Original Western Boy

Um papo com Bardek sobre o lançamento do seu novo EP de grime

Original Western Boy
(Foto: @nevesvailan)

Na segunda-feira da semana passada, saía Original Western Boy, o primeiro EP de grime do rapper carioca Bardek. Em um momento de ascensão na sua carreira, tendo algumas faixas com milhões de reproduções, ele nos apresenta o seu lado mais profundo, mais ácido, mostrando a sua paixão pela cultura do grime.

A sua faixa mais ouvida, Diálogos, produzida por J3LLYX, tem 6 milhões de reproduções, enquanto Jorge Vercillo Freeverse acaba de alcançar a marca de 2 milhões. Em um momento decisivo e importantíssimo na sua carreira, ele decide olhar para o lado oposto do que o público esperava e lança um trabalho inteiramente focado em grime.

O EP foi produzido por J3LLYX e conta com beats de Manel Beats, Ishval, Rany González e Lokin, além de feats dos seus parceiros da NADA HITS em Expulsa, que mostra um pouco do trabalho deles em conjunto. São 8 faixas que compõem o projeto, sendo duas delas exclusivas do BandCamp e YouTube.

No lançamento do EP, Bardek fez um post falando um pouco sobre o trabalho, e aproveitou a ocasião para mencionar diversos coletivos de grime do país inteiro, mostrando que essa cultura vai muito além de lançamentos fonográficos. Pensando nisso e em outras coisas que envolvem o projeto, trocamos a ideia que segue.


Me chamou a atenção quando vi o seu post falando sobre o lançamento de Original Western Boy. Você contou a história da sua relação com o gênero, comentou sobre o momento da sua carreira, e puxou a atenção para coletivos que vêm movimentando a cena pelo país inteiro. O que motivou tudo isso?

O que acontece é o seguinte: durante esses anos na música, eu sempre acompanhei muito grime, sempre fiz grime, mas muito como um bagulho underground para mim, uma outra parada — eu via, fazia muito na rua com os meus amigos, mas quando eu falava de carreira musical, eu não trazia o grime sabe? Eu fazia muita música que eu me amarro em fazer — amo as músicas de coração — mas é mais comerciável, dentro do possível, comparando com o grime.

Capa de Original Western Boy (Foto: @nevesvailan)

E aí eu consegui um público grande — não consegui me consolidar ainda — mas consegui um certo público que me acompanhou nas plataformas digitais, no TikTok, no Insta e que de vez em quando via algumas coisas sobre grime e óbvio que a maioria do público não gosta, porque é um bagulho muito nichado.

Eu falei: "mano, eu faço parte da cultura e a amo. É uma cultura que me abraçou de uma forma muito foda e eu nunca devolvi nada pra ela, sabe?" Eu nunca peguei esse público que eu estou tendo e joguei grime no ouvido deles, eu nunca divulguei grime. Então eu estava sentindo essa necessidade, mano, de contribuir com a cultura que eu participo, e trazer toda essa galera que me acompanha para escutar e dar a oportunidade para conhecer mais a fundo.

E me veio a ideia, por exemplo, de colocar toda essa rapaziada do Brasil toda — e faltou muito mais, porque obviamente não dava (para marcar todo mundo). E apresentar o meu próprio projeto, que tem muita referência, a própria capa é uma referência.

Sobre a capa, de onde veio a ideia de fazer essa releitura da capa do Skepta?

Eu tenho um EP chamado Faz Parte Do Meu Show e no dia que eu tirei as fotos dele — que deve ter sido em fevereiro do ano passado — eu levei a luva, que eu já estava com uma ideia e eu sempre curti muito o boxe. Eu já via muito o Skepta como referência, mas até então não tinha esse projeto na minha mente, só queria tirar as fotos mesmo, e acabou que nunca usei.

