O hardcore e o punk estão discutindo a masculinidade moderna

Como bandas como Idles e Chat Pile falam sobre o homem atual em letras e sons

O hardcore e o punk estão discutindo a masculinidade moderna

O hardcore sempre foi um lugar de discussão do status quo. Se nos anos 80 conversava-se sobre política e vida cotidiana, nos 90 foi para um lado de auto-cuidado com o movimento streight edge e de honra e força com o hardcore nova iorquino. Nos anos seguintes, vários assuntos foram discutidos dentro de palcos e álbuns e, talvez, esse movimento musical seja o que mais de fato colocou o dedo na ferida das coisas e fez a galera pensar na história da música. 

A gente discutiu causa animal, veganismo, políticas sociais, minorias, inclusão… Agora é hora de discutir sobre quem mais participa dessa cena: o homem. Em um lugar de tantas conversas, as bandas estão tendo seu foco no papel do homem social, enquanto não só cagador de regra, mas também aquele que é necessário de intervenção, reflexão e mudança. 

Masculinidade como pauta

O conceito de masculinidade é subjetivo e diverge em diferentes culturas. Nas ocidentais, a masculinidade se atrela à virilidade, força e normas sociais diversas que se originam nas revoluções recentes que fizeram a sociedade moderna, como a industrial e a tecnológica. Este é um conceito variável historicamente, uma vez que, por exemplo, o que era considerado másculo no século XIX, os dândi, hoje é considerado afeminado por muitos. 

Os dândi franceses

Hoje discute-se muito a masculinidade e muitos coaches e líderes, principalmente de base cristã e conservadora, são ferrenhos na fala de que essa está se perdendo para novos conceitos e que o homem está perdendo sua virilidade na sociedade. Mas fato é que, historicamente, sempre houve essa discussão e o homem sempre foi posto em cheque de sua própria existência.

Porém nos últimos anos, com a internet, existe uma onda crescente desses mesmos homens tomarem caminhos mais radicais na busca de sua masculinidade e acharem suas respostas, quaisquer que sejam, na violência e em atos reacionários. A falta de perspectiva perante às mudanças econômicas e proletárias, a distância afetuosa causada pelos aparelhos mobile e a não-participação em movimentos sociais de luta minoritários são vários desses motivos por quais esses homens se revoltam.

E claro, existe também a falta de carinho e de terapia. 

A sociedade sempre impôs imagens do que o sistema imagina o que é o homem ideal e realmente pode ser muito frustrante tentar se adaptar ou não se ver naquilo que nos é passado enquanto verdade. Nascemos homens, mas não necessariamente precisamos ser o Usain Bolt ou o Chuck Norris. 

Apesar do homem cisgênero hétero ser talvez o que esse artigo mais tenta abordar, o homem não se resume a essa denonimação. Então vale lembrar que são diversas as lutas, das mais variadas e únicas, que homens de todas as classes sociais enfrentam no seu dia a dia enquanto participantes da sociedade. 

Mas voltando ao hardcore, esse cenário também foi, historicamente, propício para o homem se sentir livre o suficiente para ser um puta de um arrombado em diversos momentos. Calma, não estou dizendo que fomos sempre, mas a cultura de bando atrelado à cenas que, não necessariamente, eram inclusivas o suficiente, fizeram do homem do hardcore se bastar e, às vezes até inconscientemente, excluir tudo o que era diferente de seus músculos e de seus tênis confortáveis. 

Duas bandas se destacam nessa conversa

Diante de todo esse cenário de novas e velhas discussões, algumas bandas tem colocado seus pensamentos e letras nisso. O álbum de 2018 dos ingleses do IDLES, o Joy as an act of Resistance traz diversas discussões acerca do tema. A música “Samaritans” trata sobre a máscara da masculinidade e quanto essa máscara mais usa o homem do que o homem a usa. 

Letra de Samaritans, do Idles

Em “Colossus”, música que abre o álbum, a banda canta sobre os vícios e sobre como o homem se machuca no processo de lidar com as coisas. Há também uma “culpa católica" na letra, levando a trazer a fala para a relação de pai e filho e de seus modelos e sombras que lhes são apresentados na vida. 

Outra banda que também tem trazido a temática em seus sons é o Chat Pile, dos Estados Unidos. No álbum Cool World, de 2024, duas músicas se destacam por essa ideia de confrontar o “ser homem” e trazem reflexões no tema. Em “Funny Man”, a banda se desdobra no tema do que é o sentimento de desespero de ter que fazer algo só porque sua família fez, pressão essa que muitos sentem ao entrar na vida adulta em sociedade. 

Letra de Funny Man, do Chat Pile

Em “Masc”, o sentimento de insegurança e do medo de julgamento aparecem como tema, corroborando com a ideia de que você precisa esconder quem você é para estar dentro do que é aceito pela sociedade. O clipe também traz um pouco da temática da masculinidade, apesar do nome Masc poder ser atrelado tanto à essa palavra, quanto a “máscara”, no sentido de termos que colocar uma para viver fora do que somos. 

Essas bandas estão ajudando a redefinir discussões dentro de um gênero que é marcado por outras tão importantes historicamente, misturando a força e ódio dos riffs com letras que vão além do soco na cara sem direção.

Não são as únicas, assim como aqui no Brasil bandas como o Paura, Malditos Jovens do Reggae e Noiado trazem suas reflexões contra homofobia e em prol de direitos igualitários de gênero. Esses movimentos de letra e de som são importantíssimos para novas reflexões e novos questionamentos acerca de quem somos no meio em que somos inseridos.

Se muitos homens buscaram no hardcore um local para serem, longe de problemas de casa e na sociedade, agora também tem a oportunidade, através de seus artistas favoritos, de também participarem na mudança e nos sempre presentes diálogos da cena.

O hardcore, mais uma vez, educando e instruindo.