As 10 melhores trilhas de vídeos de skate da história
Dos VHS aos DVDs, dez vídeos que fizeram história não só pelo skate, mas pela trilha sonora

Escolher apenas dez trilhas sonoras entre centenas de vídeos de skate lançados entre 1990 e 2010 é, no mínimo, uma tarefa ingrata, mas também um exercício prazeroso de memória afetiva. Esse recorte de duas décadas marca a era de ouro dos vídeos de skate: um tempo anterior ao YouTube e às redes sociais, quando cada lançamento era um verdadeiro acontecimento. Um vídeo novo em VHS, e pouco depois em DVD, podia redefinir estilos, ditar modas, criar lendas e, é claro, revelar novas formas de ouvir música.
Antes do YouTube, dos edits semanais e dos vídeos curtos no Instagram e TikTok, os full vídeos lançados pelas marcas de skate funcionavam como mixtapes visuais, colagens de skate, lifestyle, som e estética. As trilhas não eram só pano de fundo: elas davam ritmo às manobras, peso às partes e, muitas vezes, se tornavam inseparáveis das imagens e manobras. Ouvir “Low Rider” do War, “The Funeral” do Band of Horses ou "Murderers" do John Frusciante é ser transportado instantaneamente a certos momentos, a um estilo de skate, a uma época.
Esses vídeos foram muito mais do que uma janela para acompanhar a evolução do skate, foram uma escola de música. Foi ali que descobri John Coltrane e Black Flag na mesma tarde, que entendi como o jazz podia soar tão rebelde quanto o punk, e como o rap dialogava com a rua com a mesma intensidade que uma guitarra distorcida. A trilha desses vídeos moldou meu ouvido, meu gosto musical e, de certa forma, minha forma de abraçar a mistura. Meu ecletismo musical hoje eu devo a essa formação musical, forjada através desses vídeos que assisti e reassisti incontáveis vezes.
Nesta seleção, que é totalmente pessoal e sem qualquer pretensão de ser definitiva, o objetivo não foi apenas reunir os vídeos mais icônicos ou os que mais marcaram a minha trajetória no skate, mas destacar aqueles em que a trilha sonora tem um papel narrativo, estético e cultural essencial. As escolhas se basearam em quatro critérios:
- Espírito do tempo (zeitgeist) — o quanto cada trilha captura a sonoridade, os valores e a estética de sua época e além.
- Ecletismo — a capacidade de transitar de forma fluída entre gêneros, épocas e revelar contrastes inesperados.
- Energia — o quanto cada música impulsiona o vídeo e potencializa o skate e as manobras.
- Fator “wow” — aquele impacto imediato e inesperado que faz um vídeo ou uma videoparte ser lembrada para sempre.
Entre punk, rap, jazz, soul, funk, reggae, rock, metal e eletrônica, esta lista não é sobre nostalgia, mas sobre um modo de fazer — artesanal, coletivo e intuitivo — que moldou o skate e sua cultura antes do scroll infinito. É uma celebração de um tempo em que som e imagem caminhavam juntos, e cada trilha era uma declaração única de estilo e individualidade.

10. Lakai – Fully Flared (2007)
Dirigido por Ty Evans e Spike Jonze, o vídeo é o ponto culminante da era cinematográfica dos vídeos de skate. Fully Flared é explosão emocional, edição épica e trilha de arrepiar: M83, Arcade Fire, Band of Horses, Public Enemy — e ainda espaço para clássicos como Bad Brains, David Bowie e The Flaming Lips. O uso de “Lower Your Eyelids to Die With the Sun” na abertura virou um marco cultural, talvez a sequência mais épica e explosiva da história do skate. É o equivalente a uma sinfonia contemporânea, onde cada parte é uma faixa que você não pula.
🎵 Destaques:
M83 – “Lower Your Eyelids to Die With the Sun” (abertura)
Arcade Fire – “No Cars Go” (Mike Mo Capaldi)
Band of Horses – “The Funeral” (Guy Mariano)



9. Girl – Yeah Right (2003)
Ty Evans e Spike Jonze atacam novamente, agora com tecnologia, humor e sensibilidade pop. Yeah Right é a trilha que melhor representa essa virada pros anos 2000: Ghostface, Nas, Joy Division, Bowie, Interpol, Le Tigre, Happy Mondays e John Frusciante convivem num colapso de referências que funciona perfeitamente. O vídeo é lembrado pelo lendário skate invisível, pela fotografia em 16mm, pela introdução do ultra-slow motion e pela forma como som e imagem se costuram num fluxo quase cinematográfico. A música aqui é montagem e narrativa, cada batida parece ditar o tempo das manobras.
🎵 Destaques:
John Frusciante – “Murderers” (skate invisível)
Interpol – “Obstacle 1” (Brian Anderson)
Le Tigre – “Deceptacon” (Rick McCrank)

