Pedro Vinicio e a sutil arte de abraçar o erro
Dos desenhos virais à pintura e à pesquisa sobre arte popular nordestina, Pedro Vinício fala sobre repetição, erro e o ato de criar como forma de respirar
Pedro Vinicio entrou no radar de muita gente aos 14 anos, no auge da pandemia, quando começou a postar no Instagram aqueles desenhos aparentemente “toscos”, coloridos, com frases diretas que misturavam afeto, humor e um certo cansaço precoce do mundo. Era um adolescente do agreste de Pernambuco falando de solidão, desejo, ansiedade e internet com a naturalidade de quem anota o que vê na rua. E isso conectou. De repente, um garoto de Garanhuns estava sendo compartilhado por artistas que ele mesmo admirava.
Hoje, aos 19, Pedro continua em Garanhuns — a mesma cidade fria do interior de Pernambuco que revelou Lula e Dominguinhos — pintando, acumulando catálogos, pesquisando arte popular e descobrindo novos caminhos entre o ateliê e a rua. Sem se afastar da internet, mas também sem depender dela, ele tem aprofundado um processo que combina intuição e pesquisa, experimentação e repetição — porque, como ele mesmo diz, “repetir nunca é a mesma coisa”.
Mais do que relembrar “aquele menino dos desenhos da pandemia”, essa conversa tenta entrar onde o feed não entra: no processo, nas referências improváveis, na importância do erro, nas crises estéticas, na relação entre palavra e imagem e nesse desejo dele de produzir muito e mostrar pouco. É sobre o que inspira, o que já cansou e o que ainda faz Pedro sentar e desenhar.

Opa, e aí Pedro, tudo bem?
Fala meu querido! Demorou, mas deu certo. Tava vindo na estrada, mas cheguei a tempo. Ontem eu tava em Recife, agora eu já tô em Garanhuns. A cidade não é muito grande, mas peguei um trânsito… Enfim, deu certo.
Quanto tempo é de Recife?
Quatro horas. Garanhuns você conhece, né? Cidade famosa! Arto Lindsay, músico e produtor, parceiro de Jean Michael Basquiat, é americano mas cresceu em aqui em Garanhuns…
Sim, terra de Lula, de Dominguinhos…
Também! Uma cidade legal, né?
Parece ser muito! Achamos muito legal você ter mandado aquela mensagem pra gente. Como é que você conheceu a ISMO?
Eu adorei porque apareceu aquela matéria da Elenco, que vocês fizeram das capas de disco. Eu tava subindo o feed e pensei: “porra, que foda!”. Aí fui olhar os outros e automaticamente apareceu Rogério Duarte, uma porrada de gente foda, o Cafi... aí eu disse: “poxa, parece minha curadoria”. É o tipo de coisa que eu gosto, e o jeitinho que vocês colocam o design, o texto… Eu adorei. Li várias matérias, a do Kiko Dinucci, falava dos desenhos dele, e eu mandei logo a mensagem. Eu tava no hotel, em Recife, e pensei: “pô, queria tá junto ali também. Eu gostei muito de tudo”.
Legal demais. Eu lembro que a primeira vez que fui impactado por uma arte sua foi na pandemia, acho que em 2020/2021. Você devia ter o quê, uns 15 anos?
Eu tinha 14. Comecei bem moleque, 13 pra 14. Era criança mesmo, nem sabia como as coisas funcionavam. Mas eu sempre fui muito curioso, sabe? E acho que quando bombou mesmo eu já tava com 15.

Aquele momento da pandemia foi forte, né? As mensagens que você colocava junto com os desenhos acabaram ressoando pra muita gente.
Foi exatamente isso. Eu joguei no mundo porque comecei como uma brincadeira. Eu disse: “velho, vou fazer alguma coisa nova, vou usar o Instagram”. Nessa época eu tava vendo muita coisa sobre arte contemporânea, tinha umas coisas bem foda do Tunga, do Cildo Meireles… Automaticamente eu fiquei fã de Cildo Meireles. Tipo: uma criança de 14 anos fã de um artista conceitual. Aí eu já não curtia muito desenho animado, eu troquei os desenhos animados por esse mundo da arte contemporânea. Paulo Bruscky, que não sei se você conhece, da arte postal…
Sim, conheço, piro muito na obra dele...
Pois é. Eu pirei nele. Vi o ateliê dele e pensei: “pô, eu queria ser assim”. Comecei a juntar papelzinho, fazer uma coisa mais conceitual. Só que, poxa, eu tinha 14 anos. Quem é que vai levar uma pessoa de 14 anos a sério, né? Aí eu fiquei brincando, sem pensar muito. Joguei no mundo uns desenhos meus aleatórios, e depois eu pensei: “poxa, tem uma linguagem nesses desenhos, né?”. Tem uma coisa ali. E o pessoal começou a chegar junto. A galera que eu admirava — tipo Adriana Varejão — tava chegando junto.






