Os tênis favoritos do Fabricio da Costa
O designer brasileiro que ajudou a desenvolver silhuetas que mudaram o game no skate e na corrida
Todo produto tem seu design, materiais, logos e tecnologias que fazem a diferença na performance e no uso. Com os tênis, por muitas vezes os designers tem seu nome elevado, se tornando sinônimo de inovação e referência. O Fabricio da Costa é um desses designers que tem um trabalho que vai além dos lançamentos para as marcas que já trabalhou.
De skatista profissional a designer de produto
Nascido em São Paulo e criado no Sul do País, Fabricio da Costa começou sua caminhada no design por causa do skate. Em 1997, morando nos Estados Unidos para tentar virar na vida de skatista e fazendo o corre de ter uma carreira internacional como profissional, percebeu que era difícil ter uma profissão-skatista rentável. “Deu vontade de estudar e acabei voltando para o Brasil; foi por acaso, fui atrás de trampo, patrocínio e apareceu um anúncio da Maha para designers”, ele conta sobre o começo. “Fechei com eles para ser designer, skatista e para produzir um programa de rádio!”
Com o conhecimento enquanto skatista e sendo curioso por natureza, Fabricio começou a desenhar produtos sabendo que os que existiam podiam ser melhores, que podiam evoluir. “Fazer tênis caiu no meu colo porque tive a responsabilidade de assinar um pro model e desenhar o produto - ali começou meio que por acaso, já gostava de sneaker, mas comecei assim, por uma necessidade de criar produtos melhores para a nossa cultura do skate nacional”.

Isso tudo foi antes de partir para a faculdade de design, que ele já fez focado nessa carreira. “Eu não sabia exatamente se queria ser designer de produto ou gráfico, pois gostava muito das duas especialidades e já estava fazendo projetos de tênis e outros gráficos no studio da Maha, antes mesmo de entrar na faculdade. Acabei me formando em Design de Produto na UTP, pois percebi que poderia trabalhar nessas duas áreas, mas precisava da experiência e conhecimentos da área de design de produtos para continuar a projetar tênis, que inclusive foi o tema do meu TCC. Então foi meio por acaso, e acho que essa iniciação no footwear design na Maha teve influência nessa minha decisão de continuar no design de produtos”, ele relembra. No último ano da faculdade, Fabricio foi co-fundador e diretor criativo/designer do projeto da Cisco, que a princípio era pra ser uma marca de trucks de skate: “Eu fui selecionado para o programa Criação Paraná, que tinham empresas grandes e eu era o único estudante, o único amador, conseguindo verba pública para o projeto da Cisco, que eu era co-fundador”.
Depois da Cisco, Fabricio entrou na sociedade do estúdio multidisciplinar Ideorama Design, de Curitiba, mas liderando-o no Brooklyn em SP. Um dos principais clientes de calçados na época era a New Footwear, também fazendo design e desenvolvimento de tênis, além dele ter um contrato de patrocínio no time de skatistas da marca, como profissional. “Ali que peguei um know how bom em desenvolvimento e engenharia, com interações semanais e viagens para a fábrica da LOPO em Piracaia. Foi naquele momento que montei um portfólio mais robusto”.

Depois, em 2005 veio uma vaga na Nike, um processo seletivo de 7 meses que viria a ser seu trampo. Ele falou sobre as diferenças dessa transição de carreira: “O contraste de um empreendedor pequeno, trabalhando só com marcas de skate, para trabalhar na maior marca do mundo é extremo, muita coisa que eu queria fazer antes e não conseguia por conhecimento, visão, grana ou cultura de design - isso sem falar na equipe externa e interna - na Nike já comecei a poder fazer e foi algo bem legal nessa transição”.
Fabricio trabalhou no CASA (Central America South America Product Creation), um centro de criação de tênis, vestuário e acessórios na Nike Latam baseado em São Paulo, majoritariamente com projetos de performance e lifestyle para Running, além de coleções limitadas de energia para skate e sportswear. Depois, em 2009, foi promovido e transferido para os Estados Unidos, trabalhando na matriz da Nike, com o time de Running, mas focado em projetos para Emerging Markets, mais focado em projetos de corrida, performance e lifestyle e ainda alguns projetos de direção de arte e design para coleções capsula limitadas como o Nike SB Dirty Money, Brazil Custom Series e o Nas Quadras.



