O Sentimental de Manu Julian

Registro solo da vocalista da banda Pelados une música, arte e video

O Sentimental de Manu Julian

Cantora, compositora e artista visual, Manu Julian constrói sua obra na interseção entre música e artes plásticas, unindo as duas linguagens de forma natural e complementar. Com a bagagem acumulada em projetos como Pelados e Fernê, ela agora inaugura sua fase solo com Sentimental, live session que apresenta um universo intimista, minimalista e profundamente sensível.

Mais do que um registro ao vivo, Sentimental é uma síntese de sua estética: guitarras sutis, beats eletrônicos e letras confessionais que se entrelaçam com fragmentos visuais e desenhos extraídos de seus cadernos de pesquisa. Um trabalho que reflete sua busca por dar forma às pequenas delicadezas do cotidiano e transformar a vulnerabilidade em força criativa.

Em entrevista, Manu fala sobre o conceito por trás do projeto, o diálogo entre suas duas frentes artísticas, as referências que vão de Velvet Underground à Mutantes e os planos para o disco que vem sendo gestado, dando um vislumbre de uma artista em plena afirmação de identidade.


Vamos começar falando sobre o conceito por trás de Sentimental. O que você me conta sobre o projeto?

O título do trabalho vem de um desenho que fiz em 2022, de um cavaleiro segurando uma bandeira, dessas de insígnia, escrita “Sentimental”. É sobre defender a ideia de ser uma pessoa sentimental, que além de sentir muitas coisas, ser sensível, ser dramático, tem a ver com dar valor à banalidade, sabe? Entender que as coisas que acontecem no dia a dia com todas as pessoas são coisas muito importantes, formam quem somos e podem ser objeto de pensamento, de reflexão, de trabalho e até de política, né? É entender a importância de ser afetado pelas coisas e tentar comunicar isso, afetar os outros a partir desse sentimentalismo.

O desenho que inspirou o projeto

Sentimental já existia como um projeto maior ou surgiu para essa live session?

A primeira vez que usei esse nome foi num show em 2023 no Centro da Terra. Foi quando comecei a desenvolver meu trabalho solo e articular essa equipe que fez essa session comigo. No começo do ano comecei esse processo de fazer um disco, mas queria lançar algo antes para cavar meu espaço como artista solo. Eu já trabalho com o Pelados e outros projetos como vocalista há um tempo, mas me entendi como uma artista que atua em duas linguagens, a música e as artes. E assumir esse lugar como vocalista solo também ajuda a projetar meu nome como artista plástica. Uma coisa leva à outra.

A Converse lançou um edital chamado All Star Projects, que fui contemplada, e gostei da ideia de lançar algo no formato de compacto, porque não acredito tanto em singles soltos. Então, inscrevi um projeto de live session para registrar o show que vínhamos fazendo há quase dois anos e transformá-lo em algo reprodutível e que abraçasse essas duas linguagens - música e artes visuais. O nome Sentimental ajudou a constituir a ideia do projeto e a estabelecer minha linguagem e o que quero passar com o meu trabalho de uma forma bem direta.

Como sua arte visual dialoga com a sua música e vice versa?

O desenho e a música fazem parte do meu cotidiano e da minha maneira de comunicar e interpretar as coisas. Mesmo que seja difícil falar sobre algo tão subjetivo, essas duas linguagens compõem o mesmo universo. Meu trabalho visual é mais robusto em desenho, muito baseado em cadernos, já que a minha formação nas artes plásticas foi durante a pandemia, então o espaço do atelier é uma coisa que só fui conhecer depois que terminei a faculdade, por vontade própria. E o desenho veio disso, de dimensões pequenas, muitas vezes reprodutível, uso muito palavras também nos meus desenhos, registro coisas, e tudo isso vai se atravessando com a música.

No vídeo da session, os desenhos entram mais fragmentados, né?

Sim. A parte mais gráfica aparece nos títulos das músicas, com os letterings. Os fragmentos vieram da minha pesquisa de TCC, onde ampliei desenhos de cadernos que faço desde criança, transpondo para papéis maiores e com isso eles ficam mais abstratos.