Demais. Muita gente ainda te enxerga como esse garoto de 14 anos que apareceu na pandemia publicando desenhos toscos no Instagram. Quem é o Pedro Vinicio hoje?
Agora eu acho que tô num momento que eu queria estar, sabe? Quando eu comecei, comecei pra mim, porque eu adorava arte contemporânea — ainda gosto muito de Cildo Meireles, esse pessoal. Eu achava demais. Eu olhava e dizia: “é impossível ter um trabalho dessa pessoa, porque é fora do meu orçamento, né?”. Como uma criança de 14 anos vai conseguir um Cildo Meireles? Uma gravura é dez mil reais, não tem como.
E hoje em dia eu me sinto feliz de ter esse momento, de pensar “Pedro Vinicio é um cara realizado”, sabe? Mesmo antes dos 20, realizei meus sonhos. Conheci Cildo Meireles, Paulo Bruscky, sou amigo de Jac Leirner… o pessoal que eu admirava e que hoje ainda me influencia muito.

Acho que hoje tô numa fase legal, só produzindo meu trabalho. No começo eu tinha aquela coisa mais incerta, ficava meio “poxa, coisa de internet”, né? As pessoas me chamavam de influencer, e eu dizia “não, não me identifico com isso”. Agora acho que consegui o que eu queria: colocar minha ideia no mundo e ver as pessoas dialogando com o meu trabalho. Hoje mesmo recebi uma imagem de uma pessoa fantasiada com um desenho meu de Halloween. Eu disse: “porra, até a botinha de vaca fizeram, que coisa linda!” Outro dia uma garota me mandou um artigo que ela escreveu na faculdade sobre a relação dos memes e das artes visuais que me citava também.
Você comentou que tem pintado umas telas — o que você está buscando nelas que o desenho rápido não dava?
Quando eu vi a ISMO, lembrei logo das minhas pinturas, porque elas têm uma coisa mais punk, mais cult, sabe? Tudo que eu adoro tem ali praticamente. Eu lembrei logo dessas pinturas que eu fiz e que ninguém sabe que eu pintei. Pouca gente viu. Me chamaram pra fazer uma exposição, mas eu disse: “não, só daqui a 10 anos”.
Essas pinturas eu fiz numa fase muito engraçada da minha vida, quando eu tinha 17 anos. São desenhos mais pictóricos, com técnica, sombreado. Nem parece que fui eu que pintei. Claro que tem uns bonequinhos que lembram, mas é mais enxuto, mais abstrato.
Foi na fase que eu comecei a visitar uns afters. Eu ia, não fumava e nem bebia, ficava com meu suquinho de laranja, observando todo mundo. Aí eu consegui um ateliê em cima da casa da minha avó. Quando cheguei lá, comecei a pintar esses bonequinhos, criando outro universo, sabe?

Eu passava um mês em Recife, depois voltava pra Garanhuns e produzia essas pinturas. Pintava e guardava, como se fosse outro artista, sabe? Depois fui me dar conta do que eu tava procurando com essas pinturas: era como se eu tivesse fotografando aqueles momentos na pintura. Eu via todo mundo dançando e eu lá no cantinho, observando.
Tem umas tacinhas de vinho, uns casais se pegando… tem uma pintura que gosto muito, que é um casal se pegando, eles estão se abraçando e mostrando o dedo do meio.


E você fez essas telas só nessa época ou continua pintando?
Eu pinto muito. Mas é aquela linguagem do Instagram, sabe? Eu pego a ilustração e jogo na tela, pinto com tinta acrílica. Tem obra minha em coleção de Zélia Duncan, Caetano Veloso… Eu pinto bastante. Mas essa série que eu fiz era uma coisa mais intimista, pensando em me expressar mesmo, nada muito conceitual, mais um registro de um momento.



