Cedric é um patrimônio da Bike Custom

Um papo com uma lenda da customização de bikes do Brasil

Cedric é um patrimônio da Bike Custom

Todo assunto tem ramificações e toda cena tem suas referências. Achar pessoas que conseguem ser referência em mais de uma ramificação do mesmo assunto, é algo curioso e raro de encontrar. O Cedric Kessuane é uma dessas lendas vivas da cena da bike custom, que ainda continua fazendo bicicletas diversas e continua sendo referência no assunto. 

De Low Riders a Tall Bikes, o Cedric esteve presente fazendo bikes em vários momentos a partir do começo dos anos 2000, sendo um dos principais nomes no Brasil quando alguém queria fazer uma bicicleta diferente das que tem nas lojas. 

A gente foi atrás dele pra saber onde ele está, quais bikes continua fazendo e como enxerga a cena das bike custom no Brasil.  


Como começou sua relação com a bicicleta?

Acho que como todo mundo, na infância, mesmo. Ganhei minha primeira bicicleta em 1985, aro 16, uma Brandani com banco banana. Em 1986, minha mãe me deu uma Extra Light, que tenho até hoje! Engraçado que com essa primeira bike eu já tinha o interesse de mexer nela, trocava guidão, trocava pedal, essas coisas. Tinha de 9 pra 10 anos e já mexia nas bikes! 

Nos anos 90 eu comecei a montar bicicletas, sem fabricar. Foi quando estourou o BMX no Brasil, com as bikes JNA e afins. Lembro que troquei um videogame por um quadro, comprei outro guidão e começava a montar as bikes, mas isso era mais hobby mesmo.

Nesse meio tempo, comecei a vender brinquedos antigos. A fabricação de bicicletas começou no começo dos anos 2000, porque eu fui num encontro de Low Rider e vi umas bikes diferentes e tive vontade de começar a fazer as minhas. 

Tirei umas fotos e uns amigos ficaram me pilhando pra fazer umas bikes, mas eu achava que não dava. Aí um cara, que na época era meu amigo, tinha um oficina e viu essas fotos e me cedeu um espaço na oficina dele pra fazer. Eu comecei com Low Rider e a primeira bike diferente dessas foi uns anos depois. 

O Cedric e uma das primeiras Low Riders

Tinha uma cena de uma galera que fazia Low Rider essa época?

Tinha sim! Tinha o Sr. Izarias, que era da Zona Norte de São Paulo, ele fazia peças, acho que era o único na época que fazia pra vender, mesmo. Sei que tinham outros caras que faziam pra si mesmo, mas pra vender eu lembro dele e depois eu. Mas claro que podem ter outros caras que não estou lembrando. 

Mas aí fiquei nessa oficina até 2014, que foi quando saí por um problema de sociedade com 1 dos sócios. A sociedade era na marca Evolux. Quando saí dessa sociedade, saí com os desenhos e com o nome, até vender minha parte da marca em 2018, para o outro sócio. Aí eu vim pra cá onde estamos hoje conversando, na Vila Santa Isabel e aqui virou minha casa e minha oficina. Fiz tudo sozinho, obviamente com ajuda de alguns poucos amigos!

Umas das Cruiser da Evolux

Estou na criação da minha nova marca, que se chama Átomo, ainda não lancei, mas tem uns projetos e designs já com essa marca.

A parte do “fazer” as bicicletas, é a estrutural? 

Isso, eu faço os quadros, os garfos. bagageiros e quase qualquer peça que seja de aço da para criar e adaptar nas bicicletas.

Você anda com suas bicicletas?

Já andei muito, mas hoje não mais. É um pouco difícil eu sair de casa, eu não era tão caseiro, mas acabei virando nos últimos tempos. Eu sou um pouco outra pessoa depois dessas quebras de sociedade e das coisas que aconteceram. 

Entendo. Vamos voltar um pouco pras origens dos seus gostos, porque eu vejo que existe um paralelo com outros gostos, tipo musicais e de caminhos de vida. Existe alguma relação das bikes com o som que você curtia, com as tatuagens ou com a vida que você tinha fora das bicicletas? 

Cara, fiz muitos amigos no hardcore! Acho que a origem desses dois gostos foi separada, mas as coisas se juntam, sim, porque a maioria das pessoas que conheci nesse rolê do custom curtem arte e eu adoro arte. Mas vejo que comecei a gostar mais de arte mesmo quando tive contato com a tatuagem. 

Eu gostava de hardcore, mesmo sem ter tatuagem. Ouvia Sick of It All, Agnostic Front, Madball, essas coisas. No fim de 1997, comecei a conversar com o Teté, da tatuagem, no bate-papo da Uol porque meu apelido era Rage Against The Machine e o dele era Sick of It All! Aí disso eu fui tatuar na casa dele, ele fez minha primeira tatuagem. Ele me fez conhecer o veganismo, me mostrou aqueles vídeos que todo mundo viu quando fez a transição para parar de comer carne (risos). 

