Malware é a sátira de Starkenoten sobre a internet
O segundo álbum do produtor paulistano é um retrato frenético da cultura da internet na pós-modernidade
Malware é o novo álbum de Starkenoten, projeto do multi-instrumentista, produtor e DJ Fernando Zukerman, de São Paulo. O disco é uma carta de amor à bass music, pegando o lado sombrio da internet como ponto de partida para a sua construção.
O projeto chega três anos depois do seu primeiro álbum, Delírio Coletivo, que já continha em si elementos que aparecem nesse novo álbum. Lançado pelo selo independente COISAS QUE MATAM, baseado em Berlim e em conexão com Copenhague, Nova Iorque e São Paulo, o disco chega depois do single "Promo Death / Red Sky Status", em agosto desse ano que serviu como preparação para o lançamento do disco.
O disco, que apresenta um amadurecimento na obra do produtor e surge à partir da mistura entre o grime e o vaporwave, saiu na sexta-feira passada, 05/12, nas plataformas digitais e também em fita cassete disponível para compra no BandCamp. Troquei uma ideia com o Fernando há alguns meses quando o disco foi finalizado e falamos sobre internet, cultura pop e as intersecções entre as coisas aparentes e as que estão mais escondidas. Se liga no papo!
"É um disco que te provoca a questionar a internet.
A relação da tecnologia com o corpo. Meio que como se o computador tivesse sentimentos. É sujo, mas também dançante" — Starkenoten

Vamos começar falando sobre a construção do disco. Como e quando as músicas foram feitas? E o que norteou esses processos?
Grande parte do disco foi feito agora, nesses últimos nove meses. Tem algumas aí que eu fui pegando do arquivo, de quando eu tinha 15 anos, lá em 2020.
Eu fiz o disco no meu quarto. Uma das músicas eu fiz num avião, a “Passageiros”, que é mais “computador”. E também trampei bastante no estúdio do meu amigo Wendel, da Beatmasters, lá na Vila Madalena, o que mudou bastante.
Tem essa coisa que é o computador na telinha que eu acabo brisando, e também tem o lado do estúdio, que é estar lá fazendo, mexendo com o equipamento dele. Claro que eu também tenho um sintetizadorzinho e tal, mas mexer lá no estúdio acaba tendo outro workflow — e sai uma coisa mais original, mais anos 90.
Dá outro peso e também acaba dando outro resultado, né? Seja um feedback que apareceu, seja se tá tendo uma jam session na hora e sai um negócio, sabe? Você estar mexendo um knob lá ao vivo, essas coisas.
Como você vê a relação deste disco com os seus projetos anteriores? Tem elementos dele que já apareciam em Delírio Coletivo?
Esse disco com certeza dialoga com o meu primeiro. Essa coisa de vírus, do medo, essa coisa meio física, mística, por falta de termo. Mas esse tá mais “dia”, pronto pra pista, e um pouco mais maduro que o primeiro.
O primeiro foi meio que uma epifania. Eu já tinha o nome, a capa. Foi bem essa coisa pós-quarentena, de sair de casa e conhecer o rolê, o mundo — esse início da “autonomia”, que perdemos na minha geração na quarentena. Esse disco de agora tá mais crescido do que o primeiro, com certeza — mesmo o primeiro sendo bem legal.
Esse disco tá uma soma de pista e fone. No comecinho da minha carreira, em grande parte, eu não pensava na pista, mas nesse disco de agora, eu somo esse mundo da dança e do fone de ouvido, do pessoal.
Referências do grime, claro, da galera da bass music, e também das minhas raízes, desde criancinha, desde os 10 anos de idade — vaporwave, internet.

