Desfiles de moda são o próximo Super Bowl?

Como as passarelas têm conquistado o status de espetáculo global

Desfiles de moda são o próximo Super Bowl?

Mais de 300 pessoas reunidas em um bar, todas vidradas olhando para a televisão, compenetradas, comentando, vibrando juntas e registrando o momento com as câmeras de seus celulares. Parece final de campeonato de futebol, da NBA, ou até de luta do UFC, mas eu acabei de descrever a watch party do mais recente desfile da Dior, na Semana de Moda de Paris, mês passado. Eu sei, parece loucura, mas antes de falar sobre esse acontecimento em si, vamos pensar sobre o que são os desfiles de moda e a imagem que eles passam para quem não é tão inserido neste universo.

A moda por muito tempo teve, e de certa forma ainda tem, um lugar um tanto distante do cotidiano da grande maioria das pessoas. Se você parar alguém nas ruas aqui do Brasil e perguntar o que ela acha sobre moda, muito provavelmente ela vai falar que é sobre roupas, talvez ela prefira algo mais confortável, ou só bonito, mas assim como qualquer nicho e cultura, se você não está de alguma forma inserido, pouco faz sentido, ou melhor, não é tão intencional. O problema é que diferente de um esporte, de um gênero musical ou fílmico, todo mundo usa roupa, faz parte do nosso dia a dia. Então por que a moda não é do interesse de todos?

Esse lugar de expressão, muito visto principalmente em desfiles, tinha pouco interesse em se aproximar de quem não vive o mercado e a cultura. Perceba que aqui não estou mais falando só da grande massa, e sim de quem tem interesse mas, por vezes, não tem a possibilidade de entrar nesses espaços. A São Paulo Fashion Week, por exemplo, durante muitos anos foi fechada para convidados e só mais recentemente, movida por uma necessidade financeira, começou a vender ingressos para o público “comum”. Isso aproxima as pessoas? Não exatamente, mas agora não é só sobre contato, mas sobre grana - um outro problema.

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Isso tem mudado com o tempo, muito por conta da internet, do acesso à informação, da possibilidade de criação de conhecimento e do canal de debate que as redes sociais abriram. Hoje, com o app da Vogue Runway você consegue ver todos os looks de um desfile, ou se preferir pode seguir algum criador de conteúdo que vai te trazer um resumo comentado e até criticado sobre o que rolou na Semana de Moda de Paris, Milão, Londres ou Copenhague. Basicamente, se você não tem convite, tudo bem, ainda é possível ter alguma visão.

E foi com isso em mente que o comentarista de moda Elias Medini, ao não conseguir um convite para o tão aguardado desfile de estreia de Jonathan Anderson na Dior, decidiu reunir pessoas para assistirem juntas ao evento em um bar no centro de Paris. O cara cuidou de tudo, levou televisão, preparou o local, comunicou nas redes e enfim, mais de 300 cabeças apareceram. O clima era realmente de copa do mundo, e esse acontecimento despertou a atenção de muita gente, de pessoas do mercado da moda e de mim, que pouco tenho a ver mas estou me perguntando se a moda e seus desfiles podem ser tão populares, ou ao menos emocionantes quanto outros eventos, e o porquê desse fenômeno. Por partes:

Designers: as novas celebridades

A moda, como expressão criativa, ainda é feita por pessoas - e que permaneça assim por um bom tempo - o que consequentemente faz de seus atuantes realizadores. Mas diferente de outras áreas como as artes visuais, a música, e o cinema, o perfil elitista e exclusivo fez com que o caminho de admiração não fosse tão aberto assim. Claro que muita gente saiu da curva e nomes como Miuccia Prada, Alexander McQueen, Karl Lagerfeld e Vivienne Westwood conseguiram construir para si uma imagem que atraiu fãs. Mas no geral, era mais fácil gostar do Ronaldinho, da Madonna ou do Takashi Murakami do que do Martin Margiela. Ou ao menos era, já que a galera tem cada vez mais se aproximado de criadores do mundo da moda, assim como eles têm se permitido expor mais de suas vidas.