Esses universos se conversam. Comecei a frequentar a Verdurada, Hangar, Casinha, tinha os vinis e tudo mais. Mas olha que engraçado, agora começa a junção desses mundos: em 1998 eu vi um clipe da banda Skamoondongos e tinha uma bike Low Rider - que era do Alemão da Otra Vida e acabei ficando até amigo dele depois - e achei muito louca e fui atrás pra saber mais sobre. Aí o pessoal da tattoo que meio que me falou o que era. Tinha um cara do hardcore, o Ricardo MeatBalls, que tinha ido para Los Angeles, trouxe uma, me mostrou e eu pirei demais. Aí fui no encontro de Low Rider no Pacaembu e volta a história pra eu começar a fazer bike! Olha que louco, começou num liquidificador de hardcore, veganismo, tatuagem, Low Rider, tudo ao mesmo tempo! 

E quando de fato começou a ver isso como um trampo? 

A primeira Low Rider eu fiz pra mim, mas eu saía na rua com ela e a galera sempre pedia pra eu fazer pra eles. Comecei a fazer nesse esquema e comecei a ganhar um dinheiro! Estou aqui até hoje (risos). 

Fiz Low Rider por vários anos. Aí no Orkut estava nas comunidades de bikes e vi as Bike Chopper, que achei muito loucas. Aí tentei fazer essas novas e deu certo, fiz a primeira e todo mundo pirou e deu certo também! 

Chopper feita pelo Cedric

O cliente da Low Rider é muito nichado, muito específico, então se todo mundo que queria já tinha comprado uma minha, meio que a demanda diminuiu (risos). Aí comecei a fazer as Cruiser e as Chopper. Nesse auge, que foi uma transição rápida e deu muito certo, apareceu para fazer a primeira fixa. Eu conhecia, mas nunca tinha feito - sabia que tinha uma cultura foda em Tokio e em Nova Iorque, mas nunca tinha feito uma. 

Estava abrindo a Tag and Juice, em São Paulo, que depois ficou bem forte e virou referência nas fixas, e o dono, o Pablo, me ligou e me perguntou se eu não conseguia fazer uma fixa. Aí ele passou as medidas e eu fiz! Quando inaugurou a loja, ela estava lá e aí comecei a fazer mais dessas bikes também. 

Uma das primeiras fixas feitas pelo Cedric

Essa loja era mais do que só vender bicicletas, era um ponto de encontro da galera, tinha coisa de grafite, tinha coisa de skate… Era bem de lifestyle, mesmo! A febre das fixas estourou com essa loja, porque quando inaugurou saiu em todo lugar e deu um boom na cena. 

Mas voltando a trampo, além de fazer as bikes, muita gente me procura pra fazer reparos, pra desamassar quadros, pra tentar fazer milagre (risos). Muita gente me procura pra desentortar quadros, principalmente depois de batida, mas às vezes não dá certo. 

Hoje em dia a galera me procura bastante pra fazer modificação. O que mais faço é soldar suporte de freio a disco em quadro dos anos 90, que na época não tinha. E também transformar espiga de rosca do garfo em headset. Ao meu ver, esses são os únicos defeitos dessas bikes, porque de resto elas são perfeitas! 

Eu sou low profile hoje, meus maiores clientes são no boca a boca. Além de todos os modelos citados, eu também estou bastante em contato com bicicletas cargueiras e peças utilitárias.

Uma cargueira

Cara e as Tall Bikes, aquelas de dois andares? Eram suas também?

Cara, o Flash e o Cris do Velodeath trouxeram a ideia de fora pra eu fazer. Trouxeram a ideia dos quadros e a gente fez! Eu não fiz muitas, fiz umas 6. Foi a última vez que vi o Drac porque ele tinha vindo trazer uma pra eu fazer. Ele foi e vai ser pra sempre uma referência na BMX. 

As da Velodeath eu fiz muitas. Fiz as fixas e as mini pra eles também.

Uma das tall bike que ficaram com os Velodeath

Pô, então você está em todos os nichos de bike, de alguma forma! Tem bicicleta sua de todos os estilos (risos). 

Sim, pois é, e falando filosoficamente isso conecta com a minha vida porque eu sou bem eclético, de som a coisas. 

E qual estilo de bike você mais gosta de fazer?

Difícil pensar nisso. As que mais fiz, foram as Cruiser, mas também porque elas viraram uma linha, um produto de linha. Acho que fiz mais de 500 dessas, mas não sei se é a que mais gosto. Acho que as cargueiras eu gosto bastante, mas semana que vem pode ser outra! 

Cara, eu gosto bastante de quando a bike tem uma vida além de mim, quando vai pra pessoas que não conheço. Já rolou situação de eu ver bikes que fiz na rua e é uma sensação muito foda. Já teve bike que foi parar em novela da Globo e até no The Voice! 

Dá pra ganhar dinheiro com bike? Onde você está hoje com seu trampo? 

Dá pra ganhar, mas não ficar rico. Dá pra viver de bike, que nem um trampo legal, ok. Dinheiro não é tudo, claro que a gente tem que fazer grana, mas tem muita coisa além disso. 

Hoje enxergo que sou uma pessoa que ajuda os outros com problemas que ninguém quer resolver (risos). 


ISMO
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