Os fotógrafos são os novos rappers?
A caminhada de Someoneeyes

João Pedro, mais conhecido como Someoneeyes, é um dos principais nomes responsáveis pela documentação do underground paulista nesses últimos anos. Desde 2022 tem acompanhado diversos artistas de peso, como a rapaziada do Brime e da Tijolo Records, além de tocar os seus projetos autorais com o seu laboratório criativo 2for1.
A sua identidade artística surgiu separada do seu lado pessoal: “de primeira instância era pra ser só uma parada assim que eu não mostrava o rosto, nem nada, só um insta pra jogar minhas fotos. Antes até era separado, eu e Someoneeyes, dois insta diferentes, aí no fim acabou crescendo e virando meio que quem eu sou hoje.”
Essa transformação de dois em um se deu principalmente pelas pessoas conhecerem o trampo do Someoneeyes e não reconhecerem o João Pedro — “quem não é visto não é lembrado”, acrescenta o fotógrafo. Pensando nisso tudo, trocamos uma ideia sobre a sua trajetória nesses últimos anos e os planos do futuro.
Como e por que você começou a fotografar?
Então, teve esse começo no passado, eu já tirava umas fotinhos de brincadeira lá pra 2017, fiz uns cursos de fotografia na escola, então eu já tinha uma noção da parada, já curtia. Daí lá pra 2022 eu colei num rolê com uma parceira minha, Amanda, e ela tava fazendo umas fotos de cybershot, e mano, eu achei muito chave. Era num momento que cybershot não era toda essa parada que é hoje, tava começando a aparecer, e falei: “da hora, vou tirar umas fotos também”.
Tinha duas cybershots paradas lá em casa, daí eu comecei a levar só de brincadeira pra uns rolês, pra tirar umas fotos. Já conhecia uma rapaziada, conhecia o Sena (MC), que na época tava junto com os caras do Brime, então já abriu umas portas nesse começo. Fiz umas fotos no show dele, coincidentemente o Febem tava no show e também fiz umas fotos dele. Isso tudo durou um, dois meses.
Na época eu estava trampando e decidi comprar uma câmera; daí na mesma semana, no dia que eu peguei a câmera, os caras deram um salve pra eu fotografar no CENA de 2022. Tinha um bagulho pra você se inscrever pra fotografar, que a rapaziada analisava as fotos lá, e chamava se você passava ou não. Na época mandei meu insta, que tinha as fotos da rapaziada tudo de cybershot, então umas fotos menos qualidade, mas os caras curtiram e deram um salve.
Aí começou a parada assim, tá ligado? Tinha pego minha câmera mas não tinha feito nenhum trampo ainda com ela, daí o primeiro rolê fotografando com uma câmera de verdade, DSLR, foi o CENA 2K22. Esse foi um dia inesquecível pra mim, foi um bagulho da hora.


Veigh e SoFaygo no CENA 2K22 (Acervo pessoal / Someoneeyes)
E é um trampo que cria muitas pontes, né? Quais lugares que você passou a acessar por causa da fotografia?
Ah mano, é um bagulho que, sem maldade, a fotografia mudou minha vida, tá ligado? Eu vivi muitos momentos fodas por conta disso, proporcionei pros meus parceiros por conta disso. Porque é isso, você vai fazendo conexões, você vai também em vários lugares.
Um momento que acho da hora citar aqui foi fotografando direto os caras do Brime, tá ligado? Hoje em dia já tem um ritmo muito menor, mas tipo em 2023 assim, se não me engano, foi um ano que fotografei os cara pra caralho.
De moleque, lá pra 2016, eu já era muito fã do Febem, na época do ZRM. 2019 conheci o Fleezus, então era muito fã dos caras, e foi uma conexão que aconteceu próximo ao meu começo. Então foi uma parada que pra mim na época foi surreal: “caralho, não acredito, estou com os caras!”.

Mas vários outros, mano. Acho que o Coala Festival foi um bagulho da hora também, que eu fui junto com a Tijolo. Também foi um bagulho que abriu as portas pra caralho pra mim no começo, Tijolo Records, sou eternamente grato, amo o bagulho pra caralho. Logo no começo, os primeiros rolês assim que eu tava colando, só de levar a câmera e tirar umas fotos, e no rolê seguinte os caras já me chamaram pra fotografar, lá em 2022, e tamo aí até hoje.
Conta um pouco dos trampos que mais te marcaram.
Tem várias paradas da hora, já falei logo dois que me marcaram pra caralho, o CENA foi um bagulho surreal assim pra mim, também porque foi isso, logo minha introdução na fotografia e já caí direto em um lugar que eu curtia pra caralho. E o outro seria o Baile do Brime, que foi um bagulho surreal, em 2023 eu acho.
Mas tirando esses dois, que é uma parada mais de realização de moleque, eu curto muito o GANG ACTIVITIES, que é um autoral que eu fiz com 4 parceiros meus, junto com o Davi, Pagode, Shock e PX. Foi um ensaio autoral que a gente pegou pra fazer, nóis falou: “vamo fazer uma parada junto, os parceiros tem umas roupas, nóis arruma um lugar da hora, arruma um carro e vamo fazer umas fotos”. Enrolamos pra caralho, demoramos uns 2 meses pra fazer a parada, pra ser tudo certinho.
Daí nóis colou, junto com minha parceira Bruna Blumenberg, fotógrafa monstra demais, pra mim a 01, minha professora, e ela ajudou pra caralho no dia, usei a câmera dela, uma Fuji — que inclusive me influenciou a estar com a câmera que tou hoje.