8. DVS – Skate More (2005)
O nome já entrega: Skate More é diversão, estilo e atitude em forma de som. O vídeo tem uma energia leve e espirituosa, que reflete o auge da cultura dos 2000s, uma época em que o skate se misturava com o indie, o rap alternativo e o pós-punk revival. A trilha é um verdadeiro mosaico musical: Bill Withers, Deltron 3030, Black Sabbath, Ratatat, Love e Bloc Party aparecem lado a lado em uma curadoria que parece ter sido feita por alguém com um gosto tão amplo quanto o estilo e as manobras de cada membro do time. Skate More captura uma era antes da saturação digital, quando os vídeos ainda tinham tempo de respirar, rir e surpreender. É aquele tipo de vídeo que dá vontade de sair de casa e andar — leve, musical e cheio de personalidade.
🎵 Destaques:
Ratatat – “Wildcat” (Keith Hufnagel)
Black Sabbath – “The Wizard” (Zered Bassett & Dennis Busenitz)
Block Party – “This Modern Love” (Daewon Song)



7. Alien Workshop – Photosynthesis (2000)
Com Photosynthesis, o skate entra no século XXI. DJ Shadow, Tortoise, Philip Glass, Radiohead, Mr. Dibbs e The Roots criam uma trilha contemplativa e cinematográfica que traduz a introspecção e o experimentalismo da virada do milênio. O som do pós-rock e da eletrônica se mistura à estética melancólica e conceitual da Alien Workshop, enquanto a parte da Habitat ganha força com os beats quebrados e granulosos de Mr. Dibbs, equilibrando o clima etéreo com o peso das ruas. É um vídeo que trata o skate como arte moderna, cheio de textura, ritmo e silêncio.
🎵 Destaques:
The Stooges – “Search and Destroy” (Anthony Van Engelen)
Mr. Dibbs – “Primitive Tracks” (Habitat)
Tortoise – “Ten-Day Interval” (timelapse)

6. Zoo York – Mixtape (1998)
Filmado no coração de Nova York, Mixtape é mais do que um vídeo — é um álbum visual de rap e cultura de rua. Toda a trilha, que inclui nomes como Black Moon, Jeru The Damaja, Casual, LL Cool J, Ol' Dirty Bastard e A Tribe Called Quest foi mixada ao vivo por DJ Roc Raida, do coletivo The X-Ecutioners, transformando o filme em uma verdadeira mixtape em movimento: colagens, scratches e cortes que fluem como um set contínuo. MCs locais rimam sobre imagens cruas e espontâneas, e o resultado é um documento que conecta o skate ao DNA do hip-hop nova-iorquino. É ritmo, flow e identidade, uma trilha que é a própria cidade. Tá, ela pode não pontuar muito bem no quesito ecletismo, mas em compensação gabarita em todos os outros critérios.
🎵 Destaques:
Pete Rock & CL Smooth – “They Reminisce Over You”
Brand Nubian – “Word Is Bond”
Ol' Dirty Bastard – “Brooklin Zoo”


5. Toy Machine – Welcome to Hell (1996)
O skate sujo, barulhento e intenso dos anos 90 ganha aqui sua trilha perfeita. Punk, metal e alternativo em doses precisas: Sonic Youth, Misfits, Iron Maiden, Pink Floyd, Jefferson Airplane e The Sundays, tudo colado com o caos controlado da edição de Ed Templeton. A trilha de Welcome to Hell alterna peso e sensibilidade: vai do grito ao devaneio, da raiva à contemplação. É um ensaio sobre liberdade e contradição, refletindo o espírito de uma geração que encontrava nas ruas e no som pesado (ou melancólico) sua forma mais honesta de expressão.
🎵 Destaques:
The Sundays – "You´re not the only one I know" (Elissa Steamer)
Sonic Youth – “Titanium Exposé” (Ed Templeton)
Iron Maiden – “Hallowed Be Thy Name” (Jamie Thomas)


4. World Industries / Blind / 101 – Trilogy (1996)
A verdadeira trilha sonora da rua em plena era dourada do street skate. Trilogy é pura tape culture: Nas, Redman, Method Man, Busta Rhymes, Roy Ayers, Stevie Wonder e Marvin Gaye convivem lado a lado com o groove solar de Jimmy Cliff e Pato Banton. É o retrato de um período em que o skate e o hip-hop se fundiram definitivamente: uma mistura de soul, reggae e rap que espelha a diversidade sonora das ruas. Mais do que um vídeo, é um manifesto de identidade, urbano, estiloso e consciente da sua própria estética.
🎵 Destaques:
Jimmy Cliff – “The Harder They Come” (Lavar McBride)
Stevie Wonder – “Sugar” (Gideon Choi)
Nas – “If I Ruled the World” (Kareem Campbell)


