Marginália Metropolitana é o registro de uma cena
Uma conversa com Wender Zanon e Gabriel Bernardo, produtores do projeto
Marginália Metropolitana é um projeto lançado em maio deste ano que se propõe a criar um registro abrangente e variado da cena eletrônica underground da Grande Porto Alegre.
O projeto se materializa em diferentes frentes — uma coletânea musical contendo sete artistas, organizada pelo produtor marcelulose; um livro organizado por Gabriel Bernardo, que conta com textos de seis escritores e escritoras; e uma festa de rua organizada pelo Coletivo Plano, que aconteceu junto ao lançamento do projeto.
Marginália Metropolitana conta com o envolvimento de mais de 20 pessoas. O ponto de partida foi o V.A. (vários artistas; compilação musical), com curadoria de marcelulose, que além dele, é composto por outros seis produtores e produtoras — Pianki, PV5000, Mtn9090, Nog4yra, Turva e Faylon.
"O Marcelo sugeriu uma coletânea. Acho que é isso que vai disparar e organizar esse projeto que a gente vai chamar de Marginália Metropolitana. Quando ele fala dessa possibilidade, ele já começa a citar alguns nomes e aí a gente tem esse conceito — são pessoas que uma é de Viamão, uma é de Guaíba, outra é da periferia de Porto Alegre, mas todas elas se encontram nesses espaços centrais da cidade de Porto Alegre." — Wender Zanon, co-produtor do projeto.
Vendo a importância da coletânea idealizada por Marcelo, Wender aciona Gabriel e sugere a produção de um livro. Gabriel teve o trabalho de trazer para a curadoria do livro os mesmos aspectos que nortearam a construção do V.A., selecionando escritores e escritoras das mais diferentes áreas.
"Tinha essa demanda de que fossem vários autores, para diversificar os olhares e não cair numa coisa muito especialista. Cada um, a partir do seu lugar, trouxe um especialismo, que seria relativamente curto, pelo número de páginas e tudo mais. Esse mote, da Marginália Metropolitana, fala de diferentes lugares que se encontram e que, por isso, naturalmente, já têm diferentes posições." — Gabriel Bernardo, organizador do livro.
Os autores — Bruno Barros, Tom Nunes, Mariana Gonçalves da Silva, Leo Felipe e Eduarda Heineck Fernandes, além do próprio Gabriel — contribuíram cada um com suas experiências e especialidades, com o próprio recorte e maneira de escrever e se relacionar com a cena, a partir da escuta do V.A.
Outro aspecto que foi central para que o projeto se desenvolvesse da maneira que se deu, foi a sua aprovação no Edital SEDAC/LPG n° 12/2023 – Criação Artística, por meio da Lei Complementar n° 195/2022, Lei Paulo Gustavo. Gabriel conta que fazer os convites contando com um cachê fez toda a diferença para o envolvimento dos convidados.
Por mais que todos os envolvidos estejam acostumados com a política do "faça você mesmo" e com investimentos independentes e coletivos, o apoio financeiro permitiu maiores possibilidades e uma realização mais justa: "acho que eu só visualizei fazer um livro nesse momento porque era dentro do contexto de edital. A gente vive agora um bom momento de reconhecimento do cenário eletrônico, mas que ainda é incipiente — acho que o edital ajuda, inclusive, a gente a continuar tendo esse reconhecimento", explica Gabriel.



Lançamento do livro, na Rádio Agulha (fotos: Gabriela Felin)
"A festa é multimídia por natureza — tem essa expressão musical que já tá consolidada e hoje também tem muitos vídeos, documentários. O livro é só mais uma forma, que te convida a tratar dos temas sob essa outra ótica, da linguagem escrita." — Gabriel Bernardo
A coletividade e pluralidade são aspectos centrais no projeto. Desde a seleção dos artistas musicais, dos escritores e dos envolvidos nos outros processos, que muitas vezes ficam em segundo plano — as ilustrações ficaram por conta da ASSMA, a diagramação pela Ana Cândida Sommer, e a produção executiva é assinada pelo Vitor Cunha, além do Wender — percebe-se essa vontade de envolver o máximo de pessoas possível, criando um relato realmente múltiplo a partir desses vários olhares.
Gabriel conta: "eu acho que tem isso e esse é um esforço. A Mari é uma das pessoas que traz isso enquanto tema — essas muitas formas de se viver um cenário (o texto Mas afinal, que "cena" é essa? é o terceiro do livro) — e como essas muitas formas são, ao mesmo tempo, não determinadas, influenciadas pelos lugares da onde tu vem, pelas vivências que tu teve, como é o teu corpo, qual é a tua raça, a tua classe, o teu gênero.
Eu acho que esse sempre foi um problema que eu via nas representações do cenário. Não sei se por terem sido textos escritos por uma pessoa, mas eu sentia uma certa homogeneização, que pode ir pro lado de uma romantização, de que tudo é muito maravilhoso, que as pessoas se libertam — isso é algo que tá nos textos mais antigos.
Na maioria dos casos era tudo muito maravilhoso e as coisas aconteciam assim, produzindo um reducionismo também. Parece que os livros são sobre a música eletrônica no Brasil, só que eles acontecem todos em São Paulo. E daí esse apagamento que se criou também em relação à história da música eletrônica como um todo."
Marginália Metropolitana é um livro que apresenta um recorte específico da cena, sem a pretensão de ser um registro absoluto. Surge mais com a intenção de abrir as portas e gerar um debate, do que de criar uma classificação definitiva.

"Acho que tem essa energia, do projeto como um todo, de um contágio, uma empolgação, uma vontade de que outros livros, textos e projetos surjam disso — sejam contaminados por ele. Não era a preocupação de contar uma verdade, uma história, era mais uma preocupação de botar fogo. E a gente vê que tá funcionando, né? Funcionou." — Wender Zanon
O projeto, tanto por meio do livro como pelo V.A., pode ser entendido como um retrato, uma cristalização das dinâmicas da pista e das festas. Gabriel explica: "isso tudo tem como seu principal motor uma dinâmica que é efêmera. A pista de dança tem uma circulação muito grande de energia, de ideias, é o lugar onde a gente cria teorias da conspiração, teorias de como fazer coisas novas, e na segunda-feira a gente já esquece e retoma o mesmo papo na festa seguinte, mas deixa ele em standby.
Como não é o trampo da maioria das pessoas, várias delas entregam pra festa somente a sua energia. Elas vão lá, dançam e depois vão embora, e não produzem música, não produzem festa, mas vão sempre na festa. Elas precisavam aparecer de alguma forma, e eu acho que a gente tentou fazer isso dando esse panorama de que o livro possa ser uma festa bem doida, sem um início, meio e fim, necessariamente."


Na esquerda, Wender e Gabriel no lançamento do livro. Na direita, festa de lançamento do projeto, na Praça Revolução Farroupilha (fotos: Gabriela Felin)
No site do projeto Marginália Metropolitana, está disponibilizado o livro em PDF, além de uma versão em audiolivro e mais informações sobre ele. Se interessou pela história? Acompanhe o trabalho deles pelo Instagram, e se possível, apoie — o livro pode ser comprado entrando em contato com eles, e o V.A. está disponível para compra no BandCamp.