Durante o meu processo criativo desse EP surgiu a vontade de fazer uma referência ao Skepta — a Knockdown já tem uma referência de Shutdown — e me veio a ideia da capa. Eu lembrei da sessão de fotos de boxe que eu fiz, e meio que casou as coisas, sabe? Eu falei: "mano, é genial. Acho que tem que ser isso mesmo, tem que ser tipo inspirado no Microphone Champion. Eu vou trazer essa narrativa, mostrar essa referência e vai ficar muito claro.”

Isso também com a intenção de mostrar para o seu público o que é o grime?

Sim, trazer essa referência, tá ligado? Dentro do EP, nas próprias letras, você vai ter várias referências. O flow de Knockdown, falo do Lethal Bizzle, faço um flow do Dizzee Rascal, em King of Grime tem muito da parada do freestyle do Skepta, falo do JME também. Então eu brisei muito nisso, dessas referências para a galera pegar legal essa parada.

Você comentou que conheceu o gênero ali em 2017 e que em 2022, através da NADA HITS, entendeu que o grime é muito mais que música. O que é, então, o grime, para você? 

O grime, como você falou, foi apresentado para mim ali em 2017 com o Skepta. Eu gostei muito do som e sempre que tocava no menu do jogo eu ficava felizão, mas não conhecia ainda a palavra grime, não fui pesquisar. Até que em 2019 eu conheci o Brasil Grime Show, que eu acho que foi o primeiro contato da maioria dessa geração com a cultura — sempre que eu troco ideia, falo sobre grime, o pessoal sempre fala a mesma coisa, que conheceu através do Brasil Grime Show, que é um expoente muito forte aqui no Brasil.

E aí eu associei com o Skepta, já entendia que a sonoridade era a mesma, só que eu não entendia o que era o grime. Achei o gênero legal, mas ficou por isso — não sabia nada da parada de Londres, não sabia nada da cultura da Jamaica — mas escutava ali o LEALL fazendo grime, alguns outros, mas muito através do Brasil Grime Show.

Até que passaram alguns anos e encontrei de novo com os meus amigos de infância, da NADA HITS — a maioria são amigos de infância, tem uns que são conhecidos dos meus amigos — e essa rapaziada já sabia mais ou menos o que era o grime como cultura e eu não, tá ligado? Eu estava numa época muito difícil da minha vida e eles me fizeram me reaproximar da música com o grime. Eu fui conhecendo em casa, pesquisando e começando a estudar e entender.

Capa de Original Western Boy (Foto: @nevesvailan)

Eu fui entendendo toda a cultura que tinha por trás, os clashes, as paradas, os DJ sets, e fui voltando a me apaixonar de novo pela música. Através disso eu fui conhecendo a cena lá de Londres — conheci a parada do jazz drill, que é o que eu comecei a fazer bastante.

Tem alguma coisa meio inexplicável que chama a atenção no grime, né? 

Sabe o que eu gosto no grime? Eu gosto que ele incomoda, mano — eu falo isso porque aqui a gente é muito americanizado, na arte, na moda, em tudo. E quando a gente começa a conhecer o grime, a gente começa a ver uma uma cultura totalmente diferente do que tá acostumado. 

As batidas completamente estranhas para quem ouve de primeiro momento, é tudo ácido, rimas que incomodam mesmo, mais pesado. O ambiente quando tem um set de grime é os caras pulando, se jogando — o rewind incomoda quem ouve de primeiro momento.

(Acervo Pessoal / Bardek)

Então o que mais me pega no grime, o que eu mais acho maneiro, é esse incômodo, essa loucura que tem, totalmente fora do comum do que a gente tá acostumado, sabe? Eu acho que isso afeta muita gente também, que gosta da loucura, da bagunça que é o grime, que é fora do que a gente tá acostumado de rotineiro, da música que a gente sempre ouve, da roupa que a gente sempre veste, da forma como a gente sempre age, sabe?

E ao mesmo tempo que você fez essa imersão na cultura do grime, teve uma decisão estratégica de ir para a sonoridade do jazz dril?

