CORTAVENTO e o novo ciclo de JOCA

O artista lança novo disco após 5 anos de pesquisa, shows e desenvolvimento pessoal

CORTAVENTO e o novo ciclo de JOCA

Em 2020, entre os meus artistas mais ouvidos naquela lista de fim de ano do Spotify - no meu caso, do Apple Music - estava o JOCA, músico e MC que naquele momento tinha como único lançamento A Salvação é Pelo Risco (2019), álbum de estreia e que, apesar de ser um projeto experimental, fez barulho em uma cena underground bem efervescente. No mesmo ano tive o privilégio de trocar uma ideia com o João Caetano, responsável pela criação de JOCA, conversa essa que resultou em uma entrevista que infelizmente nunca viu a luz do dia e das telas. 

5 anos depois JOCA lança CORTAVENTO, novo projeto que reúne e sintetiza todas as mudanças, evoluções, e desdobramentos de narrativa ocorridos desde seu último lançamento. Não se engane, o cara não ficou parado, e nesse período colecionou feats com uma galera de peso como Tuyo, Sain e Ana Frango Elétrico. Mas é em CORTAVENTO que o personagem criado por João Caetano volta a discutir sobre suas andanças de forma mais consistente e madura. Assinando a direção musical e reunindo um time de peso para produzir e contribuir em participações especiais, JOCA apresenta o resultado de anos de pesquisa não só sobre música mas sobre a vida.

Então, para mergulhar no atual trabalho, o convidei para uma nova conversa com o objetivo de ver o que rolou nesse tempo, entender um pouco dos processos de criação, o fechamento do ciclo anterior e o que ele espera do próximo.


Em nosso último papo, você falou que depois da aceitação do risco, de uma identidade e de uma busca, o JOCA ia começar a travessia. CORTAVENTO é o destino dessa travessia ou a narrativa dela?

CORTAVENTO é a crônica dessa travessia, com certeza. Pro JOCA, principalmente, para o eu-lírico que vive e conta as histórias que estão presentes no álbum, CORTAVENTO é quase que o diário de bordo de todas essas travessias. Pro João Caetano é um pouco diferente, para o João Caetano esse álbum concretizado no mundo e disponível e compartilhado, é a conclusão dessa travessia que está sendo contada. Então depende do eu-lírico que vai responder essa pergunta (risos).

Atravessamos uma pandemia desde o ASPR. Como esse período impactou no fechamento e transição de ciclos?

Ah bagunçou tudo, né?! Acho que uma das coisas que foi mais intensas assim em termos tanto de trabalho quanto do pessoal de cada um, desse momento que a gente viveu, da pandemia, é que aconteceram vários tipos de retornos diferentes da pandemia. Eu acho que todos os âmbitos da vida da galera e, principalmente, de quem tem a sensibilidade para criar e para se conectar com trabalhos também sensíveis, que buscam investigar as coisas e tensionar os atritos, foi um período de muita intensidade que mudou tudo. Mudou a forma de se relacionar, de consumir, de comer, de encontrar. Então a gente viveu vários retornos que atropelaram-se um pouco uns aos outros. Existiam várias formas outras ali de lidar com o dia a dia e acho que isso impactou nos processos de criação de produção de todo mundo.

Eu acho que cada um se adaptou da sua forma a esse novo momento e existe uma geração que surgiu daquele momento e mesmo tendo surgido dentro daquele contexto, ainda precisou se reinventar para se adaptar ao momento após. Então foram mudanças mercadológicas, estruturais, financeiras, que impactaram, interferiram nos rumos dos ciclos que cada um vivia individualmente. Foi caótico mesmo, acho que embaralhado é uma palavra que define esse impacto.

No primeiro disco lembro que a paisagem e a narrativa andam lado a lado. Anos depois, como as mudanças do território e do personagem aparecem aqui?

Essas mudanças aparecem tanto na forma de contar, elaborar e desenvolver a narrativa, quanto na forma de enxergar e interagir com as paisagens. Acho que o personagem começa a interagir numa camada um pouco mais densa e mais profunda a partir da intimidade com aqueles territórios que estão sendo permeados pelas vivências que são relatadas ali, desde o primeiro álbum, inclusive.

As localizações específicas começam a ser ampliadas e desenvolvidas ao mesmo tempo que paisagens e forças da natureza, que são comuns para diferentes territórios, se tornam territórios e se tornam formas de se conectar com o agora. Logo, o personagem vai se conectar consigo mesmo também de uma outra maneira.