Fala um pouco sobre cada uma das duas faixas que compõe a session, “Balada Boa” e “Sempre Mais”.

Balada Boa tem uma letra curta e direta, fala sobre essa necessidade de sentimentalismo. Tem um trecho: “não sei se quero tomar um copo d’água ou se quero que você fale que você me ama”. Também fala sobre a vontade de ser perfeito e não conseguir. Tento trazer uma verdade crua, verdadeira, fazer um trabalho que é o que é.

Sempre Mais é meio que um diálogo. Escrevi com a Helena, baixista da minha banda (Pelados), e tem esse jogo entre inglês e português. As duas músicas têm essa pessoa que sou eu, mas que também não é, conversando com outra pessoa: uma está contando como ela está se sentindo e a outra literalmente falando “pô, foi mal, não lidei bem aqui com a situação”. Então tem essa cara de rotina cotidiana.

Falando de sonoridades, penso muito em After Hours do Velvet (Underground), que tem esse ambiente íntimo, muito privado, que é uma pessoa conversando com outra dentro de um quarto. Então, se você fechar a janela, o dia, a noite vai durar para sempre. É uma experiência universal, todo mundo passa por isso. Ninguém é tão singular assim que não vai se apaixonar ou que não vai fazer uma cagada, sabe? Velvet me inspira por ser experimental, mas com letras muito diretas, simples e cotidianas. Nessas músicas quis algo direto, minimalista, que reflete o formato do show: eu e o Thales Castanheira, meu produtor, com VS de bases eletrônicas, guitarra, voz e shaker. Isso dá espaço para a voz e reflete um formato enxuto que facilita circular.

O que muda em relação as tuas experiências como parte de outras bandas e projetos?

No projeto solo preciso me apropriar mais das decisões e enfrentar minhas inseguranças. Na banda, todos produzem juntos, mas aqui tenho a palavra final. A voz ganha protagonismo, o que traz vulnerabilidade. Não sou uma cantora “perfeita”, mas tenho um estilo próprio que estou descobrindo. Esse projeto une meu lado indie e minha relação com a música brasileira. Sempre soube que faria algo solo, mas precisei passar pela experiência de dez anos com o Pelados e outros projetos para chegar aqui, aprender a lidar com minha insegurança e tomar minhas próprias decisões, construir a atmosfera do trabalho.

Você já está trabalhando num disco completo?

Quero que meu primeiro lançamento fonográfico solo seja um disco. Ainda não quero entrar em detalhes, mas esse é o formato que mais me contempla. Até lá, essa session representa bem esse momento e foi possível graças à essa parceria com a Converse.

A ideia é conciliar o trabalho solo com o Pelados?

Cada coisa é uma coisa. Todo mundo na banda tem projetos paralelos. Uma coisa alimenta a outra: Pelados me projeta como artista solo e meu trabalho solo também fortalece a banda. Não é uma emancipação, é algo complementar. Hoje em dia a gente que quer ser artista sabe que vai ter que trabalhar em um milhão de coisas, em diferentes projetos, para poder circular.

E a Fernê, como anda?

A Fernê me ensinou muito a ser uma artista de palco. Tocamos muito antes da pandemia, mas hoje é difícil conciliar porque todos têm outros projetos, então às vezes fica difícil, fora que a pandemia deu meio que uma matada na dinâmica da banda. Mas quando rola show, é sempre ótimo, mas tocamos músicas de 10 anos atrás.

E essa mistura de português e inglês nas letras, que rola tanto em uma das músicas solo dessa session quanto nesse single novo que acabou de sair do Pelados, por exemplo?

É natural. Temos referências brasileiras e estrangeiras. Não queremos parecer que estamos “nos exportando”, mas sim brasileiros cantando também em inglês. Às vezes até brincamos com a língua, inventando palavras ou misturando as duas. Isso reflete nossas referências: Caetano, Mutantes, Titãs, mas também Pavement, Weezer, Charli XCX. Essa mistura é inevitável.

Single novo do Pelados que também saiu essa semana


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