Onde um fio começa
A estreia da Revista Fio mergulha no desenho como pensamento e investiga caminhos, desvios e encontros possíveis
A Revista Fio acaba de ganhar as ruas com sua primeira edição impressa, apresentada pela mineira fera miúda ediç~es, e se coloca como uma nova plataforma gráfica dedicada ao desenho como prática e pensamento. A fio nasce para investigar tudo o que cabe dentro de uma linha: do risco à trama, da forma ao conceito, do gesto ao desvio. “Um fio é tudo aquilo que dele pode devir”, afirmam seus organizadores. “Por toda essa multiplicidade semântica, uma vez que um fio pode ser uma linha têxtil ou a extremidade perigosa de uma lâmina, tudo é também provisório, campo instável no qual os sentidos podem mudar por meio de uma leitura ativa.”

Idealizada pelo artista visual e pesquisador erre erre, que também assina a organização, edição e o projeto gráfico da revista ao lado de Bruno Rios (co-organizador), Natália Rezende (co-editora) e Matheus Matheus (diretor de arte e co-criador do projeto gráfico), a Fio apresenta um projeto gráfico impecável, preciso nos detalhes e generoso no olhar, capaz de criar ritmos e respiros que ampliam o entendimento do próprio desenho. A publicação organiza suas páginas como quem tece, costurando diferentes estilos e gestualidades – do traço intuitivo à composição mais formal, da imagem ensaística ao experimento gráfico – e fazendo com que cada colaboração dialogue organicamente com a seguinte. Nada está ali de forma isolada: tudo conversa, tudo se contamina, tudo reverbera.
Para inaugurar esse caminho, a equipe escolheu uma pergunta-provocação que serviu de norte para toda a edição: “Como é que se faz caminho?”. A partir dela, colaboraram artistas como Afonso Sepulveda, Ivo Puiupo, Kurru, Marina Baltazar, Pauli Carvalho e Rafael Amorim, além de uma lista ampla de participações espontâneas. A capa é assinada por Ivo Puiupo, as páginas internas da capa por Bruno Rios e o entrevistado da edição é o músico e artista visual Kiko Dinucci.

Ao longo dos encontros que deram início ao projeto, a equipe buscou se aproximar do desconhecido. “Comungamos com cachorros, lotes vagos, errâncias e geografias pessoais; atravessamos maneiras de pensar o apocalipse, desenhamos fluxos internos das ruas e os nossos, embaralhamos jogos de palavras e leituras na tentativa de responder à questão inicialmente colocada para nós e por nós”, conta erre erre. Segundo ele, a própria pergunta se desdobra imediatamente em outra: “Como se traduz amplitudes, capilaridades e entrelaçamentos sem, necessariamente, tentar respondê-la? Para cada caminho, uma forma de caminhar; para cada encontro, uma contingência.”
É nesse sentido que a revista assume a pergunta não como problema a ser resolvido, mas como fio condutor. “A pergunta-provocação como é que se faz caminho? é usada como chamada e fio que inaugura os percursos da plataforma Fio e o que desejamos construir a partir dela”, afirma o idealizador.

A edição, porém, reconhece a contradição de transformar essa abertura em um objeto editorial que demanda escolhas e um ponto de chegada. “Como então editar, convocando a multiplicidade? Como editar sem fechar sentidos? Como editar propondo leituras múltiplas, ainda que o encadeamento das páginas nos convoque a uma linearidade prevista?”, ele questiona. A resposta aparece no próprio gesto de montagem: um exercício de movimento.
Nas palavras do corpo editorial, “o fio é expressão do deslocamento, do vir-a-ser, das espacializações do objeto-revista como quem experimenta a cidade, seus lugares sem nome, o mar. O que aqui se apresenta é, também, rasura da linguagem na tentativa de criar modos de caminhar pelas páginas, seja com a palavra, com o corpo ou com a imagem, mas também com tudo o que escapa às categorizações.”
Para Natália Rezende, a edição nasce das intersecções entre processos. “Trabalhamos vislumbrando as possibilidades presentes na edição pelas vias do agrupamento, projetando interferências e atravessamentos como práticas editoriais. Intuímos ser própria da pergunta esse gesto compositivo, desejando deslocamentos, mudanças de rotas e aberturas de trilhas provocadas por um fazer coletivo.”
Bruno Rios vê a caminhada como método. “A rota determina um rastro próprio e, uma vez ligado a outros, constitui desenhos e cartografias não pensados anteriormente. Só caminhamos em movimento, num jogo de presença e ausência, de fala e de escuta, de permanência e do ímpeto de seguir adiante. Nenhuma resposta vai ressoar como verdade estanque. Serão lampejos, bússolas ou atalhos para quem desejar trilhar a diversidade proposta nas páginas seguintes.”

No fim, editar torna-se caminhar. “Fazemos por acreditar na trama que se estabelece a partir de fios vindos dos mais variados espaços, tempos, vidas, matérias e materiais”, diz Natália. “Editar remonta ao latim edire: dar à luz, prover, produzir. Entregar ao mundo. Para nós, editar é caminhar porque exige encontro.”
Assim nasce a Fio #1, primeira dobra de um projeto que trata o desenho como investigação infinita e a revista como território em movimento. Uma publicação que não busca resolver a pergunta, mas mantê-la aberta, esticada, vibrando entre mãos, olhos e páginas.
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