Lusca e o futebol fashion na vida real
Será que realmente o que a gente vê nas passarelas se aplica nos campos reais?

Ultimamente vimos um boom de influências futebolísticas no mundo fashion. Aqui na ISMO, a gente já falou sobre as tendências que levaram a essa alta do esporte na moda, mas de verdade, a gente não tinha entendido como essas novas trends se conversaram na vida real.
Isso até agora.
Para falar sobre essa junção de uma forma mais verdadeira, ninguém melhor do que a pessoa que faz isso pra viver. O Lusca, criador de conteúdo de moda, futebol e estilo, foi nosso "consultor-senior" no assunto e a gente quis saber tudo: tem espaço pro fashion no futebol na vida real? Como isso se aplica no dia a dia? E qual o limite, se é que existe, dessa parada toda?
Mas primeiro, a gente quis começar do começo.
Salve Lusca. Primeiro de tudo, como que essa junção do futebol e fashion se deu na sua vida.
Lusca: Salve pessoal. Cara, o futebol veio antes, veio desde criança, com meu pai me ensinando os primeiros chutes. Depois, joguei em clubes do bairro e fui querendo ser jogador de futebol desde pequeno.
Já o fashion, veio por uma parada meio ruim, sabe? Aquela coisa de adolescente com crise de autoestima, de tentar me encontrar. Aí eu comecei a pesquisar as coisas que ficavam legal, comecei a entender as referências que estavam ao meu redor, comecei a entender, tipo, o que as pessoas que eu admirava usavam, sabe?
Na adolescência, o fashion pra gente era ser moleque zica! E nessas de ficar trocando de escola, coisa que muita gente passa quando é criança e adolescente, fui observando o que cada galera gostava em cada uma delas, para tentar me enturmar.
Uma coisa que eu notava muito que todo moleque curtia era camisa de futebol e boné de time. Então já via uma conexão entre futebol e fashion já aí, na adolescência! Eu comecei a ser o moleque que sabia tudo de roupa, desde o preço até se era falsa ou não (risos). Futebol e roupas sempre foram as minhas formas de fazer amigos!
Como você vê essa junção do futebol e do fashion hoje?
A gente teve um boom bem grande ali na última Copa, né? Acho que o homem brasileiro médio vai usar uma camisa de time em qualquer ocasião, porque isso já está culturalmente ligado a essa pessoa. Existe uma ideia de que o homem não liga pra isso, que o homem não precisa se arrumar.
Nos últimos anos a camisa ficou forte num debate de que não era um item para se usar em um encontro, por exemplo. Mas depois isso foi desmistificando e as marcas começaram a replicar a estética do futebol nas suas coleções. Mas a primeira coisa que a gente tem que pensar é que as marcas fizeram isso por um lado financeiro: "onde está dando dinheiro no Brasil? Ah, é na camisa de time? Então vamos explorar isso". Uma das coisas que mais movimenta dinheiro no Brasil é o futebol.
Mas vejo que poucas conseguiram entrar de fato no futebol, fazer algo com alma, sabe? Algo com maestria. Eu acho que a galera que não está ligada no fashion que tem que ser atingida por essas coleções e não acontece muito isso, sabe? A pessoa que é antenada em moda vai entender que é uma influência, mas isso de fato chega pro moleque que sempre jogou bola comigo? Ele vai consumir isso?
Eu acho que é um grande desafio. Não acho que as marcas estejam fazendo um trabalho ruim, mas acho desafiador porque o moleque que joga bola não é tão ligado com marcas, principalmente as nacionais. E, cara, esses moleques tem no futebol o seu principal moldador de caráter. É uma escola, é difícil uma pessoa que não tem a vivência do futebol conseguir captar isso e trazer em um produto.
Então como você vê que isso pode dar certo?
Ah, eu acredito muito que hoje, no mercado de moda, marcas grandes se inspiram em pequenos designers e em movimentos também periféricos, sabe? A gente tem alguns casos aí de marcas que vieram pro Brasil e consumiram da cultura periférica para se inspirar pro trabalho que eles vão fazer fora do Brasil.
Quando você entra na periferia, um dos carros chefe de moda no Brasil, da moda periférica vai ser a camisa de time. Então eles perceberam isso, né? E aí tenham trazido essa estética. Porque quando você é uma grande marca, você trabalha com tendência, principalmente hoje, que as tendências estão estão indo e vindo muito rápido, você acaba tendo você acaba ficando sem coisas para ofertar e aí você precisa buscar essas coisas.
Eles viram na camisa de time um baita produto pra ofertar, tá ligado? É tanto que hoje a gente tem alguns casos de designers que colaboram com times para fazer camisas, né? Hoje a gente tem marcas gigantescas assinando roupas de treino, por exemplo. Hoje a gente tem a Jordan que faz camisa de futebol, que está também inserida nesse meio, né? E as marcas têm percebido que esse que esse fit funciona, sabe? Acho que não tanto aqui no Brasil, mas lá fora eles tem uma cultura que agora tá entendendo que a moda pode andar junto com o esporte, manja?

Você falou que é um pouco difícil do moleque boleiro ir atrás dessas colaborações, dessas marcas.
Cara, aqui a gente não vinha tendo muito essa cultura. Lá fora algumas marcas já entenderam isso, por exemplo a Oakley, que o Mbappé foi embaixador da marca por muito tempo.
