Nice 55 é O Especialista

Ontem foi ao ar o primeiro álbum de Nice 55, MC e produtor de São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo. O Especialista é um disco de 11 faixas, que nasce dentro da cena do grime mas explora uma vastidade de gêneros: "eu acho dahora que esse é um álbum que tem vários estilos musicais — tem grime, tem um jungle, tem um garage, tem um deep house, um drum and bass — eu consegui reunir tudo que eu gostava sonoramente", conta o MC, que acrescenta:

"Eu acho dahora essa diversidade — até mesmo no grime tem 1 milhão de jeitos de se fazer, né? Eu faço mais grime e acho que a maioria das faixas são grime, mas tem vários estilos musicais, que são estilos que fazem a cama do grime, assim. Acho que isso vai ser dahora também pra galera que tá no grime tentar fazer umas paradas diferentes, se desafiar."

Essa questão me faz voltar ao questionamento do que significa "ser grime". Mais do que por estruturas determinadas, uma faixa se torna um "grime" quando ela faz parte daquele movimento e foi produzida por alguém que vive aquilo. "Tem até uns manos que falam que quando eu tento fazer outro estilo musical, ainda dá pra ver que tem um grime ali, não dá para esconder", me contou Nice, mostrando como o que é lido, ou não, como grime, não depende da métrica dos beats, mas sim de processos que passam por esferas sociais e culturais.

Eu passei as minhas experiências de vida, tentei abordar os gêneros musicais que eu gosto de ouvir e consegui colocar, um começo, um meio e um fim. Acho que eu consegui fazer um trabalho além do que eu imaginava, ao mesmo tempo com a simplicidade que o grime tem que ter, tá ligado? — Nice 55

O disco foi quase todo produzido pelo próprio Nice, que começou a fazer beats por não ter quem produzisse para ele, e quando percebeu, passou a ter quase mais gosto pela produção do que pela escrita. Fora a primeira faixa, um jungle atmosférico que funciona como introdução, todas as outras contam com rimas dele, além de feats com LC 016 e Nary PAPA em duas tracks.

Os instrumentais foram em sua grande maioria produzidos em colaboração com GR33G, produtor e DJ de Curitiba que é amigo de longa data do artista, exceto os beats de "Escolho por mim", produzido por ERMANI, e de "Treta", feito por Kenjuu拳銃.

A parceria de Nice e GR33G evidencia outra característica central para o desenvolvimento da cena do grime no Brasil, que é a troca por meio da internet. Os dois, somados à TCO MY SELECTA, Nary PAPA, LC 016, Burin e DLT, constroem a Tropa do Gás, coletivo que atua no encontro entre o interior de São Paulo e Curitiba, e se constitui basicamente online, já que são poucas as oportunidades que eles se encontram pessoalmente.

"Hoje em dia a internet é muito importante mesmo, né? Pra além da galera te descobrir, mas pra você manter uma conexão, fazer as amizades e os projetos. O GR33G é um mano que eu troco muita ideia de música, a gente trabalha junto e eu conheci ele pela internet, a gente começou a trocar ideia e virou amigo. A internet vem mudando a vida de muita gente, conectando as pessoas.

Eu acho foda que a gente também consegue se conectar com os manos de Londres, tá ligado? A galera que faz a cena lá, acho isso muito foda. O bagulho da hora do grime é isso, que os caras que tu gosta de ouvir falam contigo, e tão interessados." — Nice 55

O disco chega com uma sensação de alívio para Nice, que perdeu algumas vezes os arquivos das faixas, precisando refazê-las mais de uma vez. "Lançar ele para mim é uma vitória, porque quem é do underground, tá ligado como é difícil pra fazer as coisas, pra lançar trampo", conta ele.

E chega depois de muita espera, por conter letras que já são comuns à quem frequenta o circuito das festas de grime, além de, claro, faixas novas: "eu fui colando nos rolês de grime e cantando algumas músicas que estavam escritas, como 'Fora da lei' e 'Pixação', e são umas músicas que a galera sabe cantar. Uma galera que eu nunca vi na minha vida cantando meu som. Essa parada é dahora também", conta o artista.

"Eu acho muito foda que no Brasil, quando a gente descobre um movimento, a gente vai com tudo. E o grime tem sido isso pra essa juventude. Tem muita galera surgindo, muito rolê acontecendo.

O foda é que eu moro muito isolado, então tudo acontece pela internet pra mim. A não ser quando a gente marca alguma parada e eu tenho que viajar pra cumprir, mas eu acho muito foda quando eu tô no rolê e a galera vem me cumprimentar, fala que meu som é da hora ou então fala que já me viu e tal." — Nice 55

A caminhada de Nice na música começou no rolê de bandas, e muito dos aprendizados dessa época seguem sendo guia da sua forma de produzir: "antes de produzir esses estilos, eu tocava bateria. Quando eu era bem moleque, eu era do punk rock, então esse bagulho do 'faça você mesmo' sempre esteve comigo — até na musicalidade, o punk é um estilo de música que é simples, qualquer um pode fazer, e o grime também vem um pouco disso, de fazer em casa, no FL Studio", conta ele.

Eu acho que são um pouco das minhas vivências, até os 27 anos — eu conto um pouco do meu jeito de viver o mundo, de viver a vida, um pouco das paradas que eu já fiz, que eu já vivi, tá ligado? Nesse álbum eu retrato a minha vida, minhas vivências, tudo real. — Nice 55

Acredito que essa seja o primeiro projeto de grime rimado e produzido pela mesma pessoa, característica que é muito forte na cena inglesa. No grime, os instrumentais não servem apenas como base para as músicas, eles na verdade dividem o tempo da faixa com o vocal, se conversando.

É legal ver como isso aparece em O Especialista, com vários momentos instrumentais no final das faixas, mostrando esse espaço dividido entre a voz e a batida. A versão instrumental do álbum está a venda no BandCamp, e é um prato cheio para quem gosta de grime instrumental.

O Especialista, de Nice 55, chega como um dos projetos mais autênticos da nossa cena, e que com certeza vai ser lembrado no futuro. Aproveita para ouvir agora.

Viva o grime nacional.