E cara, hoje nas redes sociais, um fotógrafo, por exemplo, não posta só a foto; ele mostra todo o processo criativo, o olhar, tudo. Hoje imagino que muita gente te procure também pra ver essa técnica, não só pra comprar. Como foi essa virada de chave de também entender que nesse processo existia um lugar de ensinar os outros?
Eu sempre tive um certo medo de mostrar o processo criativo, sabe? Eu nunca achei que o “fazer” era algo bonitinho, algo que valesse a pena mostrar pra quem está comprando meu projeto. Às vezes a pessoa está vendo eu fazer um projeto de 500 reais e eu estou usando um pincel que custou dois, sabe? (risos).
Mas eu nunca tive medo de entregar o ouro em relação à técnica, até porque você pode criar sua própria técnica e dar certo. E às vezes o que você usa pode ser até mais fácil do que o que eu faço, entendeu?
Hoje eu tenho um curso, então alguns vídeos mais nesse caminho de processo e técnica eu apresento no curso. Às vezes tem um takezinho ou outro do processo, mas a maioria está no curso, mesmo.
Quais suas inspirações pra criar? Existem outros artistas que te inspiram ou que fazem algo parecido?
No começo eu não conhecia ninguém, meio que fiz por inspiração própria e por necessidade de criar garagens para os meus carrinhos. Mas aí depois entrei nesse meio e conheci vários artistas brasileiros e gringos, tem o Joshua Smith, Kevin Dalenti, entre outros. Tem gente que vem me perguntar se pode fazer projetos iguais aos meus, tipo o da lata. Teve gente que fez e me deu créditos, mas o tanto de gringo que fez esse depois, não tá escrito (risos).
Mas isso te pega de alguma forma?
Eu não fico pensando “eu criei então é meu”, porque a arte é assim, ela é uma mescla de várias referências que você tem e vai juntando durante sua vida. Coisas que você curte, coisa que você acha esteticamente bonito. E aí você vai juntando um pouquinho dali, um pouquinho daqui, você vai formando a sua própria arte, entendeu? Chega num ponto que isso fica muito autoral, um ponto que você fala: "Pô, mano, parece que isso nunca foi feito de nenhuma forma", mas é uma mescla de várias referências, sabe?
Qual seu trampo mais desafiador até então?
Foi o Museu do Legislativo em Macaé, que tem muita porta e muita janela. Deu muito trabalho mas eu sabia que ia dar conta. Era grande, mais de 70 cm, mas hoje com a experiência que tenho, com o maquinário, sei qual o meu limite, sabe? Aquilo que eu sei que vou dar conta. Mas os projetos que dão mais dificuldades são os maiores, mesmo.
Geralmente meus projetos vão de 30 a 50 cm, máximo 60, então quando eu pego o trabalho de 1 m para fazer assim, é uma coisa que eu fico um pouco desafiado ali, né? Até em questão de logística. Eu fico pensando o projeto inteiro, que material que eu vou usar pra tentar não deixar tão pesado, fazer de uma forma que evite de quebrar no caminho.
Quando o projeto é grande, fica caro também o envio, então essas coisas eu tenho que pensar bastante.
Uma outra coisa que eu sempre falo pros clientes também é que fazer pessoa com 3D não vai ficar perfeito, é uma representação ali, não é o rosto perfeitinho, sabe?

Mas essas histórias com pessoas envolvidas, com casas de avós, essas coisas que já vi no seu instagram, são histórias comoventes, né? Quais feedbacks você já teve que são legais de compartilhar?
Sim, são muito legais. Eu tento sempre buscar entender um pouco da história da família, sabe? Até pra depois criar um vídeo e explicar tudo, não só mostrar como uma maquete, realmente tentar agregar um valor sentimental àquilo. E é muito bacana que às vezes a gente termina e o cara fala: "pô, mano, me emocionei aqui", sabe? Maioria dos clientes se emociona quando a gente finaliza.
É muito interessante. Isso é algo que me toca também, sabe? Porque são os projetos que eu mais curto fazer.