Luedji Luna e a cura de Um Mar Pra Cada Um

Em seu mais recente disco, a cantora baiana celebra o Amor, o sentimento supremo.

Luedji Luna e a cura de Um Mar Pra Cada Um
“O ser humano surge dos oceanos, reza uma lenda de um povo nativo. E há muitos mares dentro do mar, um mar pra cada um.”

Essa foi uma das frases que Luedji Luna usou em suas redes sociais para divulgar “Uma Mar Pra Cada Um”, seu recém-lançado álbum que fecha a trilogia iniciada com “Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água” e sua respectiva Versão Deluxe. A frase, para mim, sintetiza muito bem o conceito e temas abordados nos 43 minutos divididos em 11 faixas e que, ao meu ver, já pode ser considerado seu melhor trabalho. Longe de ser um texto-crítica, a ideia aqui é falar sobre como este álbum soa e porque se destaca entre tantos lançamentos da indústria, mesmo que não tenha se proposto a isso.

Lançado em uma segunda-feira, dia atípico para estreias musicais no Brasil e no Mundo, Luedji já entrou em campo sem o objetivo de ganhar a partida. Só de estar ali, presente, colocando no mundo o trabalho de anos, feito por ela e para ela, parecia estar satisfeita. Em suas declarações dá a entender que a expectativa é que não fosse bem recebido, mas a profundidade do seu trabalho nos obriga a ouvir mais de uma vez para compreendê-lo. Como o mar, aqui não adianta só molhar os pés, é preciso entrar, mergulhar, tomar um caldo, sentir o sal na boca para absorver as nuances que a artista costura entre as faixas.

E por falar em faixas, a primeira dá o tom do que vem a seguir: instrumental, sem voz, o sax de Bruno Mangabeira, bateria de Nei Sacramento, contrabaixo de Ângelo Santiago e o piano de Bira Marques dançam em um jazz espiritual. O título, “Gênesis”, também é muito propício, não só por abrir o disco mas por ser marcada pelo sopro, objeto tão presente na origem da vida, o início de tudo em diferentes mitos criadores. E se estamos falando de criação, bom, sabemos também que a vida veio da água.

Devocional, Um Mar Pra Cada Um tem muito de A Love Supreme de John Coltrane, álbum seminal do jazz e que para o saxofonista norte-americano foi uma forma de representar sua superação aos vícios e a gratidão pelo encontro com Deus. Para Luedji, talvez Deus não tenha necessariamente a mesma imagem que para Coltrane, mas o reconhecimento de um algo divino, superior, e que cura também através da música, está no trabalho da artista.

O mergulho iniciado no primeiro álbum da trilogia se encerra com a submersão total

Outro ponto de encontro entre os projetos é o amor e suas diversas formas. Luedji apresenta, discute, questiona, expõe e confessa o sentimento. A vulnerabilidade, que é amar e ser amada, se entregar para o outro. Ela se apresenta nua e crua, com suas fragilidades e desejos. Uma mulher forte, potente, mas que também se permite ser frágil e vulnerável, assumindo que se expor também é um ato de amor. Em Rota, ela mostra como se perde e se acha no corpo de quem ama, busca uma rota que não é feita sozinha.

Já em 4hz, como forma de áudio de aplicativo de mensagens, confessa, sigilosamente, para todo ouvinte, o desconforto que é ver mulheres se renderem a relacionamentos que não as valorizam. A faixa imediatamente se conecta diretamente com Harem, questionando os esforços unilaterais de uma relação que parece estar fadada ao fim.

São realmente vários universos, e como o mar, são profundos. O mar é desconhecido, ele assusta, ele não é domável. O mar é um universo, e cada um de nós também é. O álbum nos convida a mergulhar em nosso próprio mar e no mar dos outros. Descobrir esses novos lugares.

Transita entre o jazz, soul e R&B, com elementos de música brasileira e africana, nos moldes dos álbuns anteriores da trilogia, com a diferença que antes o piano era quem guiava e aqui os metais se destacam junto ao contrabaixo, grave, ou melhor, sub-grave. Aqui há um parênteses importante: ouça com um bom fone. UMPCU é daqueles álbuns que o ideal nem seria ouvir no streaming, mas em disco, num bom sistema, ou melhor, ao vivo. A expectativa para ver como ele será apresentado nos palcos é enorme. 

Capa por Alvaro Migotto

Sobre o time que a acompanha, as participações são de muito peso. Além do já citado quarteto baiano que abre o disco, a saxofonista britânica Nubya Garcia, o trompetista japonês Takuya Kuroda e o guitarrista norte-americano Isaiah Sharkley complementam o time de convidados nos instrumentos. Na voz, Liniker e Tali se juntam à surpresa de ter um poema de Beatriz Nascimento, recitado por uma inteligência artificial. Duda Raupp, Kato Change, Curumim e o companheiro de vida e trabalho da cantora, Zudizilla dividem a produção.

A capa amarra a história. Uma fotografia microscópica de uma hidromedusa, ser vivo marítimo, invisível ao olho nu, assim como os sentimentos que escolhemos esconder. Luedji nos convida a mergulhar no mar da sua criação e através de sopros, notas de piano e letras sinceras, aprender como é amar e ser amado.


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