Das telas do celular para a parede da galeria
E sobre processo criativo, como é pra você? O que vem primeiro, o texto ou a imagem?
Meu processo criativo é uma coisa que eu adoro. Esses dias fui dar uma oficina e o pessoal tinha uma ideia muito romântica de criatividade, né? Mas pra mim é mais uma conjunção de coisas. Eu vejo muita imagem. Gosto muito de ter contato com catálogo, gasto muito dinheiro com isso. Já tô sem espaço. Fico comprando bonequinho, catálogo, livro… Agora mesmo comprei esse livro foda do Brennand. Chegou esses dias, coisa linda.
Meu processo criativo começa com uma imagem que me impacta. A partir dessa imagem, eu vou ler alguma coisa de poesia… Aí saio na rua, escuto uma conversa de bar. Eu junto tudo, nem sei como — quase como uma feijoada, sabe? Faço aquela mistura e deixo coar na minha mente, e quando vou desenhar, parece fácil.
Já tive fases de me influenciar por tudo. Quando eu tinha 18, por exemplo, eu me inspirava em uma pessoa só — porque eu tava apaixonado por ela. Se ela dizia “gosto da Liniker”, eu ia ouvir e desenhar algo com isso. Se dizia “gosto de chocolate”, lá ia eu fazer um bonequinho com chocolate. (risos)
Também me inspiro em viagens, em música. Eu sou um cara muito musical. Escuto muita música, e na música vem muita poesia.






Alguns rascunhos do processo criativo de Pedro
E tem a observação do mundo. Acho que por ser uma pessoa tímida, fico muito observando no meu canto. É quase como se eu fosse um psicanalista das pessoas. Fico ali analisando, anotando com o olhar.
O processo criativo é muito louco, dá pra falar o dia todo. Por exemplo, aquele desenho do “puta merda” — do cara meditando e pensando — nasceu num café da manhã com meu pai. Eu tava desenhando, achei o bonequinho meditando muito clichê. Aí botei “puta merda” em cima. E virou tipo minha marca.


"Puta Merda" versão arte digital e versão tinta sob pele
E o que te inspira hoje além das artes visuais?
Eu me inspiro muito em coisa online também. A própria ISMO é algo que me influencia, dá um gás. Essa mistura de imagem com coisa tropicalista, cinema… Nosso cinema, inclusive, eu adoro.
Agora mesmo teve um festival em Recife, o Janela. Eu não fazia nada, passava o dia no cinema. Chegava duas da tarde e saía oito da noite. Vi um curta sobre o primeiro McDonald’s falido — foi em Olinda. Era todo mundo comunista, o povo parou de comer e o restaurante faliu (risos). Vi outro sobre um papagaio… Aí eu saía de lá cheio de vontade de produzir, com ideias.
Sou um cara que gosta de ver muita coisa. E quando todo mundo fala “ah, isso é cafona, isso é feio”, eu viro fã. Adoro o que todo mundo rejeita.
Trabalho muito com o erro, com o imperfeito, com a coisa tosca. É o que mais me chama atenção. Porque a vida é assim, a gente tenta deixar tudo perfeitinho, mas o que é interessante mesmo é o que escapa.
Agora mesmo tô encantado por um artista popular daqui chamado Zé Bezerra. Ele era caçador, é do Vale do Catimbau. Ele pega um pedaço de madeira, dá dois cortes e vira uma escultura foda. Um trabalho feito na intuição. É isso que me inspira: as conversas, as pessoas, a imperfeição, tudo.
Você tem uma conexão forte com o Nordeste? Você pesquisa os artistas daí?
Agora eu tô mais nisso. Antes minha pesquisa era mais Cildo Meireles, Tunga, … até Björk — gosto muito da estética dela, sabe? Mas eu via muita imagem e acabava recebendo uma enxurrada de referências. Agora tô mais voltado pra minha pesquisa aqui no Nordeste.
Brennand eu já conhecia, mas tem uma porrada de artista de arte popular que eu fui conhecer agora e acho lindo. Esses bonequinhos, essas esculturas (mostra algumas esculturas de artesões locais)… Tudo me influencia. Se eu paro, fico sem produzir.
Agora fui ver esse artista, o Zé Bezerra, que me influenciou muito, porque ele faz uns bichos.









