Canal Scena e a força do underground brasileiro

Como um canal de Youtube conseguiu se sagrar um dos maiores polos de convergência de bandas da música pesada no Brasil

Canal Scena e a força do underground brasileiro
O Scena hoje (foto: Maya Melchers)

Conhecer uma cena musical é parte da trajetória de vida de todo mundo que se prestou a ouvir um som um dia. Você ouve uma música, descobre a banda, descobre seu gênero e vai achando diversas outras que parecem com aquela e, no fim, encontra uma cena toda voltada para aquele estilo musical. 

Esse é um dos jeitos de se conhecer uma cena. O outro, mais atual e moderno, é por canais de conteúdo e comunicação que dão espaço para que essas cenas floresçam, apresentando-as com riqueza e lugar de fala. Na música pesada brasileira, um desses canais é o Scena. 

O Canal Scena completou 7 anos em 2025 e mantém um legado de ser um dos principais, senão o principal ponto de convergência de bandas de cenário underground e independente da música pesada no Brasil. Segundo dados de sua data de aniversário desse ano, o canal tem mais de 50 mil inscritos no Youtube e mais de 4 milhões de visualizações em seus conteúdos, que vão desde bandas tocando e dando entrevistas em estúdio, até vídeos que misturam música e assuntos diversos. 

O Scena até produziu festivais - o Scena Fest

Comandado por Caio Augusttus, o Scena é hoje um norte para muitas bandas que buscam suas referências e para produtores que querem fazer bem feito nas músicas barulhentas do País. Conversamos com ele para saber mais sobre o canal e sobre a importância de se ter uma mídia que fala sobre subgêneros independentes.


Como e quando surgiu o Scena?

Fazer o Scena era algo que eu conversava com a galera do Desalmado e bateu uma grande inspiração quando a gente fez um programa chamado Pé de Macaco, um ao vivo, e a gente comentou que podíamos fazer algo do tipo. Isso ficou no ar, mas era uma inspiração porque era um trabalho bem legal.

Eu sempre tive muito desejo de trabalhar com jornalismo. Sou da área de T.I. por questão de necessidade, mas meu desejo sempre foi ser jornalista. Comecei a acompanhar muitos canais na época, o Audiotree e o That Metal Show e comecei a formatar essa ideia. Conversei com o Estevam (Romera) e quis unir forçar pra fazer isso acontecer, até pensando no estúdio que ele estava (Family Mob). A ideia era criar um coletivo e fazer algo. 

Esse ao vivo do Desalmado no Pé de Macaco foi o começo da ideia - hoje o canal não existe mais

A ideia inicial era fazer no molde do That Metal Show, mas a coisa não saía do lugar. Nas reuniões de roteiro, a gente falava mas não saía dali, até um dia que eu descolei uma galera e falei pra gente filmar. Aí o João, de São José dos Campos, criou toda a estrutura online e ficou com a edição. Aí pensamos em alguém pra mixar e pra gravar e foi aí que saiu.

O começo foi eu, o Estevam, o João, o Chavero do áudio, a Natália fazendo social media, a Helô e começou o rolê aí. 

O nome era pra ser Lado B, mas lembrei do programa da MTV e ficamos com Scena, com “cena” com S na frente. Desde o começo a ideia era divulgar banda e dar um material decente pra eles. 

O Surra foi a primeira banda no Scena e, consequentemente, o primeiro vídeo - O Caio tinha cabelo nessa época

Seis anos atrás os primeiros vídeos eram das bandas tocando no estúdio, depois vieram os vídeos mais de lista, de resenha e afins. Isso sempre foi uma vontade ou era mais focado nas bandas mesmo?

A princípio era fazer as bandas ao vivo, com as entrevistas no meio e eles tocando. Mas aí no ao vivo a gente só falava de uma banda, mas tem muitas outras bandas pra falar e queríamos utilizar de outros meios para falar de outras que não íamos conseguir gravar. Aí começaram a surgir outros programas. 

