Design de produto com Carina Robertoni
Como uma designer brasileira foi parar em grandes marcas fazendo coleções incríveis
Alguns trabalhos são essenciais, mas silenciosos. Eles acontecem nos escritórios de grandes marcas e são fundamentais para que coisas incríveis aconteçam. Com uma designer de produto, como a Carina, essa função é importantíssima, mas nem sempre está nos créditos das peças.
A Carina Robertoni é uma designer brasileira que faz uma função que é o meio de campo entre ótimas ideias e a luz do dia de produtos legais. Hoje na Nike, na divisão de futebol da empresa, a Carina é responsável pelo design das camisas, muitas delas que a gente vai comprar e nem vai saber de fato quem fez. Bom, quando você comprar camisas em 2026 e 2027, muito provavelmente vai ser ela quem está pensando no design agora.
A gente trocou uma ideia com ela, falou de trampos anteriores (ela trabalhou na Element no Brasil e na Puma global), falou sobre licenciamentos, processos criativos e sobre ser uma brasileira trabalhando na gringa.
Conta um pouco da sua trajetória no design
Em 2012 eu entrei na DC Shoes, que é uma marca de skate, e lá eu comecei a trabalhar um pouco mais com a parte de design gráfico junto com o design de vestuário. Fiquei no mercado de skate quase 10 anos no Brasil trabalhando nessa parte que a gente chama de produto. Trabalhei com marcas locais como a Blaze e a YourID. Também trabalhei na Element no Brasil e depois eu fiquei um tempo como freela e até fiz coisas com a Red Bull, que foi uma das maiores marcas que trabalhei - pra eles fiz um logo para um campeonato.
Depois disso, fui para a Puma na Alemanha e agora estou na Nike, na Holanda.
Você é uma mulher brasileira trabalhando nas marcas na Europa. Esse parece ser o sonho pra muita gente que trampa com design. Conta um pouco de como isso aconteceu.
Olha, sempre foi um sonho para mim também. Não foi uma coisa que aconteceu ao acaso, eu sempre quis trabalhar fora do Brasil, sempre foi o meu sonho. Eu sempre quis isso, mas eu nunca achei que eu ia chegar, porque parece uma coisa muito distante, né? Mas eu consegui virar essa chavinha e pensei: "eu vou tentar e eu vou aplicar para as vagas fora do Brasil”, e foi assim que eu vim pra cá.
Foi quando eu falei: "pô, eu sei falar inglês, eu já tenho uma experiência legal” e já estava como freela e comecei a aplicar para trabalhos no LinkedIn, para trabalhos de outras empresas gringas. E aí deu certo na Puma - eu apliquei e acabou dando certo porque era uma vaga muito específica, era uma vaga de design de estampas para licenciamentos e para parte mais de vestuário e acessórios também.
E era uma coisa que eu fazia muito nas marcas de skate (as collabs), então eu já estava acostumada a fazer com bandas e com atletas, é uma dinâmica que eu já estava bem habituada. Quando eu fiz a entrevista, eu falei: "nossa, é muito o que eu faço, eu já tenho muita experiência, espero que dê certo". E realmente deu. Aí eles me transferiram do Brasil para a Alemanha, onde eu fiquei dois anos.
Tem que ter cara e coragem pra aplicar pra essas vagas, mas tem que ter o inglês em dia, isso é fundamental. Não precisa ser um inglês ótimo e sem sotaques, mas tem que ter um básico. No final, o que importa é a sua arte, o seu design, o seu trabalho.

Como foi esse choque de culturas saindo do Brasil e indo trabalhar em uma grande empresa na gringa?
Olha, tive vários choques culturais porque eu trabalhava nas marcas com escritórios próprios, tipo a Element, e no Brasil a gente tem que ser muito resiliente, a gente tem que trabalhar com várias coisas, sabe? Eu fazia parte de design de vestuário, design gráfico, catálogo, casting de modelo, ia nos eventos com o pessoal de marketing…
Quando eu cheguei na Puma era para fazer só as estampas dos licenciamentos e eu pensei “vai sobrar muito tempo, não é possível” (risos). Mas foi aí que eu percebi que você tendo tempo para focar em uma área, você consegue ser muito melhor nisso, porque você consegue explorar mais coisas e ter mais tempo para testar coisas que no dia a dia. Quando você tem muitas funções, não sobra tempo, tem que tirar a tarefa da frente e ir pra próxima. Então essa foi o primeiro choque cultural.
Segundo choque cultural é que tinha muita mulher na liderança, coisas que eu não via no Brasil. E eu achei isso muito legal, porque foi tipo, eu tava muito acostumada a trabalhar com homens nas marcas de skate, geralmente eu era a única mulher, então ver isso também foi muito inspirador.
Você desenhou bastante licenciamentos. Qual a diferença entre fazer essas coleções e fazer produtos de linha ou de coleções só da marca?
O processo de licenciamentos era o mesmo que tinha no Brasil, mas com mais etapas. No Brasil, como a gente faz muitas funções, a gente pula muitas etapas, né? Agora quando você faz as coisas mais segmentadas, são muitas etapas e muitas pessoas envolvidas.
Eu acho que a diferença do que a gente chama de “in line”, ou seja, da coleção normal, é que é onde a gente pode explorar mais, por exemplo efeitos nas estampas ou coisas do tipo, umas coisas mais agressivas, não pensando só em vendas ou em preço, como nas coleções de linha. As coleções de licenciamento tem uma margem maior para explorar mais coisas.