Algumas refs do Pedro: J.Borges, Cildo Meireles, Tunga, Paulo Brusky, Brennand, Nelson Leirner, Gilvan Samico, Tereza Costa Rêgo e Zé Bezerra
Tem muita coisa incrível daí do Nordeste, né? O próprio Gilvan Samico, o J. Borges…
Exatamente! Samico é uma das minhas maiores referências. Comprei um livro dele esses dias. Tô até com uma gravura pra emoldurar, eu ganhei! Eu adoro o trabalho dele. Eu gostava muito de Nelson Leirner, ainda gosto, acho que tem uma ligação com o meu trabalho, ele pra mim foi um divisor de águas, eu me lembro quando ele morreu e passou uma matéria no Fantástico, eu vi aqueles mapas que ele fazia com aquelas colagens, passei a noite inteira pesquisando o trabalho dele, depois vi um documentário, li entrevistas, fiquei fã maluco…Ainda não tive como comprar uma obra dele mas outro dia comprei um catálogo autografado.
E Garanhuns aparece no seu trabalho de algum jeito ou você acha que seu trabalho é mais cria da “internet” do que do “território”?
Acho que sim. Garanhuns é fundamental para eu produzir. Agora mesmo eu tô aqui e é onde tudo flui. Eu posso ficar um mês em São Paulo, um mês no Rio, mas quando volto pra Garanhuns viro outra pessoa — mais centrado, mais sério.
Eu vou pra Recife, vejo exposições, encontro gente, fico meio vagabundo, sabe? (risos). Mas quando volto pra cá, fico focado. Dou entrevista, desenho, anoto as ideias. Acho que Garanhuns é fundamental, até por ser uma cidade fria, no meio do Nordeste. Uma cidade melancólica, arborizada, com muito verde.
Sem Garanhuns, acho que meu trabalho não existiria. Na pandemia, quando o mundo parou, minha vida já era assim, calma. Todo mundo sai pra trabalhar, volta à noite. É uma cidade silenciosa, e isso tá muito presente no meu trabalho — mesmo que por trás.
Outro dia um cara veio fazer uma entrevista comigo, acho que era de Recife ou São Paulo. Ele perguntou das minhas referências e eu disse que gostava muito de Nirvana, de grunge. Aí ele falou: “poxa, tem uma coisa meio Seattle aqui, né?”. Achei engraçado, mas faz sentido — tem uma neblina, uma melancolia aqui.
Muita gente pensa que eu sou de São Paulo ou do Rio, mas é essa cidade fria do agreste que molda o meu olhar.

Se eu fosse aí te visitar, pra onde você me levaria pra entender o que te formou aí em Garanhuns?
Eu te levaria pra dar uma volta de carro, até a Rua Rui Barbosa. A gente dava uma volta, subia e descia. Você ia ver a neblina, o tempo frio. Quando você tá na agonia da cidade grande, não consegue pensar bem. Aqui você pensa.
Se eu morasse em Recife, acho que eu não conseguiria produzir, é muita informação. Muita parede pichada, muita coisa acontecendo. Eu vejo tudo, e digo: "Poxa, já tá tudo feito, vou fazer mais o quê? Em São Paulo, então… Quando eu chego, eu me esqueço de tudo.
Como você se sente quando está aqui em São Paulo?
Dá vontade de sair, sabe? De ver show, tudo. Mas eu não consigo produzir. Eu acho tudo muito bom, mas depois de cinco dias já tô querendo ir embora. Minha cabeça fica cheia, parece que já vi tudo.
São Paulo é massa pra passar uma semana. A última vez que fui, fiz tudo em um dia: visitei três ateliês, vi exposições, pirei na correria. Aí peguei o voo, voltei e relaxei. É como se fosse um trabalho de antropólogo: eu preciso sair da minha caverna e depois voltar pra ela pra produzir.
Seu trabalho sempre teve uma relação forte entre palavra e imagem. Você se vê mais como alguém que escreve e desenha ou como alguém que desenha e escreve?
Essa pergunta é muito boa. Nunca ninguém tinha me perguntado assim, sabe?
Não sei… Agora você me pegou. Porque eu realmente não sinto que eu escrevo muito bem, sabe? Mas sinto que escrevo o necessário pra aquele momento. Tipo… É um cansaço parecido com o do WhatsApp, sabe? Eu não sou um cara muito de WhatsApp. Às vezes a pessoa desmarca uma coisa com você e bastava dizer “ó, não vou poder ir”, mas vai lá e faz um textão…
Eu acho que não escrevo bem, não me expresso tão bem falando, eu me embolo todo. Então acabo me expressando melhor através da imagem com o texto.