Quando a gente chamava alguém de banda pra fazer Shuffle ou Listão, era pra justamente essas pessoas que tinham um conhecimento além do meu, fizessem parte, não ficar somente fixo às figuras das pessoas do canal. 

O Drops, por exemplo, foi uma maneira de mostrar o lado político do canal, porque o Scena também cumpre uma função política, enquanto todo mundo do cenário falava de política de forma abstrata, eu tentei dar um tom de seriedade, aproveitando o acúmulo político que eu tinha, fazendo algo mais sério e tentando dialogar com a diversidade do meio. Acho que esse programa é o que a galera mais gosta, porque era descontraído, era divertido. 

A ideia de criar mais conteúdo era para dar vazão, ter mais amplitude pra outros assuntos que não eram só da banda do ao vivo. 

Listão e Shuffle são alguns dos programas que falam de várias bandas diferentes

O quanto ter o Family Mob “em mãos” foi importante nesse processo?

É importante em muitos aspectos. Principalmente no papel do Estevam, cumpriu um papel essencial de gravar muitas bandas, logo quando o estúdio começa, pegando janela em que o estúdio estava ocioso, fazendo com quem estava disponível. 

O Family Mob mudou minha vida e a maneira de enxergar música, não só pelo Scena, mas também por conta do Desalmado, com todo acúmulo de conhecimento de estúdio que tive ali. A importância dele pra cena é gigante, mas talvez um dia o pessoal entenda a real importância do estúdio. O Scena e outros projetos deram abertura pra um monte de banda ali dentro. 

Estevam Romera é peça fundamental disso tudo também (foto: Maya Melchers)

Quando foi o momento que vocês falaram “isso aqui tá grande mesmo, tá tomando um corpo”?

Em 2022 e 2023, criei uma produtora, o Scena Lab, numa tentativa de transformar em algo maior. Mas o Scena nunca foi lucrativo, a maior arrecadação do mês no Scena em 6 anos, foi de 1800 reais. Cada programa ao vivo, foram 55, o custo de cada um deles é de 8 mil reais por programa, o Scena sempre foi deficitário. 

Mas tem uma história curiosa. Uma TV fechada entrou em contato com a gente querendo licenciar uma temporada. Ali pensei que daria pra virar, pensei que daria pra remunerar as bandas que eles licenciassem, pagar as diárias da galera envolvida nas produções e fazer um caixa pra começar a ter uma produtora de fato. O canal Scena ia ser exposto numa vitrine e a gente ia arracadar pela Ancine.

Aí quando vi a burocracia disso tudo, deixei quieto e essa ideia morreu. A opção de parar com o AO VIVO do Scena foi minha, vendo todo esforço e desgaste de grupo, achei que era melhor parar, o ciclo estava fechado. É ruim você perceber que está no meio de uma parada que você não consegue remunerar ninguém envolvido. 

Se a gente olhar canais similares, tipo o TinyDESK, é uma estatal que financia os caras. Musikaos tinha a TV Cultura por trás. A Trama tinha a editora Abril por trás. O Scena e o Family Mob sempre foram independentes, se chegasse alguém pra bancar, beleza, mas isso nunca aconteceu. 

Esse vídeo do Ratos de Porão é o mais assistido do canal

Eu vejo que o Scena tem um papel importante na cultura da música pesada no país, sendo um canal que agrega assuntos relacionados e tem um espaço pra bandas, o que é diferente de outros canais que, até por limitação física de espaço, ficam mais na resenha e nas conversas, mesmo. Isso, na minha visão, fez o Scena ter um destaque de importância e as bandas quererem participar do canal. Vocês veem o Scena como um dos maiores, se não o maior canal de música pesada no Brasil? 

Pensando nisso que você falou, dentro daquilo que a gente teve nos últimos anos de projetos relacionados à música pesada com espaço de estúdio, o Scena representa uma vitória democrática de um coletivo capaz de se unir para dar visibilidade a N bandas sem ser remunerado. Uma proposta genuína que se tivesse possibilidade das pessoas terem infraestrutura e disposição para trabalhar por um amor, dentro dessa coletividade, tenho certeza que estariam dispostas a trabalhar por um ideal. O Scena é democrático nesse sentido. 