Clipe de CHINELIN, primeiro single de CORTAVENTO

Naquela vez você me disse que não planejava disputar o espaço do rap ao longo da sua discografia. Esse pensamento se mantém? Como você se identifica nesse contexto?

Acredito que esse pensamento se mantenha no lugar das pretensões, porque eu realmente não me imagino contribuindo somente para o cenário do rap, quando eu faço meus raps. Mas a partir de alguns encontros e trocas que eu pude ter, comecei a entender muito mais a importância de disputar sim esse espaço e de desenvolver, tensionar, incentivar, provocar e em alguns momentos, até incomodar. Mas tentar convidar a galera para um outro olhar sobre a realidade, sobre a música.

A gente está experienciando na cena do rap e da música independente um momento muito fértil, um momento muito próspero criativamente. Muita gente criando, uma diversidade maravilhosa de gêneros, subgêneros, vertentes, nichos, grupos e sinto que disputar o espaço do rap não tem a ver de forma nenhuma com qualquer ideia de competitividade, mas sim mostrar que o rap é um lugar plural e é uma plataforma para diferentes grupos e diferentes indivíduos que são da sua forma marginalizados e têm suas ideias ali para compartilhar com o mundo. A partir desse ponto de vista, que é o ponto de vista da margem, eu sinto que disputar o espaço do rap é justamente mantê-lo em um espaço de desenvolvimento, de criação, de liberdade e de respeito à individualidade do outro. É disputar o espaço para que esse espaço e essa forma de comunicar e essa forma de se expressar possa dar voz e espaço a todas as pessoas que são atravessadas por aquilo e sentem a necessidade de poder compartilhar e também manifestar sua forma de ver o mundo, sua forma de ver a música, de criar.

Você assina a direção musical do álbum e produz boa parte das faixas. Como foi a escolha de quem ia chegar junto nessa parte?

Foi uma escolha bem fluida na verdade. Ela surgiu do dia a dia, dos encontros, do cotidiano, das trocas que eu tenho com os parceiros aqui, que produzem e tocam, criam, compõe, cantam, que estão espalhados aí pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro. Existiu um primeiro processo, que foi o processo de curadoria e de seleção dos beats, então tinham vários caminhos ali, vários instrumentais levantados por produtores parceiros que tinham me enviado ao longo de um tempo e eu selecionei para criar essa sequência que se tornou álbum. Depois dessa seleção eu manipulo esses instrumentais, adiciono, recorto, trabalho dinâmicas, junto também com a Reurbana e vários outros parceiros que também somam não só como produtores, mas também como instrumentistas. E a gente já tem aquele beat ali, desenvolvido super organicamente, num processo que eu estou como agente, tanto produzindo e colocando a mão na massa, mas também fazendo a ponte entre todas essas colaborações.

Então essa escolha se deu no dia a dia. As participações especiais acontecem num processo muito parecido. Os encontros que a música pôde me proporcionar ao longo desse tempo de vida me deu o privilégio de ter tido contato com pessoas que eu já escutava, que eu gostava do trabalho e que também tinham comigo essa recíproca de acompanhar e incentivar e dar muita força. Então foi num processo muito fluido de troca e de conexão genuína, assim, dentro do que a rotina nos permitiu, dentro da convivência que eu pude ter com cada uma dessas pessoas, seja no trabalho, seja em viagens, em shows e lineups de festivais em comum, em sessões de estúdio onde um ia visitar o outro... Foram encontros naturais, de certa forma.

Nesses últimos tempos o público tem recebido spoilers do CORTAVENTO aqui e ali, mas principalmente nos shows. Como está a expectativa desse novo Show do JOCA?

Expectativa altíssima! CORTAVENTO é um álbum que permite e permeia várias linguagens. Então estou muito ansioso para poder trabalhar as formações de banda, trabalhar as intervenções, trabalhar citações que no álbum estão presentes mais como referências e na música ao vivo a gente tem a possibilidade de agregar também mais diretamente algumas das nossas referências no show. Então o momento de tocar ao vivo é um momento que criativamente é muito forte e muito intenso, mas, acima de tudo, a possibilidade de dialogar e trocar com o público e de desenvolver mesmo novas formas de dançar, de sorrir, de encontrar, de refletir. Estou muito animado para esse ciclo de shows, porque é realmente o momento primordial onde está sendo feito o ofício.


ISMO
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