Carrots, Squid Game e Tartarugas Mutantes Ninja são alguns dos licenciamentosque a Carina fez para a Puma
Você tem um histórico com skate na Element Brasil e até fez gráficos que ficaram icônicos, tipo pro models, como o do Xaparral. O skate te ajudou nessa relevância que você tem hoje no mercado de design?
Muito. Com certeza me ajudou demais. Eu não sou uma skatista, mas eu vivi o meio do skate desde adolescente e eu vivo até hoje. É uma coisa que faz parte dos meus gostos e as pessoas que eu conheci nesse meio também fazem toda a diferença, e eu mantenho essas amizades. São pessoas que são mais criativas também, sabe? Eu acho que todo mundo do meio do skate é um pouco mais interessado em arte e em música, então isso para mim sempre vai estar comigo e não importa a área que eu estiver trabalhando.
Eu acho que ter esse background me fez saber me virar muito bem com as coisas, porque as marcas de skate, como eu falei, além de acumular funções, me deixavam ser muito criativa também. Então, acho que sem essa experiência eu não teria chegado onde eu estou hoje.
Trabalhar com shapes de skate foi muito legal, eu nunca tinha feito arte para shape antes e eu tive que ir na fábrica entender como era o processo de montar um skate, como que era impresso, que tipo de estamparia a gente poderia usar, isso foi muito legal. Na coleção com o (Lucas) Xaparral, foi onde eu pude explorar, mesmo, fazer um gráfico do zero.
Na Element também trabalhei em licenciamentos muito legais, tipo o do Bad Brains e da National Geographic.


A coleção "Daylight" do Lucas Xaparral foi assinada por ela
Como funciona o processo criativo desses licenciamentos, que eu sei que elas vem de fora com um design e coleções prontas. O que fica para o designer no Brasil fazer?
As coleções vem prontas, sim, mas aqui elas passam por outras questões, tipo importação de materiais e a gente avalia quais peças fazem mais sentido. Tem a questão do clima, no Brasil a gente não traz tanta blusa pesadona, por exemplo. Tem também, por muitas vezes, a necessidade de desenvolver aquele design no Brasil, em fornecedores e estamparias do Brasil, mesmo, pela questão do preço que vai chegar pro consumidor se importarmos tudo.
Em algumas delas, não todas, eu tinha alguma liberdade para criar um produto local, novo, mas pegando elementos de outras peças que já estavam na coleção.
Essa coisa de trabalhar com skate então te permitiu e te incentivou ser bem criativa, pelo jeito.
É sim, me permitiu ser muito criativa e eu acho que foi onde eu tive essa oportunidade também de conhecer muitas pessoas que me inspiram que eu levo para a minha vida.
Isso se mantém na minha criatividade hoje em dia, mesmo não trabalhando para uma marca de skate. Na Puma eu trabalhei com collabs com marcas de skate, então era muito mais fácil para mim entender a linguagem dessas pessoas que eu estava conversando, muito mais do que outros designers que não tinham essa experiência. Então para mim era muito mais fácil traduzir isso para as outras pessoas.