Cara, não foi uma decisão estratégica no sentido de que eu sempre pensei nisso, foi bem intuitiva — porque nas minhas pesquisas de grime, eu descobri o Knucks, gostei muito desse tipo de som e decidi fazer também, ao mesmo tempo que eu fazia grime pelas ruas, eu sempre fiz set com o J3LLYX. 

E aí eu trouxe pro digital, mas quando as coisas foram começando a acontecer, eu já comecei a pensar um pouco sobre isso. Eu estava ganhando um público maneiro, eu nunca tinha soltado um projeto de grime meu e precisava levar esse público para esse lado, pelo menos só apresentar para eles, não precisavam gostar.

Então eu sempre tive meio que isso em mente, mas nunca foi algo estratégico, as coisas foram acontecendo, sabe? E meio que casou tudo, porque eu tô querendo já fazer uma mudança na minha carreira, de parar de focar um pouco no jazz drill para trazer um pouco mais do meu mundo musical.

Saiu o meu episódio no Brasil Grime Show, eu tô com um contato muito forte também com eventos de grime, tá tudo meio que virando assim pro grime. Além disso tem a Jorge Vercillo Freeverse, que é uma música minha que tá estourando muito, acabou de alcançar 2 milhões também, e eu falei: "Cara, eu acho que esse é o timing que eu preciso."

Então você já estava fazendo muito grime nos últimos anos?

Já, sim. Eu tenho um som no BandCamp aí, por exemplo, com o DJ ScopeBoyG de um tempo atrás, eu tenho muito grime gravado — a própria NADA HITS tem duas grime tapes prontas, que a gente tá consolidando ainda. Então nesses anos, eu sempre gravei muito grime, só não tinha achado um tempo certo para soltar, entendeu?

E a decisão de soltar agora tem a ver com a sua passagem no Brasil Grime Show?

Sim. Foi muito importante as ideias que eu troquei com o DiniBoy e com o pessoal ali do Brasil Grime Show sobre isso, de soltar um projeto de grime. Acho que os eventos e os sets que eu participei recentemente foram importantes também, porque reacendeu de novo a minha parada com o grime.

Outra parada que me chamou a atenção ali no post foi quando você falou sobre essa ponte entre dois mundos, sobre não ser uma virada, e sim um mergulho. Como é esse mergulho?

Quando eu falo que não é uma virada, e sim um mergulho, é o seguinte: eu não pretendo transformar a minha carreira musical, deixar de fazer drill e só fazer grime. Eu sou MC de grime e sempre vou ser, esse é o ponto do mergulho. 

Mas não é uma virada do tipo: “vou deixar de fazer drill e ser só um MC de grime”. Muita gente me perguntou lá no início se eu ia parar de fazer drill, se só ia ter boombap, grime, e tal, e eu respondo que não, eu sou rapper, tá ligado? Eu vou fazer drill, vou fazer grime, vou fazer boombap, porque eu gosto de fazer o que soa bem nos meus ouvidos e eu gosto de toda essa parada, tá ligado? Eu sou criado com essa porra toda.

Então, por isso que eu gosto de falar sobre mergulho, mano. Porque, é algo que eu vou sempre estar ali mergulhando, que eu vou sempre estar apresentando pro meu público, independente do que for acontecer na minha carreira. 

Eu falo que sou um rapper, mas faço outro tipo de música, e é isso, mano. A minha base é do rap, do grime, da eletrônica — meu pai era DJ de eletrônica, então desde criança, eu sou acostumado a ouvir. E rap também, né? Mas eu não gosto de colocar limitação, eu gosto de dar versatilidade, é o que eu vou trazer para minha carreira. 

Mas é esse o ponto, o grime salvou a minha vida na música, então eu vou sempre devolver ao grime essa parada, tá ligado? Vou estar sempre mergulhando ali.

E é curioso que você decide soltar esse EP de grime — que é mais ácido e você já sabia que não ia agradar todo mundo — em um momento que suas músicas estão estourando e ganhando bastante números.