Pra mim, é uma coisa que não dá pra desconectar: o texto e a palavra precisam um do outro. Se eu fizer só o desenho, não rola. Se eu fizer só a frase, também não rola. É um datezinho eterno entre eles, sabe? A palavra e a ilustração.
Mas, se for pra escolher, eu me sinto mais artista — pela liberdade. Porque o escritor precisa de coerência, vírgula, pontuação, técnica literária. E eu não tenho isso. Eu posso escrever, mas é tudo mais livre. Então, pela liberdade, me sinto mais artista mesmo.
Não artista no sentido intocável ou superior, mas no sentido de poder colocar meu pensamento no mundo. Hoje eu posso pintar, posso escrever, posso desenhar — mas tudo em torno da arte.
Nelson Leirner mesmo dizia que ele só era artista quando tava trabalhando. Eu gosto dessa ideia. Tipo, agora eu sou o Pedro Vinício, mas quando tô desenhando, viro artista.
Você comentou que é muito ligado à música. Quem tem te inspirado hoje — seja da música, arte, quadrinhos etc?
Nossa, muita coisa. Vou até tentar resumir.
O que mais me influencia mesmo é música — de todo tipo. Agora mesmo eu tô ouvindo muito esse do Jorge Ben (mostra o vinil de Bem Vida Amizade) que tem a Santa Clara Clareou. Também andei escutando muito Clube da Esquina, por causa de Lô Borges, que morreu.

Mas o que mais tem me impactado hoje é essa descoberta da arte popular.
O trabalho do Zé Bezerra, por exemplo — esse cara é foda, já tá consagrado no mundo da arte popular. Já tem gente vendendo o trabalho dele caro pra caramba, mas continua lá no sertão, vendendo as peças baratinhas. É lindo isso.
Tenho olhado muito também pro J. Borges, pro Samico, pro Brennand, pra Tereza Costa Rêgo, que é uma artista modernista de Recife. Tô agora prestando mais atenção no que tá perto de mim.
De música, escuto muito Otto, que é meu amigo, escuto muito MPB, Caetano Veloso, Chico Buarque, The Clash, Ramones… Outra coisa que tem me influenciado muito é a Pina Bausch – a bailarina, né? David Lynch é um cara que eu adoro muito o trabalho… John Cage, Daniel Johnston, a música dele eu escuto muito. É tanta coisa, tudo que é bom, eu escuto.

E essas referências todas, chegam pra você como? Mais pela internet, mesmo?
Sim, total. Eu lembro de ser impactado pelo Daniel Johnston pela internet.
Porque em Garanhuns não tem muito acesso a livro, disco… Se você quiser um livro do Maiakovski aqui, não acha. Talvez num sebo, mas com muita dificuldade.
Por muito tempo eu tive dificuldade de ter as coisas físicas. Hoje eu piro em ter. Teve uma época que eu fiquei muito só na imagem, vendo tudo na tela. Eu olhava pra uma imagem da capa de “Tábua de Esmeralda” na tela e eu queria ter aquilo em vinil. Agora eu estou na fase que eu quero ter os objetos, os discos, os livros.
Sem a internet, nem existiria meu trabalho. A gente nem tava conversando agora, né? Garanhuns é longe, tem uns 200 mil habitantes. É uma cidade cultural, já saiu muito nome daqui, mas ainda é pequena.
Então tudo veio através da internet. Eu bebi muito disso.


Pedro Vinicio tem um livro lançado, editado pela Cobogó
Eu vejo que você tem uma coisa forte com o físico — livros, discos, objetos. Você é meio colecionador, né?
Tenho até dificuldade de manter tanta coisa. Eu sempre pirei nisso. Quando era criança, eu mentia pros meus coleguinhas que meu avô era dono de uma banca de jornal, porque eu achava lindo. Passava pra ir pra escola, via aquelas bancas cheias e pensava: “queria ser neto de um dono de banca”.
Eu piro muito na coisa física. Agora mesmo tenho uma parede cheia de retratos meus. Encontrei o Marcelo D2 e pedi pra ele fazer um desenho meu. Tenho retrato meu do D2, Arnaldo Antunes, do Lula Queiroga, Luiz Zerbini… Tudo gente que eu admiro.