Teve um determinado momento do Scena eu senti que era preciso ter cuidado com as bandas, no sentido musical. A curadoria passa essencialmente por mim e fazer uma boa curadoria era uma maneira de incentivar as próprias bandas a evoluir. Tinha uma pergunta que vinha sempre “se é tão democrático, porque não coloca tal banda?” e às vezes aquela banda não estava preparada para gravar ali no AO VIVO. Apertar o REC é um problema pra quem tem anos de estrada, imagina pra quem está começando agora, se deparando com estúdio e entrevista?

Tem muita gente que fala pra mim que o Scena é reponsável por uma nova safra de bandas que está tocando por aí, como uma nova MTV do metal e do hardcore e isso é muito significativo, imagina você ser comparado a um canal que tinha uma estrutura e financiamento? O Scena, com suas limitações, colocou bandas no holofote com um esforço coletivo e não remunerado. 

Não acho que a gente é o maior canal de música pesada, tem outros, com outras propostas. A nossa é de não falar mal de banda brasileira, de falar de bandas menores, não falar das gigantes. O Scena conseguiu, sendo independente, entregar muita coisa. Em termos de credibilidade, sei que a gente tem credibilidade pra caralho. 

Música não é sobre pose ou sobre aparecer. É uma arte, tem que fazer o bagulho bem feito e ponto final. - Caio

Muita gente pediu pra tocar no Scena nesses anos todos, né? Como é lidar com esses pedidos sendo você a pessoa que faz a curadoria? 

Pede até hoje. Teve gente que achava que ganhava até cachê! Para mim é ruim fazer esse meio de campo, porque tenho banda também e, pra eu ser visto como cuzão, é muito rápido. Mas passo longe de ser essa pessoa arrogante e quando a galera vem pedir, vejo se faz sentido, se eles estão na correria, na ativa… Se a banda não está e quer fazer só por conta de sonho, não faz sentido, porque ter aquele material é pra colaborar com que ela feche shows, que ela consiga se divulgar, para que esteja na estrada. Não é a toa, as bandas que passaram por lá, boa parte está na estrada. 

É ruim quando a galera vinha pedir, eu ouvia e não achava que estava pronta. É difícil a galera entender também, porque existe uma autocrítica ou uma autoestima que nos faz achar que a gente está sempre pronto pra pular na bala. O músico, o artista, tem um ego lá na frente e é difícil falar “não”. 

Cara, não dá pra colocar todo mundo, mesmo, por uma questão de não dar conta e por priorizar a questão da qualidade musical, nem por gosto pessoal, não é sobre concordar ou não com o que a banda fala, mas a banda tem que entregar! 

Música não é sobre pose ou sobre aparecer. É uma arte, tem que fazer o bagulho bem feito e ponto final. 

 

Bandas como o Vazio, de black metal, tem no Scena um espaço para ter seu som divulgado e amplificado

O Scena já passou por estúdio, pandemia, troca de membros… Como está hoje? Qual o processo criativo hoje de vocês?

O canal precisa ir pra algum outro lugar, acho que a fórmula do Scena de anos atrás está esgotada. A internet mudou muito nos últimos 3 anos, mas não encontrei essa fórmula ainda. Acho que as lives é algo que está pegando forte, quero voltar a fazer o AO VIVO ano que vem… Ainda não encontrei a fórmula mesmo, mas vai sair alguma coisa. 

A internet mudou muito e ainda não tive um estalo, essas coisas tem que acompanhar o que está acontecendo, não dá pra ficar parado na mesmice. 

Blasfêmea é um dos quadros do Scena

Tem gente que te reconhece mais pelo canal do pelo Desalmado? 

Em lugares aleatório, sim. Fora do meio? Pra caralho. Sou reconhecido em lugares que não imagino, tipo mercado, e nem é por metaleiros, não (risos). 

A crew reunida no primeiro Scena Fest (foto: Maya Melchers)

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