Deekapz FM sintoniza a nova música eletrônica brasileira

Como a dupla resgata as raízes negras e periféricas da música eletrônica em seu álbum de estreia

Deekapz FM sintoniza a nova música eletrônica brasileira
Foto: Bruna Sussekind

Antes de se tornarem trilha sonora de carro por aplicativo, as rádios FM eram um dos principais meios de difusão musical no Brasil, principalmente quando se trata da cena comercial, o main e o midstream, marcando toda uma geração. É nessa memória afetiva que a dupla Deekapz, formada por Paulo Vitor e Matheus Henrique, se inspira para lançar seu primeiro álbum: Deekapz FM.

Os caras já estão juntos há quase uma década, mas foi nos últimos anos que despontaram como grandes produtores, principalmente na cena da música eletrônica, e neste primeiro trabalho decidiram fazer uma curadoria de batidas e artistas em uma programação que dura pouco mais de 40 minutos. O papel de mestre de cerimônia, ou melhor, de apresentador, fica na voz de Jamés Ventura, que segura os interlúdios com direito a vinhetas e chamadas dos patrocinadores, numa brincadeira que emula a criatividade e a estética das transmissões radiofônicas.

Mas, para além da homenagem nostálgica, o que por si já garante certo impacto na comunidade de fãs, o que Paulo e Matheus fazem aqui é um tributo à influência negra na música eletrônica. O gênero, que de forma equivocada é associado a “playboys”, ou ao som branco de clubes e boates, possui raízes profundas na cultura das periferias. A história começa nos Estados Unidos da década de 1980, com o House de Chicago e o Techno de Detroit, que surgiram em comunidades negras e LGBTQIAP+ como resposta à cena musical predominantemente branca da época. No Brasil, essa cultura de DJs também nasce preta, com a figura histórica do Seu Osvaldo Pereira, considerado o primeiro DJ do país e que hoje tem seu legado carregado pelo filho e neto no projeto Veraneio.

Seu Osvaldo, à esquerda, inventando uma profissão no Brasil

A celebração proposta pelos Deekapz não é caso isolado e encontra respaldo na gringa também. Beyoncé é um exemplo de artista global que, com o aclamado álbum Renaissance (2022), chamou a atenção para as origens negras e queer do gênero, principalmente nas experiências da cultura ballroom. Apesar de novos, a dupla de Paulo e Matheus demonstra respeito e um profundo conhecimento dessa herança que, afinal, vivem na pele e no ofício. 

O disco abre com uma colaboração com a Fat Family, ídolos do R&B e soul nacionais nos anos 2000, e que felizmente, está sendo novamente reconhecida nos últimos anos, seja aparecendo em parcerias como no último álbum do BK’, ou no lineup de festivais populares. A faixa Dance dá o tom do álbum que foi pensado para as pistas, e que transita entre diferentes subgêneros da música eletrônica como jungle, drum n’bass, grime, funk e até elementos de tecnobrega são percebidos. Ainda entre as colaborações, a curadora de vocês para a rádio é em sua maioria preta e conta com nomes como Maui, Luccas Carlos, Tuyo e NiLL.

É importante notar como o Deekapz se posiciona como um projeto genuinamente brasileiro, incorporando aquele tempero local, o que faz todo sentido já que a cena de música eletrônica nacional é marcada por muitas apropriações e ressignificações. O funk, por exemplo, apesar de inspirado no Miami Bass, se espalhou pelo país ganhando características regionais. Hoje colar em um baile no Rio de Janeiro, é completamente de um baile em São Paulo ou Belo Horizonte, e a estética visual do gênero foi adaptada pelos curitibanos que hoje lançam o sarro pelas ruas da capital paranaense. O mesmo é observado no tecnobrega e na aparelhagem, que mistura os sintetizadores ao forró paraense.

Esse suingue brasileiro, mesmo que não crie novos subgêneros completos, traz novos ares a sons já conhecidos, como é possível perceber no jungle e no drum n bass dos anos 90, que no Brasil foram reelaborados em uma drum n’ bossa pelo DJ Marky e DJ Patife, por exemplo.

Você acha moderno até ver esse set do DJ Patife em outubro de 2000

Em 2023, Deekpaz estave presente no Palco Perry, no Lollapalooza e, das 30 atrações, foram um dos 4 negros, uma porcentagem ínfima. Ao se oporem à imagem embranquecida da música eletrônica, os Deekapz se conectam a uma tradição que vai além do Brasil e ecoa na cultura dos sound systems jamaicanos, festas criadas nas ruas e para a comunidade local. Por aqui, a dupla criou a festa 0800, onde tocam em bares com pistas abertas viradas para a rua, em um movimento que objetiva retomar a cultura que hoje é dominada por festas com ingressos que mais parecem de festivais internacionais, em casas noturnas que não estão preparadas para receber a pluralidade brasileira, visto os casos recentes de violência.

Deekapz FM, como álbum, parece reunir tudo isso em 14 faixas que antes de tudo são feitas para dançar, para serem tocadas em ambientes coletivos, e menos nos fones. São para ouvir junto, como nas festas no Vale do Anhangabaú no final dos anos 90. Além do tributo, o disco é um passo em direção à ressignificação e valorização da música eletrônica brasileira, acessível e original.


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