Martha Cooper continua fotografando a rua

Um olhar sobre o legado da fotógrafa mais importante do grafite e dos outros elementos da cultura Hip Hop

Martha Cooper continua fotografando a rua
Martha por Janette Beckman

O grafite é uma arte urbana que, tendo seu lugar na ilegalidade ou não, se tornou sinônimo de expressões artísticas nos grandes centros do mundo todo. Historicamente, Nova Iorque é seu berço, na década de 1970, sendo rapidamente espalhado pelo mundo. Aqui no Brasil, no fim dessa mesma década, os primeiros muros eram grafitados na cidade de São Paulo. 

Mas toda essa arte tem uma vida útil curta, uma vez que eram rapidamente apagadas ou recebiam pinturas por cima pois não eram totalmente aceitas - e nem hoje é de fato. Então para entender, apreciar e guardar sua memória, fotógrafos tinham um papel fundamental na cultura - o do registro. A Martha Cooper é essa pessoa, que desde o começo do movimento, esteve fotografando grafiteiros e suas artes, sendo pioneira na documentação do grafite e fazendo isso até hoje, aos 82 anos. 

Fotografia de rua em Nova Iorque e encontro com o grafite 

Martha Cooper é de Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos e chegou a Nova Iorque nos anos 70 com uma câmera na mão, registrando a cultura efervescente do local à época. A cidade borbulhava cultura, seja no punk, no hip hop, no grafite e afins. Ela conta que queria trabalhar para o New York Times, mas que não rolou. 

Seus primeiros registros de grafite acontecem enquanto fotojornalista do New York Post, de 77 a 80, ao conhecer Edwin Serrano, o HE3, que depois também assinaria LEC TNS, nos anos 80. A Martha foi a primeira fotógrafa mulher do NY Post e esse encontro foi o começo da relação dela com o grafite, porque o HE3 a apresentou ao DONDI, um dos caras mais ativos e cabreiros da época. Como ela mesmo conta, Edwin deu a letra: “eu posso te apresentar a um rei”. 

HE3 novinho na foto da Martha Cooper no Lower East Side 

A relação da Martha Cooper com o DONDI foi fundamental, porque ele era um cara que estava fazendo trens com uma crew pesada. O mais louco é que ele já a conhecia, porque ela tinha tirado uma foto que tinha uma tag dele, então o encontro foi fácil e a dupla ficou próxima logo no começo. Essa parada de tirar fotos dos grafites era pós expediente do NY Post e com filmes que sobravam das diárias de fotos, mas foi ficando mais séria e foi tomando mais tempo ao passar dos anos. 

A crew bombardeava os trens de Nova Iorque com grafites e tags dentro dos páteos quando eles estavam parados. Era um risco, tanto pintar quanto fotografar, mas foi importante para a carreira dela na cena e para ganhar um “street credit”, tão importante nas culturas urbanas para validação dos indivíduos e de sua coragem e determinação para fazerem parte daquele movimento. Martha Cooper tinha também a parceria e a companhia de Henry Chalfant, sendo eles a dupla de fotógrafos mais importante da época. Eles desbloquearam a confiança dos grafiteiros e se tornaram os registradores oficiais daquele movimento - e de outros também, que depois virariam os quatro elementos da cultura hip hop: o grafite, breakdance, MC e DJ.

Se tornando uma referência na cena sem nunca ter pintado um muro

Depois desses primeiros registros, Martha ficou famosa no meio do grafite pelo seu olhar e pela sua coragem, passando madrugadas em claro fotografando crews grafitando muros e trens. As fotos mais icônicas do movimento nos anos 80 de Nova Iorque são dela. 

Essa foto do Dondi White é a favorita da Martha Cooper 

Conversando sobre a Martha com o Leo Low, grafiteiro de São Paulo, ele relembra a relação dela com os manos da cidade:

" Ela e o Chalfant tiveram a honra de sair com esses caras nos terminais de trem de Nova Iorque, quando a cena estava super desenvolvida. Quando ela não ia com eles, eles pintavam e mandavam mensagem na secretária eletrônica dela “pintei o trem na estação X, talvez amanhã passe nas estações X, Y e Z, então esteja em uma dessas” e por isso as fotos saíam perfeitas! Eles tinham todas as informações importantes para fotografar o grafite." - Leo Low

Uma das partes de Children of the Grave do Dondi no trem em 1980, por Martha Cooper

 A Martha fez um nome também no hip hop, fotografando a cultura em seus primórdios. Se a gente pensar que os quatro elementos da cultura hip hop são o DJ, o Mc, o breakdance e o grafite, a Martha fazia bingo e estava em todo lugar tirando as fotos de toda a cultura. 

Breakancers em Manhattan, 1983 por Marta Cooper 

Em 1982, ela foi a fotógrafa do filme Wild Style, um dos mais conceituados da cultura do hip hop até hoje e um dos responsáveis por amplificar essa cultura. Com isso, seu nome ia ficando relacionado com os elementos da cena sem nem precisar ter de fato pintado um muro ou feito um passinho de dança. 