3. Plan B – Virtual Reality (1993)
Em Virtual Reality, a trilha deixa de ser apenas pano de fundo e vira uma extensão das partes — cada música tem função narrativa. Do violão groovado do Steve Miller Band ao peso do Led Zeppelin, passando pela soul-funk contagiante de Rick James e pelo rap dos The Beatnuts, o vídeo é um mosaico sonoro que captura a amplitude da cultura dos 90s. Há momentos de alegria, introspecção e celebração — como a parte de amigos ao som de “With a Little Help From My Friends” dos The Beatles — e até um segmento inteiro de tombos embalado por “Session” do The Offspring, dando gás e ironia à edição. É um documento da maturidade do skate enquanto linguagem, mas sem perder o frescor do improviso.
🎵 Destaques:
Steve Miller Band – "Serenade" (Colin McKay)
The Beatnuts – “Story” (Mike Carroll)
Rick James – "Give It To Me Baby" (Rick Howard)

2. Plan B – Questionable (1992)
Questionable é pura técnica e atitude, um manifesto do início da era do street skate moderno em forma de videoclipe. A trilha é um espelho perfeito do início dos 90s: The Jam, Bad Brains, Iron Maiden, Ned’s Atomic Dustbin, Big Drill Car, Pennywise e Green Day (antes de bombarem) convivem com Beastie Boys, Del Tha Funkee Homosapien, Fu-Schnickens, Cat Stevens, Louis Armstrong e Dead Can Dance.
A cena de Pat Duffy descendo um corrimão debaixo de chuva ao som de “Riders on the Storm”, do The Doors, é um dos momentos mais icônicos da história do skate — uma combinação de risco real, trilha precisa e timing cinematográfico. É o tipo de sincronização que muda o modo como a música e o skate se relacionam.
A trilha de Questionable é um mapa sonoro da virada cultural: o punk melódico ainda em gestação, o hip-hop alternativo ganhando força e o humor experimental e peso de bandas como Primus compondo uma trilha totalmente à frente do seu tempo.
🎵 Destaques:
Del Tha Funkee Homosapien – "Ahonetwo, Ahonetwo" (Sal Barbier)
Beastie Boys – "Time For Livin'" (Mike Carroll)
Cat Stevens – “If You Want to Sing Out, Sing Out” (Rodney Mullen)


1. Blind – Video Days (1991)
Video Days não só revolucionou a linguagem do skate em vídeo, mas também redefiniu a trilha sonora como parte da narrativa. Dirigido por Spike Jonze (ele de novo), o filme atravessa gêneros com naturalidade cinematográfica — de War a John Coltrane, de Black Flag a The Jackson 5 — e cria um retrato afetivo da juventude de rua dos anos 90.
A parte de Mark Gonzales, improvisando pelas ruas ao som do jazz livre de Coltrane, é um manifesto sobre a arte do skate em sua forma mais pura: fluida, instintiva e poética. Guy Mariano, ainda criança, embalado pela pureza do Jackson 5. Jason Lee, ao som da desconhecida banda Milk com a icônica “The Knife Song” e Hüsker Dü, dando o tom de uma geração que unia sensibilidade e agressividade na mesma batida.
Cada escolha musical parece ditar o humor do vídeo: o groove de “Low Rider” abre caminho para o caos, o lirismo e o humor que se misturam com naturalidade. Video Days é mais que um marco, é uma obra revolucionaria que influenciou tudo que viria depois.
🎵 Destaques:
John Coltrane – “Traneing In” (Mark Gonzales)
The Jackson 5 – “ I Want You Back” (Guy Mariano)
Milk – “The Knife Song” (Jason Lee)
Menções honrosas: Girl - Mouse (1996), Zero – Thrill of it all (1997) e Mislead Youth (1999), Toy Machine – Jump off a Building (1998), Birdhouse – The End (1998), Flip – Sorry (2002) e Really Sorry (2003), DC Shoes – The DC Video (2003), Foundation – That’s Life (2004), Baker – Baker 3 (2005), Enjoi – Bag of Suck (2006), Fallen – Ride the Sky (2008), Alien Workshop – Mind Field (2009) e Emerica – Stay Gold (2010). Vídeos que poderiam facilmente figurar nessa lista e vale a pena conferir tanto pelo skate quanto pela trilha sonora.
Nota pessoal: Todos esses vídeos ainda passam na minha cabeça toda vez que ouço qualquer uma das músicas presentes nas trilhas até hoje. Mais do que escolhas musicais, são memórias em movimento — um lembrete de que o skate sempre foi, também, sobre escutar o mundo de outro jeito.
Solta o play e bora manobrar!