As coleções não são os únicos destaques das marcas, mas seus diretores criativos, estilistas, designers, enfim, escolha o nome que quiser, estão ganhando status de celebridade e aparecendo em capas de revista, estampas de camisetas, e colecionando centenas de milhares de seguidores no Instagram. Aliás, a rede parece ter um papel fundamental nisso, já que é por meio dela que essa galera compartilha sua vida pessoal fora das passarelas e ateliês, humanizando suas imagens.

Simon Jacquemus comemorando 6 anos de namoro

Simon Porte Jacquemus é um exemplo perfeito disso, pois o francês adora postar fotos e vídeos de suas viagens com o companheiro, dos processos de criação, das referências, de sua família e até de sua infância. Claro que tudo se reflete nas criações, fazendo dele o maior garoto-propaganda de sua própria marca, e gerando buzz para quem a acompanha. A cada nova coleção, os fãs vão recebendo dicas do que está por vir pelo perfil pessoal do designer, e toda a comunicação acompanha o tom irreverente e leve.

Mas ele não é o único: outros criadores e criadoras como o já citado Jonathan Anderson, que teve a transferência da Loewe para a Dior mais comentada que a ida do Mbappé pro Real Madrid faz um baita uso das redes. Daniel Roseberry da Schiaparelli, Haider Ackerman da Tom Ford, toda essa galera entendeu que criar uma base para suas marcas, ou para as quais trabalham, passa por fortalecer a própria imagem. Parece existir uma mística por trás da criação e mesmo pessoas mais discretas como as gêmeas Olsen (The Row) e Phoebe Philo (ex-Celine, Chloé e atualmente com marca própria) conseguem ter um séquito atrás, o que nos conecta com o próximo ponto.

Moda para além das passarelas

A moda tem começado a se desmistificar, e a ideia de que não é só sobre roupas está ganhando voz entre as novas gerações. Como qualquer expressão criativa e artística, ela também serve de espelho para a sociedade, dialoga com questões sociais e contribui para a construção de cultura. A moda tem deixado de ser sobre imagem e finalmente começou a ser enxergada como um mercado, como um canal de comunicação, e isso traz reflexões sobre sustentabilidade, novos modelos de negócios e até sobre marketing. Coisas óbvias para quem sempre esteve do lado criativo do negócio, mas que ganham clareza para quem consome ou mesmo atua em outras frentes. Por exemplo, a pessoa que trabalha como contadora para uma marca não necessariamente entende e gosta de moda, mas cada vez mais esse universo faz parte de outras esferas.

Para os consumidores, a moda também tem se tornado espaço de pesquisa, estudo, produção de significados, ferramenta de autoconhecimento, fomento da diversidade, de empoderamento. E claro, quando isso chega nas pessoas, gera sentimento, sensações, inspiração, assim como a arte. E mesmo quando falamos das passarelas, talvez expressão máxima do que entendemos ser essa cultura, os desfiles deixaram de ser só sobre pessoas magras, brancas e bonitas usando tecidos esquisitos, para se tornarem experiências.

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A acessibilidade do online permitiu que algumas barreiras fossem, se não quebradas, reduzidas, permitindo que, ao colocar um banquinho você consiga enxergar o que está do outro lado. A forma de consumir mudou e agora uma assinatura de streaming pode ser suficiente para acompanhar em tempo real o que está acontecendo. Essa imersão que mistura arte, música, cenografia, performance, fez dos desfiles uma instalação, um espetáculo. Ir à um desfile de alta-costura hoje pode se aproximar muito mais de um show musical, ou de uma exposição do que necessariamente da passarela com aquele tom clássico.

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Agora, voltando pra pergunta inicial, é difícil saber qual o futuro e o quão popular a moda pode se tornar e, apesar das piadas, acho muito difícil que bata de frente com um Super Bowl da vida, ou um show do Coldplay. É um nicho. Mas é um fato que a sua capacidade de inspirar discussões, moldar culturas e celebrar a criatividade por meio de algo que todo mundo usa, é de um potencial gigantesco.


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