A gente já fez o segundo no começo do ano, dia 2 de fevereiro pra ser específico. Não saiu ainda, tá quase pronto, essa semana a gente terminou uma parte da hora dele, vai ter vídeo também. O primeiro foi uma sequência de fotos e um vídeo, esse também vai ser 2 sequências de foto e um vídeo.
Mas foi um dos que mais me marcou por causa dessa parada do “só faz”, tá ligado? Antes eu não fazia trampo autoral, foi o primeiro que fiz, e me motivou a fazer outros no ano — ano passado eu fiz quatro, que pra mim já foi uma realização assim.
Pô, já não fazia muito, fiz quatro da hora, bem estruturados. Cada um eu trouxe uma parada diferente assim, então foi uma parada muito boa que começou a dar um outro rumo pra 2for1.



Da esquerda pra direita: GANG ACTIVITIES, LE CHANCE® e 2for1 Community Party 2.0 (Acervo pessoal / Someoneeyes)
E já que entrou nisso, o que é a 2for1?
Seloco, é tipo, sei lá mano, um filho pra mim [risos]. A 2for1 já tem uns aninhos já, na real veio junto com a minha fotografia, em 2022. No começo era eu e minha parceira, minha irmã, Ariel, ela é zika, faz umas roupas, hoje em dia ela tem a marca dela, Topo, e a gente começou a 2for1 como uma parada pra fazer trabalhos pra outras pessoas, tá ligado?
Eu fazia foto, ela modelava, fazia umas roupas, eu também já tava querendo fazer uns vídeos, umas paradas, e foi isso, a gente fez um trampo de um clipe do Sena com o Big Bllakk, depois um outro trampinho, tem umas fotos, um moletom também. Mas a gente não tocou muito a caminhada nessa época, não fizemos muita coisa, e aí eu digo que a disparada da 2for1 assim que eu voltei com força foi com o GANG ACTIVITIES, por isso que é um trampo muito especial pra mim.
E desde então eu só penso nisso, 24 horas do meu dia, não sai de mim, tatuei até no braço. Muitas paradas que eu pensava no passado, e tô fazendo agora, e muita coisa que tô pensando agora e vou fazer no futuro.
E qual que é a ideia do projeto?
De primeira instância era basicamente essa produtora, mas a gente sempre se intitulou como um laboratório criativo, porque também era uma parada que a gente queria fazer as nossas artes — mas principalmente a produtora. Hoje em dia eu já puxo ela pra outro lado, eu sigo 100% no laboratório criativo.
É isso, nóis tá fazendo arte, por enquanto só tem trampo meu, mas tá sendo desenvolvido de outras pessoas, o que também é uma parada que a gente tá trazendo pra 2for1 — ela não é só um bagulho nosso, o laboratório criativo. É uma distribuidora de trabalhos autorais e uma plataforma pra incentivar as pessoas a fazer trampo autoral, tá ligado?

Foi isso, depois que fiz esse trampo (GANG ACTIVITIES), eu vi que tava há muito tempo fotografando só pros outros, só trampando, e não tava fazendo um trampo meu autoral, que é outras ideias. Depois que você junta seus amigos, faz um trampinho autoral, você sai com 10 mil de aura, você sai uma pessoa realizada. Assim, lógico que um trampo não vai dar tão certo quanto o outro, você vai se frustrar com a arte, isso é fato. Mas você sai cheio de vontade de fazer mais, então eu quero usar a 2for1 pra incentivar as pessoas a fazer a parada, distribuindo o trampo delas por lá.
E também acho que a gente ainda atua como uma produtora, tá ligado? Tamo fechando umas parcerias, fazendo umas paradas, então em algum momento começar a produzir junto com outras pessoas assim, sei lá, produzir evento pra marca. A gente fez uma parceria recentemente com a Nação Stickers, os caras fizeram uns adesivos pra nóis, e a gente fez um comercial.
E é isso, o maior propósito dela é ser um laboratório criativo, um espaço pra gente criar o que a gente quiser, independente de qual forma de arte, e incentivar as pessoas a fazer os bagulhos, distribuir trabalhos autorais, e ser essa produtora de conteúdo aí nossa.
Rolaram as festas também, né?
Então, as festas foi um bagulho que veio do nada. Eu sempre tive vontade de fazer festa, desde que comecei no rolê, só que nunca fazia. Daí rolou esse ano do nada, porque nóis criou o grupo né? Um dos projetos da 2for1 é o Creators Community, que é uma comunidade de criadores.
A gente criou esse grupo no Whatsapp pra fazer um networking de artistas de todo tipo, tem designer, modelo, fotógrafo, videomaker, dj, produtor, tem tudo no bagulho. E mano, deu muito bom, foi um grupo que criei meio na dúvida, achando que não ia ter nem 50 pessoas, e no final do dia, já tinha mais de 200 pessoas. Hoje acho que tem 360, então foi um bagulho que pocou muito, o grupo movimentou pra caralho, principalmente quando começou, então vi a necessidade de juntar toda essa rapaziada pessoalmente, tá ligado?
Falei: “vamo fazer uma festa, o grupo tá fervendo e nóis tem que movimentar a rapaziada.” Eu queria fazer a festa de graça, precisou de muita gente falando no meu ouvido pra eu cobrar a festa, que eu não queria cobrar de jeito nenhum, tinha que ser de graça. Bagulho não é pra nóis, é pra todo mundo, só que é isso, tem custos dentro da parada, não dá pra tirar todo o dinheiro do meu bolso.
E no final deu certo pra caralho, nóis botou 200 pessoas lá no pico, teve as exposições, só teve set brabo, a festa foi louca. Acho que a primeira teve muito mais gente, foi mais surreal pra nóis assim, mas a segunda foi bem chave também. Acho que é uns djs que refletem muito a gente, tá ligado? Então a gente tá nesse rolê, com esses djs tocando, ouvindo as paradas que a gente gosta.
Isso eu vi bastante na segunda, gente de todos os cantos possíveis. Várias bolhas diferentes e a rapaziada se conectando, tá ligado? Trocando ideia, que esse é o propósito da festa, influenciar as pessoas a trocar essa ideia pessoalmente. Acho que o público alvo da festa são artistas e criadores, ter essa rapaziada junto no mesmo lugar pra poder gerar conexões.

