Jaime Guimarães e o cinema da Paraíba

Um papo sobre a cena local, Tronxo Filmes, Festival Muído e muito mais

Jaime Guimarães e o cinema da Paraíba

O cinema brasileiro é fértil e plural, tendo seus represetantes nas mais diversas localidades do nosso Brasilzão. Numa dessas buscas por nomes além do eixo Rio-São Paulo, nos deparamos com o Jaime Guimarães, diretor paraibano que tem a Tronxo Filmes e que é um dos responsáveis pelo Festival Muído.

A Tronxo Filmes é responsável pelos curtas Pranto (2019), Abrição de Portas (2022), A Nave que Nunca Pousa (2025) e seu primeiro longa, Cordelina (2022). Além disso, os caras fazem a cena acontecer participando ativamente de festivais locais, seja com os filmes ou na organização.

A gente trocou uma ideia para saber mais sobre o cinema da Paraíba e sobre fazer cinema independente no Nordeste. Nosso papo vai além do que é só o corre do Jaime, tendo seus braços no cinema que extrapola as obras de sua produtora e que faz acontecer localmente com toda força.


Jaime, tudo bem? Antes da gente falar sobre a Tronxo e afins, me conta um pouco de como começou esse seu interesse por cinema e por fazer filmes.

Eu entrei na Universidade em 2010, a Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande, para fazer jornalismo. Mas eu acabei que nunca trabalhei de fato na profissão, por mais que eu tenha me formado.

Mas na época, na Universidade, estava tendo uma cultura muito grande de audiovisual por causa de uma figura chamado André da Costa e Pinto, que é um realizador paraibano, que na época fazia o Comunicurtas, um festival de cinema da cidade, e ele tinha uma entrada muito grande com a reitoria. Ele era aluno e depois virou meio que um funcionário não-oficial, oferecendo muitos cursos livres relacionados ao audiovisual, de montagem, de documentário... E eu, que sempre participei de bastantes projetos da faculdade, fiz esses com ele.

Nas aulas, você tinha os módulos e ia escrevendo argumentos, que eles depois escolhiam para transformar em filme. Você tinha algum tipo de suporte para realizar esse seu roteiro, sabe? Então eu fui entrando por aí, em 2010 já trabalhei na primeira produção e em 2011 dirigi meu primeiro curta, chamado "Concreto".

Concreto, na íntegra

Paralelamente à Universidade, já comecei a trabalhar com cinema e fui me especializando na área de montagem, além dos meus projetos. Em 2013 fiz meu TCC, que era um documentário, e passei em um edital do Canal Cultura, com o filme "A Alma das Ruas". Era um projeto do Cultura que eles selecionavam 20 universitários de todo país para fazer documentários de até 13 minutos e fiz esse filme na época.

A partir daí, vim trabalhando bastante nas áreas de montagem, direção e assistente de direção. De lá pra cá, fiz 5 curtas, 1 longa metragem, o "Cordelina", que estreiou no Festival de Brasília em 2022. Hoje estou fazendo um segundo longa documental sobre a Paraíba e trabalho em outros projetos também.

Muito massa. Me conta um pouco sobre a Tronxo Filmes.

A Tronxo Filmes surgiu de uma forma não-oficial primeiro. Antes eu quero explicar o nome, o Tronxo, que é uma expressão que a gente usa bastante aqui. Em 2019 a gente fez um filme chamado "O Pranto", que é um filme de terror, que é um filme com umas camadas estranhas. E quando algo aqui tem essa pegada meio estranha, a gente fala que é "tronxo" (risos).

Eu não tinha pretensão de ter uma empresa, mas o cara que foi finalizar o filme me deu o toque de ter um nome para nós porque os festivais estavam pedindo bastante que as companhias tivessem nome. Na época eu tinha mesmo vontade de fazer outros filmes nessa linha de terror, coisas estranhas, acabei colocando Tronxo Filmes. O logo é do Fernando (Giotefeli), puxada pra essa coisa do terror.

