Marcelo DOD: de capas de discos a quadrinhos brutais
O artista lança Gangue Cemitério, seu primeiro quadrinho, e fala sobre sua relação com o metal e as capas de discos
Em outubro de 2025, o Marcelo DOD, ilustrador do interior de São Paulo, lança seu primeiro quadrinho, intitulado Gangue Cemitério. DOD, que já é figura conhecida no cenário do metal e do hardcore brasileiro e internacional, traz toda sua influência e universo que sua arte habita para dentro da publicação independente, num terror-comédia em páginas em preto e branco.
Eu conheci o DOD nesse outro universo, no da música, vendo direto seus trampos serem relacionados com bandas que eu curto. Arte pro Surra, pro Ratos de Porão, Death to All, enfim, traços que estavam se tornando conhecidos e reconhecíveis por quem frequenta a cena, e que vem cada vez mais ganhando espaço no cenário da música pesada.
Trocamos uma ideia com ele sobre tudo isso, discos, quadrinhos, influências e o que mais permeia seus traços.
Me conta um pouco sobre esse quadrinho que você lançou agora, o Gangue Cemitério.
Cara, trabalho há 10 anos com ilustração e meio que caí de cabeça nesse mundo por conta dos quadrinhos. Sempre foi uma vontade minha de fazer uma HQ, mas me faltava tempo, ou eu não me sentia preparado, achava que era mais do que só desenhar, entender fundamentos de narrativa, o lance da arte sequencial… Eu queria, mas ficava adiando por conta disso tudo.
Até que a loja Monstra em São Paulo sediou um curso da Cult SP gratuito, de narrativa de histórias em quadrinhos e eu fui fazer. Os professores eram o Benson Chin e o André Kitagawa e fazer esse curso foi o empurrão para fazer acontecer esse quadrinho meu.




Algumas páginas do Gangue Cemitério, de 2025
E como que surgiu a história presente no quadrinho?
Foi um pouco na base da pressão (risos). No curso, a gente tinha que pensar numa história, criar uma narrativa, nada muito complexo, era mais pra entender como funcionava, saca? Eu queria fazer uma coisa tipo os roqueiros de primeira viagem ali, adolescente, sabe? Rolê no cemitério, fumar maconha, essas coisas que o adolescente com tempo de sobra faz, curtir um som…
Então, basicamente, são três amigos no cemitério fumando maconha e um desses amigos em especial é recém-chegado no grupo e ele tá tentando se enturmar e, pra isso, ele está performando, saca? Levou um crânio de bode, acendeu vela, está cantando Black Metal do Venom, achando que vai invocar o diabo, enquanto os outros estão ali pela maconha, pelo rolê. E daí vai acontecer umas paradas no cemitério, no fim eles acabam invocando alguma coisa, sim. O resto, você tem que ler, mas essa é a premissa! Tem terror, mas tem humor também, uma história que muito roqueiro já viveu, de querer ficar longe da igreja, de dar rolê em cemitério.
Muito foda, estou doido pra ler! Mas vamos falar de outro rolê seu, que foi onde te conheci, que são suas artes pra bandas de hardcore e metal. Me conta sobre esse corre.
Eu desenho a minha vida toda, toda hora eu estou desenhando e lá pros 19, 20 anos, comecei a frequentar o rolê underground de bandas. Eu sou de Piracaia e depois me mudei pra São José dos Campos e foi lá que comecei a ter banda, tocar com uma galera, conhecer o rolê.
Quando você desenha, você fica conhecido como “o cara que desenha” (risos) e eu comecei a fazer artes pra minha banda. Aí a coisa vai ficando conhecida e, no boca a boca mesmo, outras bandas querem fazer também com você.
Eu cheguei a fazer uma faculdade que eu não consegui conciliar com o tanto de desenho que eu tinha pra fazer! Acho que me encontrei mesmo no desenho, comecei a ter outra percepção profissional e larguei essa facul e entrei em uma de artes, a Quanta Academia de Artes, onde tive dois professores que são fundamentais na minha evolução, o Diego Munhoz e o Brão, que também é metaleiro. Ali eu tive todos os fundamentos, anatomia, luz e sombra, perspectiva, composição… Depois da primeira aula com cada um deles eu já sabia que ia fazer isso até morrer!
Sobre as capas e artes pras bandas, a primeira que eu fiz que teve uma repercussão grande foi a Escorrendo pelo Ralo, do Surra. Foi minha primeira capa usando ferramentas digitais, porque antes eu só fazia coisa na mão, mesmo, fazia no A3, pintava de nanquim, escaneava e mandava pra pessoa.
Obviamente olho pra ele hoje e penso que dá pra melhorar várias coisas - sempre dá, né? O que eu fiz ontem eu penso que dá pra melhorar, é o que me estimula, é o que me faz evoluir. Mas voltando ao desenho, foi muito foda porque eles estavam tocando muito na época e foi muito legal participar desse lançamento. Fiz capa, contracapa, arte pro encarte, foi um bom marco pra começar a ser mais conhecido.

