Da tentativa de golpe ao Juízo Final
Gabriela Biló lança obra que transforma momento político em memória coletiva
Na semana em que Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe, junto de mais 7 réus do núcleo de seu governo, Gabriela Biló lançou a pré-venda de seu novo livro, Juízo Final. O trabalho é fruto de uma parceria com o podcast Medo e Delírio em Brasília e o designer Pedro Inoue, e marca a sequência natural de A Verdade vos Libertará (2023), livro que rendeu à fotógrafa diversos prêmios nacionais e internacionais como o POY Latam e o Jabuti além dela ter ganhado o World Press Photo no mesmo ano, um dos prêmios mais prestigiados do fotojornalismo global. Se o primeiro livro contemplou dos protestos de 2013 ao fim do governo Bolsonaro, Juízo Final acompanha o processo que se seguiu: do golpe frustrado ao julgamento histórico, transformando fotos, documentos e análises em um livro que, nas palavras de Biló, “não é apenas testemunho, mas prova”.

Para a fotógrafa, o julgamento representa uma reparação histórica. “No Brasil nunca ninguém foi punido pelo golpe militar de 64. Dessa vez é diferente. É como se disséssemos: podem brincar de extrema direita, mas golpe não, nossa democracia está estabelecida.” Segundo ela, o risco de não haver julgamento ou punição fragilizaria a democracia de forma grave.
“A resposta das instituições não foi só em manter a democracia, mas em punir a tentativa de rompê-la. Isso é ainda mais importante porque mostra que existe estabilidade e que, se você tentar rompê-la, será punido. Caso contrário, você encoraja novas tentativas.”
A ideia de que o livro é um “souvenir histórico” acompanha o tom da obra. “É algo físico que você pode guardar e dizer: eu estava aqui. Minhas fotos não são só minhas, elas constroem um imaginário popular e passam a ser memória coletiva. Esse livro é isso: memória coletiva materializada.” Ao contrário de A Verdade vos Libertará, de forte carga emocional, Juízo Final é mais documental, reunindo imagens, textos e documentos para contextualizar também os fatos ocorridos “nas sombras”, sem registro visual.

A obra mantém o mesmo time criativo do livro anterior. Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, do Medo e Delírio, colaboram na contextualização, enquanto Pedro Inoue assina o design. “Eu já conhecia o Medo e Delírio e admirava como eles amarram os fatos. O Pedro Inoue me foi apresentado como um designer ativista, com uma linguagem punk que casava com a minha visão — e foi exatamente isso.” A parceria acabou se tornando pessoal: durante o processo, Biló se aproximou de Cristiano Botafogo, hoje seu marido.
O título Juízo Final também carrega camadas simbólicas. A canção de Nelson Cavaquinho, lançada em 1973, dizia: “O sol há de brilhar mais uma vez / a luz há de chegar aos corações / do mal será queimada a semente / o amor será eterno novamente”. O samba falava de esperança em meio às trevas da ditadura, e ressoa hoje com a necessidade de reparação histórica diante da tentativa de golpe. A escolha do nome, portanto, reforça o tom de desfecho: não apenas o julgamento de um ex-presidente, mas um acerto de contas com a democracia brasileira.

Sua trajetória recente também foi marcada por riscos e perdas pessoais. Durante a pandemia, ela registrou o Planalto repleto de negacionistas sem máscara, acabou infectada pelo coronavírus e ficou dez dias internada respirando com auxílio de oxigênio. No 8 de janeiro, trabalhou por apenas 53 minutos. “Foi o tempo em que me senti segura. Mais de dez colegas foram espancados, tiveram equipamentos roubados, cartões deletados. Foi muito violento.” Para Biló, o medo não era apenas físico: “Na pandemia, além do risco de pegar covid, havia o medo de transmitir para pessoas próximas. Eu me sentia suja ao voltar do Planalto.”
Entre metáforas gastronômicas, Biló também explica sua relação com o fazer fotográfico.
“Existe o arroz com feijão e existe o bife acebolado. O arroz com feijão é o automático, que eu entrego sempre, mesmo num dia ruim. O bife acebolado é quando vem a inspiração, o prazer de registrar. São aqueles grandes momentos que nem sempre temos, mas que buscamos.”
A mesma comparação aparece ao falar da diferença entre redes sociais e livros. “As redes são fast food. Você perde autoria, linguagem, suas fotos viram memes. E tudo bem, eu não me incomodo. Mas o livro é o restaurante especial, a experiência completa. Esse momento histórico merece um livro especial.”

O que ela espera é que Juízo Final não dialogue apenas com os já informados. “É um livro acessível, quase panfletário. Quero que tenha capilaridade, que dissemine ideias, que informe.” E sobre o futuro, Biló prefere a abertura da incerteza.
“Depende do que me inspirar no momento. Nos últimos anos, tenho documentado a extrema direita porque é algo novo e precisava ser registrado. Não sei como serão os próximos anos. Ano que vem é eleição. Talvez eu siga nesse caminho, talvez não. Espero apenas que minhas fotos sejam cada vez mais bife acebolado.”

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