Miolo(s) consolida o acervo e a diversidade na cultura gráfica

12ª edição da Feira realizada na Biblioteca Mário de Andrade promove encontro de editoras artistas e coletivos em celebração do impresso

Miolo(s) consolida o acervo e a diversidade na cultura gráfica

Os amantes de impressos que estiverem na cidade de São Paulo no próximo final de semana já têm programação definida: colar na Feira Miolo(s). Mais do que um evento do calendário cultural paulistano, ela contribui com o panorama de arte gráfica independente do país. Do zine ao livro de artista, a Feira é o ponto de encontro entre o rigor técnico e a liberdade criativa, onde o papel deixa de ser suporte para se tornar protagonista e, porque não, manifesto. 

Nascida em 2014, no berço esplêndido da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, a Miolo(s) é filha do espaço que a acolhe e da editora Lote 42, conhecida pelo seu trabalho ativo na manutenção e desenvolvimento do mercado editorial. O propósito da sua concepção é bem simples, mas estratégico: integrar a produção independente ao acervo da BMA, um dos mais importantes do país.

Desde a primeira edição, todas as editoras presentes têm como contrapartida doar ao menos uma de suas publicações para a biblioteca, mecânica que não só garante a sustentabilidade da feira, como consolida a formação de um acervo de publicações contemporâneas. Assim, toda a produção de uma geração não se perde, podendo no futuro se tornar objeto de memória e pesquisa.

Com o passar dos anos a Miolo(s) foi ganhando corpo e aumentando exponencialmente, não só no número de participantes, mas na programação, que foi ganhando palestras, oficinas, ações prévias, e homenageados anuais. Hoje, o termo "Feira" parece antiquado, já que se tornou um fórum de discussão sobre o mercado, a técnica e até a crítica de arte gráfica. Aliás, estamos falando de São Paulo, mas em 2022 a Miolo(s) pegou bigu e desembarcou em Olinda, numa edição especial na cidade pernambucana.

Preservação e fortalecimento do mercado

É importante perceber que, em 11 edições — sim, até durante a pandemia rolou Miolo(s), em formato online — a Feira contribuiu muito para a democratização e horizontalidade do mercado, ao oferecer um espaço de exposição gratuito para artistas, coletivos e pequenas editoras. Com isso, há uma quebra na barreira de entrada do mercado editorial tradicional, assim como permite um contato direto entre criadores e público. E não estamos falando só de Brasil, mas de América Latina, já que participam projetos de países próximos como Argentina, Peru e Chile.

A Miolo(s) também vai de encontro ao que se propõe um mundo dominado pelo digital e pela impressão em larga escala, valorizando técnicas artesanais. São zines, serigrafias, xilogravuras, risografia, encadernação manual… enfim, técnicas que celebram a boa e velha manualidade e materialidade do livro além do conteúdo, mas também como objeto de arte. Essa valorização, eu diria, contribui para o resgate e conservação de ofícios que poderiam se perder com o tempo.

E se a forma é importante, claro que o conteúdo também tem seu valor, reconhecido pelo estímulo à produções independentes, que por sua vez podem tocar em temas sensíveis e urgentes, ou experimentais e subversivos. O espaço é um laboratório de narrativas que dificilmente conseguiriam um cantinho entre as grandes editoras. É uma forma de garantir a diversidade de vozes na cultura impressa brasileira.

A edição de 2025

Em 2025, a 12ª edição da Feira Miolo(s) vai rolar agora, nos dias 8 e 9 de novembro, claro, na Biblioteca Mário de Andrade. A programação está bem robusta e preciso admitir que chegamos atrasados, já que durante a semana rolou o Esquenta Miolo(s), com debates sobre o futuro da arte impressa, workshops de produção gráfica, ciclo de formação, e oficinas práticas. Mas calma que ainda tem o prato principal e aqui destaco parte da programação e algumas dicas do que ver entre os expositores.

Papo Tatuí

O podcast da Lote 42 é mais uma das ações promovidas pela editora para discutir ideias sobre a cultura gráfica independente, e durante a Feira Miolo(s) vai rolar a gravação de 6 episódios ao vivo, no auditório da Biblioteca Mário de Andrade. Serão 12 convidados — um para cada ano de Feira — falando sobre seus trabalhos e compartilhando experiências sobre temas como vivências queer, ateliê e ativismo, design e pesquisa, feiras e festivais, e mais. Vale passar por lá para acompanhar os papos, mas caso não consiga, fica tranquilo que os episódios editados serão lançados nas plataformas de streaming.

Estação de Serigrafia

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Como se as impressões já presentes no evento não fossem suficientes, durante os dois dias da Feira vai rolar uma ação de impressão em serigrafia, tocada pela Sutto Serigrafia. A galera presente vai poder conhecer um pouco mais sobre a técnica, e colocar a mão na massa, ou melhor, no rodo e matrizes e, de quebra, ainda sair com um pôster pra casa. Se quiser levar sua própria camiseta, pano, ecobag, ou qualquer outro material para personalizar, pode ficar à vontade.

