Novas Frequências é resistência da música experimental
Festival celebra 15 anos, sem patrocínio, com apresentações no Rio de Janeiro e pela primeira vez em São Paulo
Se hoje em dia criar um festival dedicado à música experimental já parece um baita desafio, há 15 anos então, alguns chamariam de loucura. Mas foi a decisão que Chico Dub tomou ao criar o Novas Frequências que, entre os dias 3 e 13 de dezembro celebra sua trajetória incrível e fundamental na construção de uma cena que, para muitos, ainda é pouco compreensível.
Sem patrocínio, o festival nascido no Rio de Janeiro chega à São Paulo pela primeira vez e apresenta 28 atrações, mantendo a tradição de reunir artistas consagrados e a nova geração. Estamos falando de uma galera da música ambiente, do noise, do rock, da eletroacústica. A definição de música experimental, inclusive, é bem interessante e para Chico “é uma prática sonora voltada a quebrar padrões estéticos e inventar novas linguagens. Em vez de repetir estruturas conhecidas, ela se arrisca na forma, testa caminhos, tensiona limites.
No caso do NF, esses conceitos (sobretudo o guarda-chuva da música experimental e da arte sonora) estão no coração do nosso DNA. Estão na base da nossa missão enquanto festival e plataforma.”
O line-up, extremamente amplo, reflete o trabalho de anos que o festival se propõe a fazer: cultivar novas perspectivas e linguagens, além de promover trocas transnacionais. Fora o time de brasileiros, representantes de outros 14 países se dividirão pelos espaços e palcos do festival nas duas maiores cidades do país.
Esse ponto, aliás, é muito interessante, já que o projeto tem um histórico de ocupar palcos não convencionais, já tendo passado por igrejas, salas de concerto, galerias e instituições de arte, galpões, cachoeiras e, claro, a rua. Este ano, no Rio de Janeiro (3 a 7 de dezembro) o NF ocupará o Garage Grindhouse, o Solar Grandjean de Montigny (museu da PUC-Rio), a Casa Firjan, o Solar de Botafogo, o Trauma, o Parque Lage e o Circo Voador; Já em São Paulo (8 a 13 de dezembro), as atividades acontecem no Teatro Cultura Artística, no SESC Avenida Paulista e na Central Técnica Chico Giacchieri.
Ao ser perguntado sobre a parte mais difícil de realizar o projeto, Chico é bem direto: "Sinceramente? Só falta patrocínio! (risos). Artistas querendo tocar, público interessado, espaços disponíveis... Pô, tá tudo aqui, prontinho, facinho. Só falta mesmo alguém apostar no que é novo, diferente, inovador."

A realização de um festival tão relevante, e sem apoio, só é possível graças à operação que está sendo viabilizada pelas instituições parceiras que recebem o festival, e aos artistas que aceitaram cachês abaixo do habitual. Tal distanciamento é perceptível ao sair na rua ou ver a divulgação de shows no país, já que não houve apenas uma pasteurização dos festivais brasileiros nos últimos anos, como também da própria produção e formas de consumo musical. Logo, se em 2011 haviam desafios, em alguma medida é possível considerar que o cenário era mais aberto para sonoridades experimentais.
“No pós-pandemia, o espaço para o novo e para o experimental tem encolhido vertiginosamente em meio à cultura dos números. Vivemos um tempo em que só o que é gigante parece ter valor, e tudo o que se relaciona com menos público — como festivais de nicho e cenas independentes — passa a ser tratado como irrelevante.” - Chico Dub
A chegada pela primeira vez a São Paulo é aguardada há anos, desde o pequeno desdobramento da 2ª edição do NF, realizado em 2012, quando levaram pole, Actress e Hype Williams tocaram no Beco 203 (RIP), na Augusta. Desde então, houveram tentativas de realizar o festival em São Paulo, mas nunca rolou.
"Retomamos a ideia agora, nos 15 anos, e justamente num ano sem patrocínio, onde tudo está sendo 100% na raça. A metáfora que inventei é a seguinte: já que estamos caindo, sendo espremidos, que a gente pelo menos caia atirando (risos). São Paulo é esse tiro.
Os públicos do Rio e de SP são diferentes, mas não tanto quanto se imagina. SP é maior, muuuuito maior, e por isso acaba tendo mais gente interessada."

E se engana profundamente quem pressupõe que estamos em desvantagem no cenário global quando o assunto é música experimental e as poéticas do som. É inegável que o mainstream se mantém saturado por repetições de fórmulas desgastadas e que a Inteligência Artificial é uma realidade crescente, por vezes ferramental, na produção de sons — um fenômeno que, de fato, tenho resistência em classificar como ‘música’. No entanto, o Brasil não é apenas um espectador passivo, quando na real se consolida como um berço efervescente de uma vanguarda que alia a tradição de ruptura a uma inovação tecnológica e conceitual bem surpreendente.
Longe dos holofotes comerciais, uma rede de artistas, pesquisadores e coletivos tem redefinido o que significa escutar e produzir no contexto contemporâneo, explorando sonoridades como matéria-prima. Essa vitalidade comprova que a inventividade nacional, muitas vezes regionalizada, segue não apenas atenta, mas pioneira em moldar os futuros possíveis da arte sonora.