Pedro Vinicio por Luiz Zerbini, Arnaldo Antunes e Derlon
Esses retratos são deles ou seus com eles?
Eles me desenharam (risos)! Olha aqui (pega o celular e começa a me mostrar uma parede com desenhos que fizeram dele) — esse aqui foi o Zerbini que fez, esse outro é do Bozó Bacamarte. Eu tô até pra emoldurar alguns ainda. Eu sou muito acumulador.
Eu fico buscando bonequinho no mundo. Agora tô nessa pira de boneco. Esse aqui é de um cara já bem mais velho, do samba de coco de Arcoverde. Achei lindo esteticamente. Tô montando uma coleção de boneco popular pra minha pesquisa.
Tenho outros aqui (começa a mostrar sua coleção de bonecos), ganho muito quadrinho também. Tenho obra da Jac Leirner, do Derlon — você conhece, né?
Sim, o Derlon é parceiro! Curto muito o trabalho dele.
Pois é. Ganhei uma arte dele nua mesa de bar, ano passado. Tava Otto, Derlon, Bozó Bacamarte… Um pessoal massa. Tenho um desenho que ganhei do Speto também que tá aqui pra emoldurar. Eu junto tudo, porque colecionar arte é complicado, tem que ter muita grana, né? Então a minha é uma coleção afetiva. Coisas que ganho, troco, junto… tudo com história, de pessoas que eu conheço.




A arte de Pedro Vinicio estampando coleções de marcas como UMA, Psicotrópica e El Cabritón
Queria te perguntar sobre o seu estilo. Você criou um formato muito reconhecível — os desenhos rápidos rabiscados, cores vibrantes, frases curtas. Você sente que isso te prende um pouco ou se sente livre pra experimentar novos caminhos?
Isso é quase uma crise estética, né? Às vezes eu sinto isso. Porque eu apareci com uns desenhos realmente simples. Não pensei: “vou fazer porque as pessoas vão gostar”. Eu fiz um, fiz outro, e o pessoal começou a curtir.
Aí fiquei meio nessa. Fui me aprimorando em cima de algo que já existia. É tipo você lançar um disco brincando, sem saber tocar instrumento, e de repente tem 100 mil pessoas querendo ver o show (risos).
Foi meio que isso. Eu fazia os desenhos, tinha 100 mil pessoas me seguindo, no outro dia 160 mil. Uma coisa muito louca, né? E eu não me expus, nem botava foto minha, nada. Então eu não sentia tanta pressão — “tenho que entregar mais, estão esperando”. Às vezes batia um medo de repetir a fórmula, sabe? De virar algo industrializado. Mas aí vi uma frase da Pina Bausch que dizia que repetir nunca é a mesma coisa, sabe? Sempre sai algo diferente. Então comecei a pensar nisso.
Tive um momento de crise, tipo: “porra, vou ficar com 60 anos pintando bonequinho colorido, troncho e rabiscando?” (risos) Depois pensei: “isso é meu projeto”. Quando eu faço um desenho troncho, com três dedos, não é porque eu esqueci. É porque quero assim, é uma escolha estética, é meio performático.
Hoje em dia, se é brega, eu deixo mais brega. Eu lembro que detestava o trabalho do Romero Britto na escola. Aí, comecei a usar muito amarelo e verde nos desenhos, meio de ironia. E acabou virando meu estilo. (risos) Fui ironizar e virou identidade.
Agora tô feliz, não sinto que tô me repetindo, tô no meu universo. Crise estética todo artista tem, mas hoje entendo que repetir faz parte do processo.