Essa capa é da hora, mesmo! E hoje eu vejo que você fez rolês de arte com várias outras bandas, até de fora do Brasil.
Cara, um sonho que eu realizei foi trabalhar com o Death Angel, banda clássica de thrash metal da Bay Area, que começou com Metallica, Exodus, toda essa cena. Um amigo que faz fotos, o Rick Rocha, que fez essa ponte. Foi muito legal porque eles me deixaram bem à vontade pra criar e quando mandei a primeira, eles já pediram mais cinco artes! É um relacionamento que tem rolado, inclusive enquanto a gente fala, preciso terminar uma arte pra uma tour deles em comemoração ao aniversário do terceiro disco da banda, o Act Three.



Algumas artes que já rolaram com o Death Angel
Teve também uma arte pra uma tour do Death to All, em 2024, quando eles passaram no Brasil e foi muito louco fazer uma arte homenageando o Chuck (Schuldiner). Das gringas, essas duas foram foda e espero que continue assim, que as bandas continuem me chamando (risos).



Arte da passagem do Death to All pelo Brasil em 2024
Também espero! Falando dos seus traços, como você define sua arte?
Ao longo dos anos, por várias questões, principalmente pela questão de “pagar contas”, eu tentei ser bastante versátil. Eu sou muito fã do Jim Phillips, da Santa Cruz, que foi sempre uma referência pra fazer essa coisa mais radical e mais cartoon. Eu estudei bastante pra chegar nesse tipo de traço. Quando alguém me pede algo mais sério, parto pra um outro lado, mais realista… Mas tem muita gente do quadrinho que sou muito fã, tipo Glenn Fabry, Brian Bolland e Geof Darrow.





Algumas capas já feitas pelo Marcelo
Acho que consigo navegar bem entre esses dois extremos. Não sei muito bem definir minha arte, é mais pelo lance das ideias. Sempre faço uns personagens zoiudos, uns sorrisos macabros… Tem bastante arte política, com figura dominante, opressora, ou que está subjugando uma galera ou apanhando dela (risos). Acho que seria uma mistura de cartoon e realismo.
No meu quadrinho tem páginas com anatomias todas certinhas, mas no rosto tem os traços de cartoon, macabro, olho esbugalhado… É essa mistura maluca, mesmo.
Pode crer. Beleza, agora vou te perguntar sobre artes dos discos mais uma vez. Qual a arte favorita que você já fez pra uma banda?
A capa que fiz para o EP "Jesus Nazifascista " do Ratos de Porão. Eu estava com essa ideia da igreja-tanque na cabeça fazia um bom tempo, fiquei muito feliz de usar ele com o grande RDP.

Conta pra mim alguma capa que outra pessoa fez mas que te influenciou ou te influencia.
"Altars of Madness" do Morbid Angel, feita pelo Dan Seagrave. Eu amo essa capa, como artista e como fã da banda. Quando eu descobri que o Dan Seagrave pintou essa capa aos 19 anos ele se tornou ainda mais especial pra mim.

Qual sua capa de álbum favorita de todos os tempos?
Impossível pensar só em uma. Mas em homenagem ao grande Drew Struzan que nos deixou recentemente, a capa e contracapa que ele fez para o "Sabbath Bloody Sabbath" do Black Sabbath é icônica! Eu amo como ele criou algo extremamente perturbador e colorido.

Voltando pras capas que você já fez, qual foi a mais difícil, que deu mais trabalho?
As cenas em perspectiva com vários personagens são sempre as mais desafiadoras, nesse quesito a capa que eu fiz para o album "Code Red" da banda portuguesa de Thrash Metal Alpha Warhead me fez quebrar a cabeça pra colocar na arte todos os elementos que a banda queria.



Os processos até chegar na capa final de Code Red
Pra gente terminar, qual a capa dos sonhos? Uma banda que você gostaria muito de fazer um trampo.
Outra pergunta impossível de dar só uma resposta. Eu adoraria trabalhar com cada banda que sou fã. Mas pra ficar na minha área de conforto, desenhar algo grotesco para o Cannibal Corpse seria incrível!