O primeiro filme foi "O Pranto" e comecei a usar o nome Tronxo Filmes para definir as coisas que eu fazia no audiovisual. Em 2022, impulsionado pelos editais da Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc, a Tronxo foi tomando mais cara de empresa, mesmo.

Além de fazer os filmes com a Tronxo, faço o Festival Muído, que surgiu em 2022, e participo de outras produções como parceiro, como o Festival Violeta, de artes integradas em Pernambuco. Sempre que cabe, uso o nome da Tronxo Filmes, que na verdade sou só eu, mesmo, até tem outros parceiros juntos, mas é mais comigo.

A ideia é expandir no sentido de produzir longas metragens, trabalhar com linhas de fomentos maiores.

Trailer de A Nave Que Nunca Pousa

Você comentou sobre ter uma veia de terror na Tronxo. Existe uma cena de terror forte na Paraíba? O Muído é um festival de terror exclusivamente?

Tem uma cena muito forte de cinema de gênero por aqui, principalmente por causa de uma empresa chamada Vermelho Profundo, que faz até referência ao Profundo Rosso, italiano. Eles são uma empresa de Campina Grande, que tinham quatro sócios: Ramon Porto Mota, Jhesus Tribuzi, Ian Abé e Fabiano Raposo. Eles começaram antes de 2010 e fizeram vários filmes que foram muito sucesso no gênero de terror, "O Hóspede", "O Desejo do Morto", esse segundo muito celebrado nesse meio. Passaram a fazer longas também como "Nó do Diabo", "Noite Amarela" entre outros.

Aqui quem rodava filmes exclusivamente desse gênero era a Vermelho Profundo, mas sempre teve algum outro filme que tinha essa pegada mais terror ou experimental, tem muito na Paraíba. Aqui é um Estado muito forte na produção de curta-metragens.

A gente vive em um estado pequeno, mas que é uma referência no cinema nacional. Tivemos projetos em que alguns cineastas iam para cidades do interior da Paraíba e davam oficinas, despertando interesse nessa galera. Essa galera, Torquato Joel e turma, fizeram um projeto de residência de roteiro que no final virava um filme. Então em médio a longo prazo, surgiram vários cineastas por aqui fazendo filmes e festivais.

Quando vem uma lei como a Paulo Gustavo, distribuindo dinheiro para essas ações, em um Estado que tem 223 municípios, tivemos 35 festivais acontecendo em vários lugares. Isso vai se extendendo para a produção da Paraíba.

A Paraíba meio que iniciou o Cinema Novo, com o filme Aruanda, de 1959 de Linduarte Noronha. Esse filme foi um marco, toda uma estética, uma forma de falar dos problemas do Brasil... Também temos um grupo de cineastas, que está ativo até hoje, como o Bertrand Lira, Torquato Joel, Marcus Vilar, que são caras muito fortes no curta-metragem. É um estado que tem uma tradição grande no cinema.

Quanto ao Muído, não é um festival nichado. São duas mostras competitivas: filmes paraibanos e filmes de outros estados do Nordeste. Digamos que é um festival regional, por assim dizer, mas é aberto a entrar filmes de todos os gêneros. Entram filmes de terror sim, mas não é o foco do festival.

No ano passado, surgiu o Festival Aurora, o primeiro festival de gênero da Paraíba, que tem a Janaína Lacerda que faz, eu fui jurado na última edição. Esse sim é um festival para filmes fantásticos, ou seja, de terror, experimentais, suspense, fantasia etc.

Muito legal! Agora me conta um pouco sobre o processo de colocar um filme na rua. Beleza, vocês fazem a produção, está tudo pronto... E aí?

Uma vez o filme pronto, você vai para a distribuição, que no âmbito nacional é meio que o gargalo na produção, sabe? A gente tem um problema de distribuição crônico no País, que tem milhares salas de exibição, mas todas dominadas pelo mercado mainstream, ou seja, filmes da Marvel, de filmes de Hollywood etc.