Outra coisa de outro esporte que não rola no futebol é essa parada que rola na NBA, da chegada dos jogadores no estádio. Geralmente eles estão usando roupas diferentes, assinadas, coisas que estão na moda. No futebol o jogador chega com o fardamento do clube, no máximo com um tênis diferente da marca que patrocina, mas nada além disso.
Na Europa alguns jogadores se interessam mais em moda do que aqui. O Koundé, o Hector Bellerin, esses caras estouraram na mídia com estilo além do futebol. Isso inspira a molecada também, ver que é algo comum, que eles podem se vestir de outro jeito além da camisa de time.
Já as marcas lançam suas coleções e não colocam jogadores brasileiros para receber. Pelo menos não estava rolando, ultimamente até aconteceu. É uma parada recente por aqui. Mas quando as marcas colocam produtos nas mãos de pessoas com influência no esporte, ele atinge o público daquela pessoa e, consequentemente, a influencia no uso do seu produto.
Acaba também se tornando uma questão de tempo para ter essa mudança. Então, eu acho que é um sistema de escalada. Eles vem aqui, eles pegam um pouco da cultura, eles vão lá, soltam essa cultura e ela vem descendo de novo.
Pode crer. Vamos falar do seu dia a dia jogando bola. Você enxerga um espaço para a moda ou você vê uma resistência, uma parada machista, até homofóbica. Como você vê isso no dia a dia do futebol de verdade?
Eu acho que o futebol abraçou a moda, mas não abraçou o fashion, tá ligado? Um exemplo: quando um time de várzea joga, ele tem a camisa, os uniformes, camisa de torcida… Tudo isso tem designer envolvido, diretor criativo, uma ideia. Acho que só não é dito que isso faz parte do fashion, mas tem tudo isso!
Essa cultura periférica de moda tem que ser colocada como algo relevante no fashion também. Não tem essa de só ser dahora quando é algo Europeu. Essa cultura é eurocêntrica e no dia a dia a gente vê uma negação, mesmo que inconsciente, disso. Aqui os caras usam aquilo que se sentem bem e foda-se. A gente não tem que se inspirar na moda dos caras de fora porque eles estão em outra estação, outro clima… A gente tem que fazer o nosso e elevar como algo relevante na cultura e no fashion.
Tem que pegar um pouco de cada e entender o que funciona e o que não funciona. Mas claro que quando a gente chega aqui usando algo de lá, causa um estranhamento, sabe? Mas existe sim um espaço muito maior pra esse tipo de assunto no nosso futebol do dia a dia. Por exemplo, o Vini Jr se veste muito diferente do que o Edmundo se vestia nos anos 2000, sabe? Então, e essa moda periférica, ela permanece forte porque ela tá no dia a dia, mas essas crianças que jogam bola querem ser igual Vini Júnior ou ao Mbappé.
Por mais que a molecada talvez não tenha coragem de tentar, hoje existe uma aceitação maior porque existem mais referências nessa junção. Não vai ser tão estranho quando o moleque ver aquilo do lado dele, na vida real.
Claro que tem uma onda conservadora no futebol, mas em termos de estilo a galera tem entendido que roupa e sexualidade tem lugares diferentes. Mas sim, existe preconceito e fobias gerais, assim como em qualquer lugar. Mas acho que deve ser bem menos do que em décadas passadas.
Mas você acha que essa moda high fashion, de passarela, pode ser aplicada no futebol?
Cara, eu acho que vai demorar um pouco pra isso, se é que isso vai acontecer de fato. Até porque a moda periférica também está se desenvolvendo e tem muita coisa legal acontecendo mais perto das pessoas.
As pessoas estão se tornando especialistas daquilo que elas vivem, da moda periférica, do streetwear de verdade. Elas são as que mais tem propriedade pra falar ou pra lançar tendência. Essa é a essência real do streetwear, sabe?
Tem muito criador de conteúdo hoje que fica vendo isso da janela do Uber, não vive a parada. Vejo que no futebol acontece muito isso, gente que quer falar sobre ou surfar nisso mas não vive a parada. Acho que a parada nem é essa, é a gente ser fiel à nós mesmos, independente de tendência, culturalmente falando.
Mas voltando à pergunta, acho que é mais fácil que as marcas que conversam de igual pra igual com as pessoas sejam mais fortes do que marcas fashion. Essas vão ser mais fortes onde o futebol acontece, por exemplo.
Uma outra parada também é que mais homens estão se interessando por moda. Hoje eu faço faculdade de moda e a classe é bem dividida entre homens e mulheres. E muitos caras não estão ali por alta costura, por exemplo, estão pensando nessa moda periférica, em algo que eles vivem no dia a dia. Isso tudo influencia a ter mais força nessas marcas que às vezes são voltadas até só pra homem.
Então qual você acha que é o futuro dessa relação futebol e fashion?
Cara, tem muita marca voltando seus esforços para estéticas que são de saúde, né? Tipo roupas de academia, de treino, de esporte. Então eu acho que vão ter marcas brasileiras que vão começar a serem mais fortes em equipamentos esportivos, sim, não só relacionado com o futebol.
Quem sabe uma marca nacional talvez não venha a ser fornecedora de algum uniforme de time de primeira divisão, sabe? Isso é o melhor dos mundos, né? A gente fica imaginando.
Tem também outra parada que é exportar pra fora a nossa estética do futebol. Acho que isso algumas marcas estão conseguindo fazer e vão fazer mais daqui pra frente.
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