É, mano, sim. Todos os meus fãs estavam pedindo um projeto para me consolidar, esse é o momento da minha carreira, mano, eu preciso me consolidar. Já consegui visibilidade e agora falta me firmar no mercado. E cara, o EP de grime é tudo menos isso — foi um bagulho de coração.

Eu gosto muito de usar o exemplo do Patrono, do 2ZDINIZZ. Ele já era um artista que já tinha um reconhecimento, mas não tinha se consolidado e precisava de algo para consolidar, e isso foi o Patrono, tá ligado? Eu preciso de um Patrono agora.

Mas meu coração mandou fazer o EP de grime e foi isso, vai ser essa porra mesmo. Meus fãs estavam esperando algo tipo love song, e chegou um grime. Mais de 90% da rapaziada não deve ter gostado e é isso mesmo, tá ligado?

E como que é fazer grime na na sua área?

Eu me amarro, mano. Eu vejo que a rapaziada já tá começando a se movimentar pro grime aqui — a gente não tinha essa parada, não tinha evento, não tinha nada. E sem dar papo de pioneiro aqui, não curto essa parada, mas de fato não estava tendo essa movimentação aqui na área, mano.

E aí, eu, junto com os moleques da NADA HITS, começamos a colocar isso na rua, colocar set nos eventos e sempre com open mic, mano. A gente começou a fazer essa movimentação, surgiu o Green Baile — que é um evento que tem aqui na Zona Oeste — chamaram a gente, a gente começou a colocar grime lá e foram surgindo alguns eventos.

Bardek e o grime no Green Baile (Acervo Pessoal / Bardek)

Enquanto isso a gente foi divulgando digitalmente na página da NADA HITS, falando sobre essas paradas. Falando sobre a Zona Oeste nas letras, sobre o bairro e espalhando nosso nome nos eventos, nas praças. O nosso objetivo inicial de trazer o grime para o nosso bairro tá concluído, tá ligado? Os moleques sabem o que é a NADA HITS, a gente tá sempre se movimentando. Hoje em dia tem grime em todo canto aqui, e a gente quer espalhar sempre mais.

Dá para perceber no grime como a questão de territorialidade é forte, de colocar nome do bairro, de rua no nome do beat, etc. Vocês trouxeram um pouco disso também, ali em Ruas de Inhoaíba, por exemplo.

É, mano, sempre tem. Acho que isso no rap também é muito forte, tem a parada da Costa Leste com Oeste, mas no grime também. Aqui acho que nada muda, a gente tem que ser bairrista como essência. Na arte, na nossa base como pessoa, tem que sempre apoiar e se movimentar no lugar onde você nasceu. Quando o J3LLYX coloca Ruas de Inhoaíba no nome do beat, quando eu trago Original Western Boy, quando o Zaranha também fala sobre o bairro dele, o D0rme, toda a rapaziada ali, a gente sempre tá colocando isso em evidência, sabe?

A gente é Zona Oeste do Rio de Janeiro, a gente foi criado aqui, e levantamos essa bandeira. Daí os caras falam: “ah, mas você nunca vai sair da zona oeste?". Não, mano, eu vou sair da Zona Oeste talvez, se eu quiser uma melhoria para mim e para minha mãe e morar num bairro tipo Zona Sul, ou talvez ir para São Paulo, outro local, talvez eu vou sim, sabe?

Mas eu nunca vou deixar de levantar essa bandeira. Eu vim da Zona Oeste, eu tô levando ela comigo. Se eu tô na Zona Sul, é eu e a Zona Oeste lá, tá ligado? Tá eu e meus manos lá. Então essa que é a parada, levar o bairro com você para qualquer lugar que você for, qualquer letra que você escrever, sabe? O bairro vai estar contigo.


Ouça Original Western Boy, disponível nas plataformas digitais, e acompanhe o trabalho de Bardek e da NADA HITS.


ISMO
Cultura em movimento

Assine nossa newsletter e receba
as últimas notícias em 1ª mão!

Assine agora