O que sobra para o cinema brasileiro são poucas salas e horários não convenientes. Então um filme brasileiro que entra em cartaz, ele fica em pouca salas e o programador bota de tarde, uma sessão por semana e se não der gente ele já tira na semana seguinte. Isso eu estou falando de filmes que tenham distribuidora, que tenham estrutura pra isso, hein?

Quando você vai para o independente do independente, que é o nosso caso, em especial de curtas metragens, basicamente a vida dele é festival de cinema e um ou outro licenciamento para um canal ou streaming. É algo muito fraco para curtas. Estou vivendo um pouco isso agora com o filme "A Nave Que Nunca Pousa", que está tendo uma entrada em festivais que está nos surpreendendo, entrando em 8 desses, sendo 7 grandes festivais.

O curta-metragem serve para o realizador experimentar, ver qual sua linguagem e vai para esses espaços. É muito difícil você vender um curta e ele ser lucrativo, com um longa já muito difícil, isso em âmbito nacional. Quando você vai para a Paraíba, um dos menores estados da federação, isso se amplifica, mas a gente sempre tenta fazer o filme rodar. A ideia é sempre furar a bolha e fazer algo com ele.

Existe a possibilidade do curta ser licenciado por um canal tipo o Canal Brasil, que paga para ele existir na grade por um período de tempo, e também por streamings, que hoje tem vários que licenciam curtas. Mas se eles pagam por views, você tem que ficar divulgando bastante... O seu filme acaba até ficando escondido, tendo uma vida útil curta. Um curta com vida útil curta (risos).

Agora falando do outro lado, de coisas mais felizes do que essa curta vida do curta (risos). Vi no seu instagram você com alguns prêmios dos seus filmes. Fala um pouco disso.

Sempre é muito legal e festival propicia isso. Se você vai para bastantes festivais, consequentemente pode ter alguma premiação. "O Pranto", por exemplo, foi para quase 40 festivais, no Brasil e fora, e ganhou uns 12 prêmios.

"Cordelina" foi para o festival de Aruanda, o maior da Paraíba, ganhou de melhor filme e melhor atriz, ganhando até prêmio em dinheiro! A premiação é boa para o currículo do filme, porque quanto mais prêmios, também tem mais chances de participar de outros festivais, até maiores. Consequentemente também, tem mais chance de ir para alguma sala de cinema ou de ser licenciado. Esse filme eu fiz com apenas 50 mil reais e já consegui licenciar para o Sesc TV, SP Cine, entre outros.

A premiação é boa por isso. Também é bom para o seu nome, enquanto profissional de cinema. Por exemplo, já ganhei prêmios de montagem e me chamaram para trabalhar disso em outros projetos. Isso também acontece.

Jaime e alguns prêmios de Cordelina (foto: instagram)

Sendo da Paraíba, você acredita que sendo do Sul ou Sudeste do País teria uma abertura maior para seus filmes e para sua produtora?

Certamente, é uma pergunta interessante, mas a resposta é um pouco óbvia. Se você está num grande centro como São Paulo, você tem muito mais oportunidades de fazer as coisas.

Se você está no Nordeste, um pouco mais difícil. Se você está na Paraíba, que o menor estado da região, consequentemente, você tem menos receitas, é um estado com menos de dispositivo de cultura e leis de incentivo. Dentro do Nordeste já existe uma disparidade, da Paraíba para Pernambuco, por exemplo, já é bem diferente, se eu morasse lá, teria muito mais meios de captação.

Quando você vai para São Paulo, que está tudo lá, é outro mundo. Conheci outras pessoas que não tem a mesma experiência que eu e outros colegas do Nordeste, mas que estão em empresas grandes, tendo possibilidade de fazerem cursos com a galera local, grandes profissionais que moram na cidade, então é mais fácil ter esses encontros.

O fato de você ser da Paraíba e do Nordeste influi muito, mas também tem nisso a questão de que a gente tem que achar o meio de fazer aqui. É uma coisa até política, de fazer no seu próprio território. Você fazer no seu local de origem tem muita força.


ISMO
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