Os fotógrafos são os novos rappers?
[risos] Mano, essa peita eu fiz só pra mim, de zueira, no meu aniversário. Tinha a festa da Tijolo no dia do meu aniversário, eu tinha feito vários bagulhos recentemente, daí eu quis chutar o balde e fazer essa peita que é um bagulho que já tava pensando fazia mó cota.
Porque é isso, pra mim os fotógrafos são os novos rappers mesmo, nóis tá tomando o bagulho de assalto. Eu vejo vários parceiros aí que mano, movimenta muita coisa. Você pega o Negrotti, o Alisson Gabriel, mano, os caras tem fã, tá ligado? Os caras pedem pra tirar foto com os fotógrafos.
Mas não só por isso, eu vejo que cada vez mais nóis tá ganhando uma liberdade artística de várias outras paradas. Você vê os fotógrafos se vestindo de vários jeitos, chiquezão, com várias roupas, com grillz pra caralho, nóis tá fazendo o que a gente quer, agindo como nóis quer, fazendo um trampo foda, e ajudando os outros, que eu vejo muito isso.
Pelo menos eu, tento ajudar muito as pessoas tá ligado? O grupo é uma forma de querer ajudar as pessoas. Outra parada que não tem nenhum vínculo com 2for1, é uma parada que tem mais vínculo com eu, João Pedro mesmo, que ando de skate tem 13 anos já, e ano passado diante as enchentes lá do Rio Grande do Sul, eu fiz um campeonato pra ajudar a rapaziada. Foi bem louco, teve sets da Suelen Mesmo, LZR, Pascon (Irmãos Metralha) e Golden Kong, nóis fez mó bagulho. Tá ajudando várias pessoas, nóis tá se expressando, então pra mim nóis é os novos rappers do bagulho mesmo.
Mas foi só uma brincadeira, brincadeira de aniversário, querendo tirar uma onda. Daí eu fiz e até hoje, 6/7 meses depois, tem gente me mandando mensagem pedindo a camiseta. Vai lançar, nóis lançou a camiseta do grupo recentemente e a próxima é essa, que tem um projetinho por trás dela — sipá maio, no máximo junho acho que deve sair já.
A galera se identifica com a parada também. Você não vê uma camiseta falando de fotografia, tá ligado? Ainda mais afirmando, acho que é uma parada mais afirmativa também, de se impor e fazer o que nóis quer. Muitas vezes alguém vai estar vendo seu trampo mas não vai ver você. Quem não é visto não é lembrado, tem que botar as caras e aparecer.

E acho que só tenho a dizer que tem muita coisa boa vindo aí, tô dando todo meu esforço pela 2for1, tá ligado? Minha cabeça pensa nisso 24 horas por dia, a gente atualmente deve tar tocando uns 10 projetos ao mesmo tempo, de coisas que a gente vai fazer, fora as que vão ser lançadas por terceiros.
Então mano, acho que pode-se esperar muito de nóis, tá ligado? Eu não toco a parada sozinho, tem meus parceiros que me ajudam, só tenho a agradecer os moleques, Davi, Pago, Shock, PX, eu trouxe eles pra dentro do bagulho. Nóis ta movimentando, tamo aí pra movimentar, não quero ser melhor que ninguém, só quero fortalecer todo mundo, é isso que a gente mais tenta fazer: fortalecer os outros. E vamo tacar marcha, fazer arte, porque é isso, faz bem pra alma. É o que eu falo pra geral: você vai se sentir uma pessoa melhor fazendo arte.