Nas década seguintes, Martha trabalhou ao redor do mundo, fotografando culturas locais e subculturas nas grandes cidades. De tatuadores a crianças brincando na rua, Martha capturou o ethos de cada momento com seu olhar para além do comum, eternizando movimentos que são hoje parte da vida cotidiana das grandes cidades. Em 1983, ela participou da produção do documentário Style Wars, o principal sobre a cultura do grafite nos Estados Unidos, eternizando seu nome no movimento que mais fotografou.

Ligação com o Brasil 

Martha Cooper viu que em São Paulo tinha um outro movimento parecido acontecendo e que era igualmente original e presente na cidade: o pixo. Suas primeiras vindas à cidade, trouxeram-na a ter um olhar sobre esses artistas urbanos brasileiros, entendendo e participando de suas ações por aqui também. 

Em 2017 protagonizou o projeto “Viva os catadores”, trazendo mais visibilidade e diálogo a um grupo tão marginalizado mas tão presente e importante nas grandes cidades. A série de fotos contou com uma exposição realizada em São Paulo. 

Foto do projeto Viva os Catadores, por Matha Cooper

Em 2022, foi a vez de virar jaquetas numa série de roupas de Wagner WAGZ, que ganhou vida no Red Bull BC One, campeoanto de break dancing da Red Bull, celebrando toda a cultura do hip hop - o grafite é um dos elementos da cultura. 

Em 2025, na exposição Hip Hop 80, no Sesc 24 de Maio em São Paulo, Martha ganha um espaço dedicado à sua fotografia e uma celebração à sua importância na cultura mais uma vez. 

Sempre que esteve na cidade, Martha fez questão de acompanhar pixadores e grafiteiros em suas sessões, fazendo o que sempre fez e que ficou reconhecida: tirar fotos da ação nas paredes. 

Quadro com foto de Martha Cooper fotografando o Ilarios em São Paulo 

80+ e ainda fotografando 

Martha Cooper hoje é um nome importantíssimo na cultura do grafite, do hip hop e do break dancing, sendo o maior nome na fotografia de todo o movimento. 

Ela publicou diversos livros sobre várias culturas urbanas, do grafite à tatuagem. Street Play, Subway Art, Hip Hop Files, Tokyo Tattoo 1970 são alguns dos títulos mais famosos e seu mais recente é o Street Art Icons, de 2024. Grande parte da obra de Martha Cooper se dá em Nova Iorque, mas ela viajou o mundo tirando fotografias por onde passava. E continua fazendo isso até hoje.

O legado de Martha Cooper é gigante e você já deve ter percebido isso nesse artigo, mas melhor do que um jornalista falando, são os próprios artistas que foram influenciados pela arte dela:

"Meus encontros com Martha Cooper foram simplesmente fantásticos. Tive a honra de conhecê-la pessoalmente em 2016, quando o artista Mundano a levou até a galeria A7MA. Receber a visita dessa verdadeira rainha da fotografia foi um marco para mim. Em 2022, durante minha residência artística em Nova York, tive a oportunidade de conhecer a casa de Martha. Lá, pude folhear todos os seus livros publicados, admirar sua coleção de arte — composta, em grande parte, por retratos dela feitos por ícones da street art — e ver de perto o boneco original do livro Subway Art, obra que influenciou todas as gerações seguintes. O encontro mais recente aconteceu há apenas 15 dias, na abertura da exposição Hip Hop 80, quando a reencontrei e fui apresentado a Henry Chalfant, que se mostrou fascinado pela pixação paulistana e me convidou para uma tour fotográfica. Não pensei duas vezes: levei essa dupla icônica para registrar o centro da cidade, apresentando o “Point” onde Martha ficou impressionada com o nosso GRAPIXO. Esse momento foi mais que especial — chancelou meu pertencimento à cultura Hip Hop. Posso dizer: zerei o game." - Enivo

"O grafite, uma arte que circulava a cidade… Imagina a inteligência que a pessoa tinha que ter para conseguir fotografar esse momento de maneira que esse movimento não passasse em branco. A função da Martha Cooper é talvez até mais importante que vários artistas daquela década, porque ela documentou muito bem e fez com que o mundo conhecesse essas imagens, é importante pra mim e pra todo mundo que aperta um pino de uma lata de spray. Essa pessoa pode não saber, mas ela foi influenciada pela Martha Cooper!" - Leo Low

"Eu comecei a fotografar graffiti e pixação porque também pintava, mas com o tempo percebi que ficava mais feliz com um registro diferenciado, especial, do que com o graffiti em si. Registrar a impermanência dessa arte, torná-la eterna, essa é a mágica da fotografia. Se a Martha não tivesse existido, grande parte da história da cultura hip hop estaria apagada." - Carla Arakaki

“A Martha Cooper é uma lenda viva! Com uma vitalidade invejável, lentes afiadas que registraram e forjaram um movimento mundial. O Livro Subway Art fez parte da minha (e de muitos) educação e formação! Vida Longa a Rainha Martha!” - Felipe “Flip” Yung

Você pode seguir e acompanhar o trabalho da Martha Cooper aqui.


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