A série Brazil Custom Series, tênis que marcaram a memória da galera aficionada por Dunks e a carreira do Fabricio até hoje
Foram inúmeros desenvolvimentos, alguns com mais destaques que outros - até tênis de críquete para Copa do Mundo da modalidade ele fez - sempre ressaltando o trabalho coletivo para chegar nos resultados dos projetos que marcaram sua carreira: “Dentro das grandes corporações, nenhum designer que tem um puta nome fez aquilo sozinho, ele sempre tem uma equipe muito boa de engenharia e desenvolvimento, inovação de materiais, uma fábrica boa para executar, matérias primas, fornecedores - é uma colaboração multidisciplinar em qualquer produto inovador”.
“Não estou dando um tiro no meu próprio pé sendo um diretor criativo e designer que assina projetos (risos), mas por trás da cortina é sempre diferente. As histórias contadas por RP e áreas de comunicação às vezes tem uma necessidade de vender algo, exaltar alguém para vender um produto, uma ideia ou até a pessoa, mas raramente algo foi feito por um só, por um 'gênio do design'. Talvez nos anos 80/90, quando tudo era criado de forma mais manual e artesanal, com equipes menores e sem a segmentação das áreas de design nas grandes marcas, isso até fizesse mais sentido, mas desde o início dos anos 2000, a maioria dos projetos mais inovadores e de mais impacto é fruto de colaboração multidisciplinar das equipes de design, marketing, desenvolvimento e inovação, com uma fábrica e fornecedores de ponta dentro de um contexto e cultura de design mais madura e refinada. O mix de sucesso é basicamente a combinação de pessoas, ferramentas e processos” - Fabricio da Costa
Hoje, após alguns anos da saída da Nike, ele reflete sobre o ego do design e passa seu conhecimento pra frente em oficinas, workshops e em trabalhos freelancers. “Os workshops aconteceram por acaso depois que saí da Nike. Comentei com o Ricardo (SneakersBR) e ele me apresentou para o Pedro (Andrade) e começamos a conversar sobre isso, porque eles estavam fazendo alguns cursos”, ele comenta sobre esse lado de professor.



Uma das turmas do workshop do Fabricio dentro da M.I.L. Workshops
Claro que esse papo não podia sair do assunto principal, que é tênis. A gente falou sobre seus designs que fez no seu tempo de Nike e sobre seus tênis preferidos de todos os tempos. Aquela pergunta básica de filho da puta que todo jornalista gosta de fazer pra alguém que é viciado em alguma coisa, o “qual seu favorito?”... Pois é, teve aqui também.
Nike Zoom Lab Fly SP
"Esse foi meu tênis favorito de running e fizemos com a Nike Lab. Era pra ser o Nike Vaporfly, primeiro tênis com placa de carbono, mas essa era a minha opção 'A' para esse projeto. Durante o processo, a gente costuma ter mais de uma opção para o modelo e eu entrei nele em andamento; era uma inovação disruptiva, um projeto bem complexo com várias nuances.
Era uma inovação que precisava, no meu ponto de vista, ter uma expressão de design disruptiva também, não ser só mais um tênis de running. Esse concept que fiz, era pra ir nessa direção, um primeiro caminho. O plano B foi o que virou o Vaporfly, era mais seguro, porque não tinha muito tempo pra ousar, principalmente na parte de cima, no cabedal.

Ele teve um impacto para além dele. Na época que o tênis foi criado, a maioria dos tênis de corrida, não só na Nike, eram muito parecidos, principalmente os cabedais. Todas as marcas começaram a usar materiais que possibilitavam uma construção mais clean e moderna ao invés dos tênis do inicio dos anos 2000 com varias partes e peças. Materiais sob medida, principalmente com os tecidos Engineered (Knit, Weave etc.), onde é possivel criar diferentes características de performance nas áreas do cabedal dos tênis, com a expressão de design mais clean e fluida, com uma construção mais 'unibody', sem tantas partes como eram nos anos 90/2000, eram mais modernos e mais clean, mas começou a ficar tudo meio parecido.
Na Nike, tem muita a história da influência, empresa grande que tem cultura de design mais avançado, uma categoria influencia a outra - running influenciando futebol, skate etc - então todo mundo quer brincar com as mesmas ferramentas.
Em Running tinha esse problema, diferentes tipos de tênis para treinos e competição, mas os modelos chave e de mais volume e faturamento, ficaram todos meio que com a mesma cara - principalmente para o leigo ou o que ia comprar produtos de performance para uso casual e não se importava tanto com as características técnicas e de performance. A área de inovação NXT estava usando Flyknit no cabedal do 'concept car', o tênis conceito para os corredores africanos usarem no evento Breaking 2 no autodromo de Monza na Italia, para quebrar a barreira das 2 horas na maratona, e a nossa equipe de Running Inline Innovation não tinha mais acesso a esse tecido quando eu entrei no projeto na fase de criar o Vaporfly comercial que ia ser vendido, então tivemos que buscar uma outra forma de criar um material e expressão de design que fosse mais icônico e disruptivo como a nova tecnologia de 'Plated Running Shoes', com solado mais alto de espuma super-critical ZOOM X com placa de carbono.
O projeto estava atrasado pois o evento já estava marcado e tivemos de nos virar com o tempo que restava; foi algo bem complexo e meio fragmentado, com alguns conflitos entre as diferentes equipes de inovação e a categoria de Running. Fui atrás de soluções existentes nos melhores fornecedores em colaboração com os designers de materiais. Como uma das prioridades principais do Vaporfly era leveza, então pensei 'o que é mais leve que fazer um tênis desaparecer?'. Ele ser transparente, mostrar o gráfico da meia também e fazer com que se você trocar a meia a cor do tênis também muda - criamos junto 10 meias com gráficos/cores diferentes para lançar com o Vaporfly, mas acabou não saindo a tempo.
Busquei materiais com a designer de materiais e umas das opções era transparente, era um woven ripstop de monofilamento de TPE, que ninguém usava em running na época. Fizemos um protótipo com umas 3 opções de tecidos e o Ripstop, combinado com um bordado com fios de TPU, que davam mais suporte e criavam um visual 'modern craft' (combinando visual tech com elementos feitos a mão), o que deu certo, e acabou influenciando não só a Nike toda e até a cápsula “The Ten” em collab com o Virgil Abloh (RIP), mas o mercado inteiro - hoje em dia todo mundo tem um tênis que é transparente.
Lançamos esse protótipo do Vaporfly, via Nike LAB com o nome Zoom Fly SP. Virou um ícone, teve um influência de expressão de design que foi além de running e por isso considero esse o mais importante".


