Os Bonecos Estranhos de Sara Pontes

Como uma jornalista transformou miniaturas artesanais em ícones de humor, crítica e o mais puro suco de brasilidade

Os Bonecos Estranhos de Sara Pontes

À primeira vista, eles parecem brinquedos mal acabados: pintura levemente borrada, olhos meio tortinhos, proporções duvidosas. Mas é justamente nessa imperfeição do processo manual, somada a sagacidade na seleção dos temas e personagens, que faz a pequena fábrica de brinquedos artesanais Bonecos Estranhos, da artista cearense Sara Pontes, acumular uma legião cada vez maior de fãs e colecionadores.

Jornalista de formação, Sara começou a dar vida à seus primeiros toys em 2020, durante a pandemia, quando o isolamento social e a rotina em casa abriu espaço para que ela pudesse experimentar novas formas de expressão.

Com humor ácido e olhar afiado para o zeitgeist, Sara transformou pautas progressistas, personagens da política e da cultura pop brasileira e global em miniaturas colecionáveis que, ao mesmo tempo em que arrancam sorrisos, provocam reflexão. Entre os mais celebrados estão “Dilminha” e “Lulinha”, que viralizaram durante as eleições de 2022 e consolidaram a Bonecos Estranhos como uma das expressões mais originais do artesanato pop brasileiro recente.

O que nasceu como um passatempo despretensioso rapidamente ganhou repercussão nas redes, primeiro entre amigos e depois viralizando em maior escala. Havia quem se divertisse com a estética tosca e quem se encantasse com a mistura de inocência e ironia. Quando Sara decidiu criar versões miniaturizadas de figuras políticas do campo progressista, em um contexto extremamente polarizado, o alcance cresceu exponencialmente: de repente, as redes sociais estavam recheadas de compartilhamentos, repostagens e comentários celebrando as suas criações.

O charme da Bonecos Estranhos está justamente no que falta: a perfeição. Em tempos de filtros, 3D fotorrealista e inteligência artificial, o traço borrado, as falhas e o “tosco” viram diferencial estético e entregam uma verdade sincera. Sara abraça a falta de recurso como linguagem e, nesse gesto, resgata tanto a lógica do faça você mesmo quanto a memória afetiva dos brinquedos artesanais e dos bootlegs vendidos nos comércios populares das grandes cidades.

Cada peça é única, pintada à mão, carregada de imperfeições e de afeto que acabaram se tornando marca registrada. É uma estética que dialoga tanto com o punk e a cultura dos zines quanto com a cultura popular brasileira, onde o improviso e a falta de recursos viram formas de invenção.

A repercussão furou a bolha das redes sociais. Durante as eleições de 2022, os bonecos se tornaram símbolo de militância e de crítica, aparecendo em matérias na grande imprensa e presentes em passeatas e manifestações.

Além disso, Sara também destina parte das vendas a causas sociais, transformando o projeto em uma plataforma de transformação social. Um exemplo é o recém-lançado boneco do Padre Júlio Lancelotti, onde 25% do valor arrecadado com as vendas são revertidos para doações para pessoas em situação de rua.

Nesse movimento, a Bonecos Estranhos se consolida como expressão de brasilidade contemporânea: híbridos de humor e política, capazes de sintetizar o caos nacional em objetos colecionáveis e irresistíveis.

Hoje, a Bonecos Estranhos segue crescendo, com novos lançamentos de seus pequenos brinquedos feitos para gente grande, participando de feiras por todo o país, conquistando colecionadores e dialogando com a cultura pop através do humor, do afeto e da crítica social.

Estranhos, sim. Mas talvez justamente por isso os bonecos da Sara Pontes sejam um retrato fiel do Brasil contemporâneo: imperfeito, desigual, ao mesmo tempo alegre e criativo, onde até a falta de recursos vira motor criativo e linguagem estética.

No fim, mais do que meros brinquedos, os Bonecos Estranhos são um espelho pequeno e torto, mas preciso, do tempo em que vivemos.


ISMO
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