Puma x Hello Kitty
Quando você chegou na Nike e como?
Quando entrei na Puma e meus trabalhos começaram a sair, postei no Linkedin e em outras redes sociais e percebi que a visibilidade era outra do que quando eu estava nas marcas de skate. Começaram a aparecer outras pessoas de outros lugares e outras marcas me seguindo, se interessando pelo meu trabalho. E aí eu recebi uma mensagem de uma headhunter da Nike e aí eles me puxaram.
Me mudei da Alemanha para Amsterdã, na Holanda. A Alemanha, apesar de ser um lugar muito legal para trabalhar, tem outros empecilhos. Eu não falo alemão e apesar da empresa falar inglês, o dia a dia era em alemão, então era um pouco mais difícil. E a cultura também não é uma cultura muito parecida com a nossa, também foi mais difícil.
Eu já conhecia a Amsterdã, além de ser a Nike, é difícil falar não pra eles (risos). Holanda é um país que fala inglês, que eu sei que as pessoas são um pouco mais parecidas com a gente, assim, com a nossa cultura, então isso também me incentivou.
E hoje você trabalha na divisão de futebol.
Então, me ofereceram esse trabalho e minha primeira reação foi: “futebol? Eu não tenho muita experiência com futebol e eu não sou uma pessoa que sou fã de futebol”. Mas como sendo brasileira a gente sempre está em contato com o esporte, com a cultura, a gente vê na TV, a gente tem amigos que são fãs, torcedores dos times.
Eu descobri aqui que eu conhecia muito mais de camisa de futebol do que eu sabia, porque você vai vendo e fala: "Ah, eu lembro, eu vi essa aí”, aí você lembra mais ou menos o ano e o contexto, então, é uma coisa que está inserida na nossa cultura, às vezes até sem você querer.
E quando eles me ofereceram esse trabalho, o que me convenceu a vir também é que eles me explicaram que era como se fosse uma collab, porque é o desenvolvimento de uma estampa, de um kit de futebol junto com o time. Então é meio que a mesma dinâmica e isso me deixou um pouco mais tranquila de vir e falar: "Tá, isso eu conheço".
E aí como eu falei que eu não sou skatista e aprendi muito sobre skate, agora eu não jogo futebol e estou aprendendo muito sobre futebol (risos).
Então vamos falar sobre o que você gosta e aquilo que você traz dos seus gostos pro seu design.
Eu gosto muito de fazer desenho, tipo sketch mesmo, simulando uma caneta, simulando uma grafia não tão certinha, por exemplo. Então, isso talvez venha do meu background de estar ali no skate, ter convivido muito com os skatistas, pixo e grafite. Então, acho que isso é uma coisa que mantenho no meu design quando eu tenho oportunidade, sabe?
Quando eu posso usar esse tipo de elemento, eu gosto. E talvez vem um pouco do punk também, né? E eu sou muito do hardcore também, então acho que isso continua, né? Dá para ver alguma coisa no design.
Quando eu não estou trabalhando, eu estou desenhando. Hoje é uma coisa até mais fácil, porque você pode fazer ali no desenho digital, no iPad.
O que me inspira é a música, gosto de transformar os sons em algo visual. Então eu acho que me dá essa liberdade criativa de tentar explorar músicas, às vezes lugares que eu vou, que me dá uma inspiração, uma vontade de pintar museus. Aqui tem muitos museus. Às vezes eu vou nos museus e volto super inspirada para fazer qualquer coisa.

Hoje você trabalha com pessoas do mundo todo. Como é essa recepção para uma mente criativa brasileira? Como as pessoas enxergam essa criatividade sua, como elas acionam seu background?
Das minhas experiências, dos brasileiros que eu conheci trabalhando aqui, a gente é muito, de novo, eu vou usar a palavra resiliente. Porque a gente está acostumado a lidar com as mudanças, alterações; eu acho que a gente é bom em ser flexível e isso é importante.
E eu também acho que a gente trabalha muito bem, os brasileiros trabalham muito, a gente é tipo hard worker, a gente trabalha mesmo e a gente está disposto a trabalhar até ter um resultado bom. Eu acho que a gente não tem preguiça, então essa flexibilidade ajuda muito.
Qual é o design dos seus sonhos? Alguma collab ou alguma peça que você gostaria de fazer?
Eu gostaria muito de um dia poder fazer uma collab com a Palace Skateboards, que é uma marca que eu tenho como a minha preferida, adoro o estilo deles, o design das peças. Outro sonho que tenho também é de um dia poder desenhar uma camisa do Corinthians, porque sou Corinthiana.
A Palace é famosa por fazer collabs e licenciamentos dos mais diversos
Pra terminar com um assunto quente no design - a IA. Ela te ajuda ou te atrapalha no dia a dia?
Então, eu acho que essa é uma é uma questão que todo mundo fala muito, principalmente da IA criando artes. E eu vejo que aqui a nossa visão para isso, até mesmo enquanto empresa grande, é usar ela como uma ferramenta. A gente usa a IA como uma ferramenta, não como um design final, uma arte final.
Às vezes a gente que trabalha com a arte criativa, a gente designers, conseguimos pensar muito rápido numa imagem, né? E às vezes para passar para uma pessoa que não é da área criativa, às vezes ela pensa numa coisa e você pensa em outra. Então, a IA às vezes ajuda você a fazer um sketch rápido, uma maquete, um esboço de algo que você quer mostrar. Óbvio que não vai ser a arte final, mas vai ser muito mais fácil da pessoa entender o que você tá dizendo.
Então eu acho que nessa parte facilita muito o processo, principalmente quando você tem um volume de trabalho grande. Então eu acho que isso facilita, mas não para usar como arte final. Eu acho que ela tem que ser uma ferramenta, até porque ainda não está num num estágio que você possa usar como arte final. Eu acredito nisso porque ela está roubando arte de todo mundo, né? A gente sabe que ela se alimenta da arte de outros artistas também. A minha visão da IA é que ela é uma ferramenta para ajudar no design, mas não para ser uma que vai roubar meu trabalho.