Chico comenta: "Talvez o Brasil seja um dos principais pólos do que existe de mais alternativo na música experimental global. Vejo o que se faz aqui como algo que ainda não chegou plenamente aos ouvidos do resto do mundo — e que por isso mesmo poderia ser entendido como uma espécie de “música experimental alternativa”.
Acho que o nosso momento atual, em termos de estética, qualidade de produção, diversidade (em todos os sentidos) e potência performática, é excelente. O problema é que os apoios, que já eram poucos, ficaram ainda mais raros. Está todo mundo preocupado. E com razão."
Para além do festival, o Novas Frequências é um projeto que nos últimos anos fez ações pontuais como levar artistas para a Europa, como o festival Counterflows, na Escócia, e para residências artísticas como Nyege Nyege em Uganda. Mas em 2025 a coisa tomou outra proporção. No começo do ano, por exemplo, a galera levou nosso parceiro ANTCONSTANTINO para a primeira turnê internacional, no velho continente. Em São Paulo chegaram a colaborar com alguns artistas na Casa Líquida, e no Rio tocaram a Itinerância Rebel, além de shows menores como o do Test & Deafkids no Sesc Avenida Paulista e do projeto solo do Iggor Cavalera. E Chico afirma que vem mais por aí, com um lançamento de uma agência de bookings e um selo musical chegando ao mundo nos primeiros meses de 2016.




Test & Deafkids | Fotos: Marcos Hermes Iggor Cavalera | Fotos: Gil Inoue
Ou seja, o Novas Frequências é a real resistência e um cenário que precisa de resposta ao modelo ultrapassado, saturado e insosso da música de massa. É um projeto que reafirma a cultura e risco para a invenção de um futuro mais inventivo. Se há 15 anos o desafio era se consolidar, hoje a dura realidade também é terreno fértil. Ao ser perguntado sobre o que vê de diferente na cena, agora que o NF está debutando, afirma perceber um avanço significativo:
"A música experimental já não é mais o bicho de sete cabeças que era no início do festival. Hoje temos muito mais agentes na cena - artistas, selos, casas interessadas, eventos - e um público bem mais curioso e aberto.
Por outro lado, esse avanço, na cabeça dos diretores de marketing das empresas que mais patrocinam no país, ainda não é suficiente. Projetos como o Novas nunca vão ser de massa. Nunca. E o espírito do tempo deste nosso mundo regido por algoritmos e pela lógica da visibilidade total, onde existir é sinônimo de aparecer, exige números, métricas, volume. É uma era em que a imagem virou uma espécie de moeda espiritual, e tudo que não 'performa' se torna invisível."





ALGOL (DE/AT/PE) | Concepcíon Huerta (MX) | Metá Metá | Birushanah (JP) | Sarah Davachi (CA | Wolf Eyes (US)
Serviço Rio e São Paulo (link para os ingressos abaixo)
3/12 - Garage Grindhouse
Wolf Eyes (US) | Birushanah (JP)
4/12 - Solar Grandjean Montigny (PUC-Rio)
Exposição “No Raiar da Noite”
Cashu
Anti Ribeiro b2b Aleakim
5/12 - Solar de Botafogo
Kara-Lis Coverdale (CA) | Sarah Davachi (CA)
5/12 - Trauma
Praed (LB,CH) | Cashu | Anti Ribeiro | Partido da Classe Perigosa | Faizal Mostrixx (UG)
6/12 - Parque Lage
Rosa Noviello & Lara Dâmaso (IT,BR/CH,IT) | Concepcíon Huerta (MX) | Chico Correa | Violeta García & Hora Lunga (AR/CH) | Nico Espinoza (CL) | Luciana Rizzo (AR)
7/12 - Circo Voador
Metá Metá | TEST & Deafkids | Papangu
8/12 - Teatro Cultura Artística
Kara-Lis Coverdale (CA) | Sarah Davachi (CA)
9/12 - Sesc Avenida Paulista
Los Thuthanaka (BO/US)
Ingressos: A partir do dia 02/12
10/12 - Sesc Avenida Paulista
Praed (LB,CH)
Ingressos: A partir do dia 02/12
11/12 - Teatro Cultura Artística (Auditório)
ALGOL: Christian Lillinger & Elias Stemeseder + Camilo Ángeles (DE/AT/PE,MX)
12/12 - Teatro Cultura Artística (Auditório)
Paola Ribeiro
13/12 - Central Técnica Chico Giacchieri
Edgar & Os Fita | Concepcíon Huerta (MX) | Luciana Rizzo (AR) | Marina Cyrino (BR,DE) | Marina Mello (BR,CH)