Project BA
"Gosto muto desse porque foi o primeiro que fiz na SB e pelo impacto que teve. O processo também foi muito legal, trabalhar com o Brian (Anderson) foi muito interessante, ele é meu amigo até hoje, uma lenda do skate, um cara icônico. Assim como Fly SP, foi meio caótico e atrasado, acontecendo num processo de transição da Nike SB, como novas subcategorias ou silos e produto alinhados, com 1 Signature model do Eric Koston, Janoski e P-Rod liderando cada uma dessas famílias de produto. O tênis do BA era pro silo Impact do P-Rod, com tênis com mais proteção para skate de impacto (gaps, escadas, rails etc.). Esse foi um momento que o novo GM da SB estava com uma nova estratégia de produto, marketing e design para estruturar mais as linhas e se preparar para uma nova fase da Nike SB - foi um inflection point, como o GM chamava na época.
Ali naquele ponto a SB passou a ser mais corporativa… Antes era mais roots e fora do radar com mais mais espaço e recursos em função da liderança do co-fundador da Nike SB, o VP/GM Sandy Bodecker (RIP), depois daquele ponto foi mais incorporada na Nike como corporação".



Acima, uma das colorways que eu particularmente mais curtia do Project BA. Abaixo, os processos de criação do pro model de Brian Anderson
AM1 Lanceiro
"Na Nike fiz muita coisa, além dos projetos de novos modelos de tênis para performance e lifestyle. Nos projetos de energia, fazia direção de arte, design gráfico, design de materiais… Esses skills desenvolvi melhor ali. O Air Max 1 Lanceiro aconteceu no começo da cultura sneaker no Brasil, a SneakersBR era um blog, conheci o Ricardo lá atrás, era um embrião do que hoje é a cultura sneaker, que é bem mais madura. Participei de perto desse começo, claro que tinha sneakerhead no Brasil, mas era pequeno o rolê.
O AM1 Lanceiro e o Brazil Custom Series, esses dois projetos foram muito legais de participar. Neles eu pude fazer direção de arte e design gráfico ,fiz todos os logos, gráficos, materiais, cores em colaboração com os meus 3 amigos e skaters PRO do time da SB Brasil - Fabio Cristiano, Cezar Gordo e Rodrigo Gerdal - e também artistas envolvidos, como o Flavio Samelo, q participou do BCS 1, então foram muito especiais, projetos feitos com a minha família do skate e da rua.
O Air Max One Lanceiro teve muito impacto tambem, não só no Brasil mas fora. Saiu em algumas revistas japonesas e até na Juxtapoz, uma página inteira com a foto do tênis, falando no meu nome, o que às vezes não acontecia nesses projetos de energia. Ali contaram a história direitinho, o jornalista mandou bem ali (risos)".



O Lanceiro teve vários detalhes especiais
Tênis favorito de todos os tempos
"Relacionado com skate - que eu sei que é retro e de basquete - é o Jordan 1, pelo impacto simbólico que teve na nossa cultura. Era Jordan 1, Chuck Taylor e outros tênis de basquete e training e até de running ali nos anos 90. Mas até hoje boto Jordan 1 no pé, mesmo que não seja a versão da SB, e gosto do shape e do calce, perfeito pra andar de skate, encaixa bem em quase qualquer look, muito versátil e ótimo para fazer combinações de cor.
Essa pergunta é foda, dá pra falar um tênis favorito de cada categoria, mas vou ficar com o Air Jordan 1 pela sua importância na minha vida".
