Diversidade em baixa: o Pride perdeu força nas prateleiras de sneakers

Do apagamento de campanhas à volta de padrões excludentes, como o mercado sneaker trocou representatividade por segurança estética e silêncio corporativo

Diversidade em baixa: o Pride perdeu força nas prateleiras de sneakers
De grandes e concorridas coleções especiais ao vácuo. A cotação do Pink Money está em baixa no mercado sneaker

Durante anos, junho era um mês de certezas no universo sneaker: campanha de Pride no ar, coleção especial na rua e histórias nas entrelinhas dos cabedais. Marcas como Nike, adidas, Converse e Vans ocupavam o calendário do orgulho LGBTQIAPN+ com produtos que iam além da estética, celebrando trajetórias, símbolos e pertencimentos. Só que 2025 chegou e esse mesmo mês passou quase mudo. Campanhas desapareceram, coleções se reduziram a peças isoladas e sem divulgação, e a representatividade que se via anos atrás virou exceção, não regra. A pergunta que paira agora é menos sobre o que aconteceu e mais sobre por que tudo isso desapareceu tão rápido.

Dados que confirmam o retrocesso 

A resposta passa por números e por narrativas. Uma pesquisa da National LGBT Media Association revelou que 88% da comunidade LGBTQIAPN+ percebeu um recuo nas ações corporativas voltadas à diversidade em 2025 — e que boa parte desse público já considera deixar de consumir marcas que não se posicionam (PrideSource, 2025). Paralelamente, o estudo “Pride Under Pressure: Key Findings 2025”, da Coqual, alerta: iniciativas simbólicas não bastam. É preciso compromisso visível, mensurável, com metas e impacto real.

Uma linha do tempo da representatividade 

A história das coleções Pride dentro do universo sneaker não começou ontem. A Nike foi uma das primeiras a institucionalizar esse movimento, com o lançamento do “Be True” em 2012. A coleção logo se tornou um marco anual. Modelos como o Air Max 720, o VaporMax e versões do Cortez receberam interpretações visuais da bandeira do orgulho, com direito a assinatura de Gilbert Baker e cápsulas de ar com as cores do arco-íris. Mais que visual, a campanha também envolvia doações a instituições LGBTQIAPN+ e ações de engajamento real com a comunidade e dentro da companhia.

Na sequência, outras marcas seguiram o passo, cada uma com sua assinatura. A adidas trouxe o mote “Love Unites”, conectando a identidade queer a grafismos coloridos e colaborações com artistas como Kris Andrew Small. A Reebok lançou “All Types of Love”, com foco em múltiplas formas de expressão. A Converse criou a linha “Proud to Be”, que se destacou por não centralizar a identidade LGBTQIAPN+ apenas em relacionamentos românticos, mas também em pertencimento e trajetória individual. Vans, Under Armour e New Balance também aderiram, com coleções sazonais e peças que carregavam mensagens de inclusão.

Durante mais de uma década, essas campanhas transformaram junho em uma vitrine de pluralidade com tênis que contavam histórias e campanhas que conectavam moda, memória e militância. O contraste com 2025, em que quase nada disso se viu, é gritante. E preocupante.

Sneakers que já brilharam, agora apagados

No cenário atual, a retração é visível. A Converse, por exemplo, trouxe apenas duas camisetas temáticas ao Brasil. A adidas, reeditou a colaboração com Pabllo Vittar de 2024 e trouxe poucas peças de Jeremy Scott, sem promover campanhas expressivas. Parecia tudo feito para não chamar atenção demais. Esse silêncio é estratégico. Em um mercado cada vez mais avesso a controvérsias, assumir posicionamentos passou a ser um risco e, para muitas marcas, um risco que não vale o custo.

Estética Y2K e o apagamento de corpos dissidentes

Esse movimento coincide com outra virada: o retorno dos padrões estéticos dos anos 2000. A magreza voltou a ser vendida como aspiracional (e não por acaso). O uso de medicamentos como Ozempic e Mounjaro explodiu, especialmente entre influenciadores e celebridades. A estética Y2K, com seu ideal corporal restrito, ocupou vitrines e feeds. E, como reflexo, os corpos dissidentes — pretos, gordos, queer — começaram a desaparecer das campanhas. A inclusão, que chegou a parecer irreversível, foi engolida por uma nova onda de conservadorismo visual.

O preço da exclusão

Esse recuo tem um custo. Cultural, antes de tudo. A cultura sneaker sempre foi um terreno fértil para narrativas de resistência. Dos guetos urbanos aos palcos globais, o tênis carregou discursos, afetos, símbolos. As campanhas de Pride davam corpo a isso: não eram apenas edições especiais, mas plataformas de memória, visibilidade, identificação. Quando marcas optam por apagar essas histórias, empobrecem sua própria linguagem.

E tem também o custo estratégico. Nos EUA, o poder de compra da comunidade negra já ultrapassa 1,8 trilhão de dólares (Nielsen, 2025). No Brasil, o mercado plus size movimenta mais de 10 bilhões de reais por ano, atingindo cerca de 30% da população (Diário PCD, 2025). Abandonar esses públicos é mais do que miopia ética: é um erro econômico grave. O pink money, que antes brilhava os olhos dos stakeholders, agora parece descartado em nome de uma neutralidade que favorece apenas os mesmos de sempre. Sua cotação está em baixa.

Enquanto uns silenciam, outros ainda resistem 

Se os sneakers emudeceram, outras vitrines ainda resistem, mesmo sob pressão. A moda, por exemplo, ainda lança coleções Pride em 2025 (como a Levi’s, que reforçou doações e visibilidade para projetos sociais). No setor de beleza, marcas como MAC e Fenty Beauty mantêm parcerias com influenciadores LGBTQIAPN+ e produzem conteúdos educativos e engajados.

Mesmo no varejo de massa, gigantes como a Target, nos Estados Unidos, enfrentaram pressões e boicotes por suas coleções de Pride, mas mantiveram parte das ações com foco em visibilidade. O contraste com o mercado dos sneakers e equipamentos esportivos é evidente: um setor que sempre esteve à frente na tradução estética de movimentos culturais, mas que agora parece correr para trás.

Diversidade ainda é o que move a cultura 

Num momento em que a cultura sneaker corre o risco de se tornar repetitiva, previsível e desconectada, a diversidade segue sendo o que tem mais potencial de reinvenção. Não há inovação possível sem multiplicidade de vozes. E não há pertencimento onde só cabe um tipo de corpo.

Se marcas querem se manter relevantes, precisam demonstrar com constância, clareza e coragem que inclusão não é cosmética. É compromisso. E, para quem vive e consome sneaker como linguagem, a responsabilidade de cobrar esse compromisso segue viva. Porque se tem algo que não pode sair de moda, é a luta por visibilidade.


ISMO
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