Se você tivesse que descrever o disco, na questão de gêneros, como seria?
Se fosse pra botar o dedo e dizer assim, de bate-pronto — é grime com vaporwave. E o disco é grande parte em 140 BPM.
Nesse disco, ao contrário do meu primeiro, eu tava pensando numa coisa mais simples, meio Andy Warhol. Coisa que até soma com o brat da Charli XCX, no conceito e tal. Eu tava pensando em brincar com essa coisa da cultura pop.
Que é uma estética que está voltando com bastante força, né?
Totalmente, e não só a música. É o pessoal fazendo tatuagem na fonte impacto, propagandas também com a fonte impacto. E as músicas, né? O disco do Playboi Carti, a Charlie, sabe? Essa volta das coisas na sua cara.
E como isso aparece na sonoridade do projeto? Onde você foi buscar essas referências?
Sonoramente falando, o principal pra mim são as eletrônicas que eu escuto desde molequinho, essa coisa meio maluca que eu escutei pela minha adolescência.
Mas acho que a referência principal que o álbum teve pro seu conceito, que me ajudou a pensar nessas provocações, foi o James Ferraro e o disco dele, Far Side Virtual. É um disco que foi o pontapé do vaporwave, mas pouca gente sabe que o disco tem a sua base no grime. Mesmo o som não tendo nem um pouco do estilo.
O som é zero grime, só que ele já falou em uma entrevista que a inspiração do disco foi uma coisa que eu senti muito em comum com a minha cabeça. Falou que ele morava em Londres na época e que ele passava pelos parquinhos e via umas crianças improvisando em cima de beats de grime no celular.
E ele achou muito curioso a ideia do celular passando uma música muito impactante pela sua caixinha de som com compressão de fábrica. Ou quando virava a esquina do parquinho e via umas tendas vendendo celulares e eletrônicos baratos. A partir dessa ideia ele criou esse mundo, desse disco, e eu me identifico muito também com essa ideia toda.
Acho que é isso de referência. E as estranhezas que eu consumo desde criança, né? Eu com 10 já gostava de The Residents, de estranheza.



Malware saiu em fita cassete pela COISAS QUE MATAM
"Não é um som com a ideia de ter sido feito num lugar 'grandioso', não é big band. Mesmo sendo um disco que, com certeza, soma com a ideia de ser tocado num sistema de som. Primeiramente por ser masterizado e tal, mas é igualmente importante a ideia de ser um eletrônico cuspindo esses sons. De ser elétrica."
— Starkenoten
E de onde veio a ideia para o nome e para a capa?
Desde o início do meu projeto como Starkenoten, eu tenho como referência máxima a parte mais “sombria” da internet. Deep web, os vídeos estranhos, mas principalmente essa coisa do vírus, essa coisa da internet se virando contra você.
Uma experiência que você pode ter desde criancinha, até algum idoso, de sem querer pegar um vírus ou sentir esse choque do computador, né? Até, tipo, um canto na internet que não era muito bom você ter visitado — a sensação disso, que é o malware, né? O que é o malware, o vírus? É um vírus que te põe coisa pra você ver sem você querer.
E tem essa brincadeira que eu faço com mall wear, do vestido, shopping, essa coisa toda. Pensei meio no DEVO, uma coisinha meio new wave.
O disco tem momentos mais barulhentos, intensos, frenéticos, e momentos de descanso, mais puxados para o ambient e para a criação de um cenário harmonioso. Como você enxerga essa divisão das músicas?
Acho que o principal do disco é essa divisão das músicas, dos beats. Mais “batidão”, da fábrica, da lata, que também são as minhas referências de início desse projeto, tipo Neubauten, uma banda alemã.
Mas que também é justaposto ao lado mais ambient do disco. Esse diálogo com o computador, só que um lado mais... azul. E ermo.
Então, esse é um disco que eu explorei o lado mais colorido do som, com certeza. Eu gosto bastante de cores, mas também gosto do lado escuro, né? Mas é um disco que é 100% cores, 100% cultura pop, 100% “impacto”.
Ao mesmo tempo que ele tá bem distante do pop, enquanto sonoridade.
Com certeza. Que vem da ideia do vaporwave, né? De ao mesmo tempo criticar e abraçar o sistema.
Essa coisa meio trollface. Essa coisa meio do início da internet de “causar por causar”. Que também pode voltar pra desde o Erik Satie, né? O Picasso e as peças que eles fizeram.
É um disco que tem o seu pé nessa ideia de fisicalidade do som, do grave e tal, mas ele principalmente é uma reflexão de como a tecnologia entrou no nosso corpo. É isso.
Tem o corpo do groove no disco, da pista e tal, mas sempre acabo fazendo uma coisa mais pessoal ao mesmo tempo. Uma coisa “fone de ouvido”, uma coisa “YouTube no fim do dia na sua mesa”. Coisa que eu briso já faz uns anos, de escutar.
Ouça Malware, segundo álbum de Starkenoten — já disponível nas plataformas digitais e para compra no BandCamp — definido, por ele mesmo, como:
"Uma carta de amor à bass music, à eletrônica halftime, às paisagens dentro da hipnogogia e à música de vírus de computadores. As referências para as músicas foram conceitos como dispositivos eletrônicos piratas e baratos, a compressão de alto-falantes de celulares antigos, muzak de outras partes do mundo, bonecas warholianas, medo do seu próprio computador, toques de celular, dinheiro, captchas, iPads e muito mais."