Mostra 100 em 10

Projeto iniciado durante o Esquenta Miolo(s), a exposição 100 em 10: Arte impressa no acervo da Biblioteca Mário de Andrade, reúne dez trabalhos significativos do acervo do espaço que completa cem anos em 2025. Curado e coordenado pelo autor e artista gráfico Gustavo Piqueira, a mostra cria uma ponte entre livros publicados entre 1926 e 1992, com os que estão presentes nesta edição da Feira, construindo uma espécie de “árvore genealógica” desse tipo de produção e mostrando como a BMA contribuiu e segue ajudando a abrigar a história dos impressos visuais brasileiros.

FACA

Cabeça feita por livros e cortes, essa é a proposta do FACA, um salão que também é livraria e que estará de forma itinerante ativando a entrada São Luis da BMA. A ideia é relativamente simples: o público vai poder dar um tapa no visual cortando o cabelo enquanto lê em voz alta alguma das publicações presentes. A ideia é, segundo a própria Feira, promover um "lugar de convivência e reflexão, onde o pensamento político se articula à experiência comum". Então, se tava com horário marcado no salão ou barbearia, pode ser uma boa rever o compromisso.

Expositores

Esse ano são mais de 285 editoras, coletivos e artistas independentes com 241 lançamentos confirmados. Para garantir que todo mundo consiga ter um espaço, rola um revezamento entre sábado e domingo, o que também facilita conseguir ver tudo, porque vamos combinar, parcelar a visita em dois dias é muito melhor. Aqui, alguns expositores que indicamos:

Fudida Silk (Rio de Janeiro - RJ)

Ateliê e estamparia, a Fudida é um “coletivo-cooperativa” de artistas Trans que usa a serigrafia para financiar uma galera que geralmente está à margem da cena de produção gráfica. O grupo trabalha na intersecção entre moda e arte e busca promover a subversão dos estereótipos de gênero e da visão em relação a pessoas LGBTQIAPN+.

Ateliê de Impressos (Fortaleza - CE)

Fundado em 2021, na capital cearense, o Ateliê de Impressos é um hub criativo com foco, como você já deve ter suspeitado pelo nome, em impressos. Uma preocupação é que o trabalho seja sustentável, politicamente responsável e que funcione de forma ética, ou seja, a galera é fortemente posicionada como antirracista, antifascista, e isso se manifesta nos materiais que produz e distribui. Para eles, o design também é ferramenta política e uma escolha pensada ativamente. Vale colar, conferir e correr junto.

Lovely House (São Paulo - SP)

Essa é para os fãs de livros de arte, fotolivros e afins. A Lovely atua desde os anos 1990 como “a casa de livros brasileira”, e se dedica a pesquisar, publicar e divulgar as produções do setor, principalmente os de fotografia e design. Dificilmente uma publicação nacional, principalmente as independentes, não passe pelo filtro da Lovely que desenvolve um trabalho fundamental para a difusão da arte gráfica. E claro, cole na banca (eles estarão por lá somente no domingo), siga nas redes e acompanhe o trabalho da Lovely que é bem massa.

Kinoruss (São Paulo - SP)

Como já falamos de arte e política por aqui, importante comentar da Kinoruss, editora independente que estará presente no sábado, com seus trabalhos que privilegiam textos teóricos e históricos sobre arte, cinema e cultura russa/soviética. Responsáveis por publicações inéditas no Brasil, se hoje conseguimos ler textos de Eisenstein e Tarkóvski, e a Vkhutemas passou a ser conhecida por aqui, quando só encontrávamos material sobre a Bauhaus, em grande parte é pelo trabalho da Kinoruss.

Escape (São Paulo - SP)

Formada pelos designers Caio Orio e Henrique Vaz, a Escape experimenta diferentes linguagens em projetos que abrangem música, fotografia e ilustração. De livros e zines à pins e roupas – que foram usadas até pelo mago Ronaldinho Gaúcho –, a marca valoriza as subculturas e as produções de artistas independentes  de forma leve e bem humorada. Estando na Miolo(s) no domingo, indico passar no espaço dos caras.

MAU GOSTO CORP. (Aracaju - SE)

Diretamente de Aracaju, a MAU GOSTO CORPORATIONS se autointitula uma “mega corporação especializada em produtos de gosto duvidoso, para colecionadores e apreciadores da boa e velha cultura vintage, trash e artesanal”. São quadrinhos, posteres, acessórios, toy art — ou bonequinhos, por que não? —, e até tábua ouija, ou seja, vários itens de gosto realmente duvidoso, mas que imprimem muita qualidade e principalmente autenticidade estética. Como os caras vêm de longe, estarão presentes nos dois dias de Feira, então vai lá, garante alguma coisa e espalhe a palavra da MAU GOSTO.


Pra fechar, a Miolo(s) é real a celebração do objeto impresso como resistência, e um ponto focal de uma rede que se retroalimenta por meio da materialidade, seja ela papel, tecido, ou qualquer outro suporte. Um trabalho fundamental para a preservação da arte e que merece nossa atenção e prestígio.


ISMO
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