E como você lida com o retorno do público? Você se preocupa com o que as pessoas vão achar quando posta um desenho novo?
Eu sou meio punk nesse sentido, sabe? Porque eu posto tudo rabiscado, faltando letra, e no outro dia tem uma chuva de comentário: “faltou o R”, “tá torto”, “tá errado”. Aí eu vou lá e rabisco mais ainda.
Eu sou bem desapegado. Eu posto e saio. Não fico planejando muito, tipo “hoje vou fazer uma coisa assim”. Eu faço o que tiver vontade na hora. Outro dia fiz um desenho bem deprimente. Deu quatrocentos comentários. As pessoas: “Pedro, você tá bem?”. E eu tava ótimo, ouvindo música o dia todo (risos).
Tem muita gente entrando no meu Instagram — deu 20 milhões de acessos no último mês. É muita gente, né? Então essa liberdade é boa. Um dia eu rabiscar tudo, no outro um bonequinho se abraçando, no outro falando de música ou da loucura da nossa cabeça… Eu gosto disso.
Não me preocupo muito, não. Jogo no mundo e saio correndo. Teve um dia que era Festa de São João, eu postei e fui curtir a festa até de madrugada, daí quando voltei tinha um comentário de um cara falando “Nossa seu desenho é muito ruim, realmente!”. Daí eu fui lá e curti o comentário do cara, concordando.
Claro que eu tenho um cuidado — a única coisa que eu realmente me preocupo é em não ser homofóbico, racista… O básico, né? Porque isso é crime, não é piada. Mas tirando isso, eu deixo rolar.
Já teve gente que se incomodou com um desenho meu sobre bipolaridade. Eu desenhei “você é bipolar?” e tinha os botões “sim” e “não”. A pessoa marcava os dois, meio confusa (risos). Aí teve uma pessoa que ficou puta, também não dá pra ser messias, querer agradar todo mundo. Pra mim, a arte e o humor têm ser ácida, tem que incomodar.
Se todo mundo começar a adorar, eu vou lá e rabisco tudo de novo. Quando entra muito seguidor, eu já logo mostro como funciona — rabisco tudo pra pessoa entender. (risos)

Você tem coisas que faz e não posta? Trabalhos que guarda pra você?
Tenho muita coisa. Meu ateliê é em cima da casa da minha avó — parece um mini ateliê do Paulo Bruscky. Tá tudo entupido de papel, de tela, tinta, bagunça. Acho que tem mais papel lá do que no dele.
Eu tô pintando umas telas grandes agora, de um metro, dois metros… coisas grandes. Tenho essa necessidade de me expressar, e o Instagram não dá conta, sabe? As pessoas iam ficar agoniadas se eu postasse tudo. Então eu produzo muito e guardo pro momento certo.
Pro Instagram, eu faço o que é digital, mais direto. Também tenho outros compromissos: ilustro pra Folha, Folhinha, Brazil Journal, faço uns trabalhos de publicidade — porque também preciso bancar minha loucura no ateliê, né? Então fico conciliando tudo.
Durante o dia, no máximo consigo produzir umas cinco ilustrações, então não dá muito tempo de criar pra depois. Antes eu produzia e guardava mais. Agora é assim: bateu, desenhei, joguei no mundo.
O que você gostaria que as pessoas entendessem melhor sobre o seu trabalho?
Acho que o erro, as pessoas têm muita dificuldade de entender o erro.
Hoje em dia o mundo é muito performático, muito perfeitinho, sabe? Essa coisa da terapia, do suco verde, da academia… Todo mundo tentando ficar equilibrado o tempo todo. E às vezes não dá, às vezes a gente só quer parar.
Meu trabalho tem muito disso — desse conflito. Acho que as pessoas gostam, mas existe uma barreira ali. O erro é uma das coisas mais importantes pra mim.
Eu queria fazer algo que, quando eu errasse, ninguém percebesse. Ou seja, o erro faz parte do trabalho. Quando eu erro, ninguém sabe. Quando eu acerto, também não. Porque o trabalho já é o erro.
Tem gente que entende de arte, mas é uma bolha. Às vezes uma pessoa faz uma tese sobre um rabisco que eu nem pensei tanto (risos).
E é isso que eu gosto — quando o trabalho provoca reflexão, interpretação. Não é que eu queira que entendam tudo. Se entender demais, perde a graça. Mas eu gostaria que as pessoas perguntassem mais, sabe? Porque isso abre novas conversas, outros horizontes.


Se você pudesse mandar um desenho pro Pedro de 15 anos hoje, qual seria? O que estaria escrito nele?
Isso me lembra um desenho que eu fiz uma vez que dizia: “sempre que estiver triste, desenhe — porque você vai ver que seus desenhos são piores que seus problemas (risos)".
Mas acho que pro Pedro de 15 anos eu faria algo mais poético, tipo dois bonequinhos se abraçando. Um dizendo: “deu certo.” E o outro respondendo: “tá indo.”
O de 15 achando que deu certo, e o de 19 dizendo “tá indo”.
