Arte para além do metal: um papo com Fernando JFL

Giotefeli faz um monte de capa de álbum foda mas não fica só nisso

Arte para além do metal: um papo com Fernando JFL

O Fernando, ou Giotefeli como é conhecido na internet, é um artista que tem um repertório conhecido no cenário de artes para bandas de metal e hardcore. De capas e encartes a pôsteres de tour e camisetas, ele já fez de tudo. Mas nesse papo que a gente bateu com ele, descobriu lados além da música pesada que são tão, ou mais, interessantes que esses das artes para as bandas. Se liga: 

Salve Fernando. Fala um pouco sobre você. 

Salve, galera! Eu sou Fernando e na internet a galera me conhece por GIOTEFELI e esse nome, nada mais é, do que uma forma "italianada” de dizer JFL, que é meu apelido por aqui e que é abreviação de José Feitoza Lima. A galera se decepciona muito com isso, haha! Em resumo, eu estava em uma turnê com a minha banda, o Catarro, na Itália e estávamos criando nomezinhos pra cada um. Então o Luigi virou o Gigio e eu virei o Giotefeli. 

Eu sou formado em ciências sociais, nunca exerci nada, mas por causa do curso, conheci uma galera que trampava em agência de publicidade e eles me convidaram para uma viaga em clipping, que é tipo a peãozada da agência. Eu entrei, chegava bem cedo, fazia toda a clipagem e saía fora ainda de manhã… Nisso tinha um brother que fazia direção de arte e me perguntou se eu não queria saber mais sobre Photoshop, diagramação, essas coisas. 

Essa época eu já estava envolvido com bandas, já tinha o Catarro, a Lei do Cão e tinha aquele sonho juvenil de “colaborar com a cena”. Aí fui atrás de saber ilustrar, ver qual é. Ao mesmo tempo, quis aprender a tatuar, então meio que todo meu estudo de ilustração estava voltado para a tatuagem. 

Você já começou a pintar pensando em capa de metal? Como foi esse seu interesse na pintura? 

Cara, quando o Conquest for Death fez uma tour por aqui, eles passaram em Mossoró e eu sou da cidade e me pediram pra fazer uma cartaz para a passagem da banda. Isso era 2007 ou 2008. 

Fiz no papel, pedi os logos das bandas e já era. Aí lembrei que esse brother da agência queria me dar uns toques e nisso fluiu legal. Nessas eu aprendi Photoshop, polir imagens, arrumar imagens, diagramação etc. Parte disso eu levei para ilustração de banda e via que a galera do Nordeste tinha uma necessidade de ter pessoas que mexiam com design e acabei entrando nesse cenário, faz uma banda, faz pra outra, no hardcore, no metal… Aí vai no boca a boca, faz para uma banda, faz cartaz de turnê, outras vêem e me chamam e por aí vai. 

Hoje eu faço capas de álbuns, diagramação para bandas e piro muito em fazer cartaz de filmes. Caí no colo de uma cena da Paraíba de filmes independentes e é animal! Não é só de terror, é geral, mas obviamente foram elos do metal que me colocaram lá. O batera da Venomous Breath, de Campina Grande, é um cineasta fudido e eu fiz um cartaz de um mini doc dele. Depois fiz outro curta, de terror, e por causa disso, os amigos da cena dele me chamaram pra fazer outros. 

Tanto que uma das artes que eu mais gosto que já fiz é sobre um documentário de uma senhora que é produtora de cerâmica, chamado Céu, e volta e meio esse doc ganha prêmios, é animal.

Faço artes pra livro, quadrinhos, filmes de terror… Eu trampava na agência, mas saí porque ganhava pouco. Aí um dia um maluco do trap queria fazer uma capa e trouxe a referência do Venomous Breath e pensei “eita porra, que diferente!” e aceitei. Mas o mano pediu para ser algo meio urgente, coisa de dias então fiz um pouco mais caro e ele pagou. Quando o dinheiro caiu, foi mais que meu salário na agência e acabei ficando só com as artes. 

Mas você já desenhava antes?

Meu lance com desenho é aquela coisa de Goku e Pikachu, anos 1990, quando era moleque, mas acabei parando. Eu sou de uma cidade chamada Limoeiro do Norte e meu pai tem uma lanchonete até hoje. Quando eu era criança, ele falava que tinha um cara que colava lá e desenhava e queria me mostrar uns desenhos, me mostrar os trampos dele e eu na época meio que não quis, meio que foda-se. 

Meses depois meu pai chegou com umas revistas em casa, falando que era o trabalho dele. Cara, era o Ed Benes, que trabalha pra DC, hahaha! Nos anos 90 ele morava no interior do Ceará e ganha em dólar. Aí depois disso até fui na casa dele, vi todo o trampo, material de desenho foda, vi que era possível. Mas não passou disso na infância.

Na adolescência, fui querer ilustrar/desenhar porque minha faculdade entrou em greve. Eu morava em Mossoró, fazia faculdade lá, mas não queria voltar pra casa dos meus pais em Limoeiro do Norte porque lá não tinha muito o que fazer. Aí achávamos que a greve ia durar pouco então acabei ficando por lá mesmo. 

A greve durou 6 meses. Nos dois primeiros, legal, morava em um local estudantil, então estava legal. Foi passando o tempo, galera foi indo embora e um mês depois só tinha eu! Com dois, três meses eu já estava endoidando e um dos processos para não pirar era desenhar, tatuar, fazendo essas coisas. O foco era tatuagem, nunca imaginei nessa época ganhar a vida com desenho de banda. 

Qual o pedido mais inusitado/diferente de capa que você já recebeu?

Cara, curiosamente alguns metaleiros não gostam de arte digital, os zé papiro, hahaha. Quando você grava, não é no computador? Quando a gente escuta, não é no Spotify? O máximo do underground é escutar a banda no bandcamp, mas ainda é mp3! Mas o maluco odeia arte digital, hahahaha. 

Geralmente eu desenho, tiro fotos e corrijo no Photoshop. Mas tem uma galera que detesta o digital. Mas cara, profissional das artes não tá nem aí pro jeito que você faz, se agradou o cliente, tá show. 

Eu acho legal o interesse pelo original, mas o que eu acho meio brochante é o lance de achar que vai ser tudo analógico hoje em dia. Não é mais anos 90. Você vai upar 3000x3000 pixels e vai subir no Spotify. Respeito, mas uso as ferramentas que eu conseguir até chegar no trampo mais legal. 

Sempre observo que muito headbanger tem um lance de ter o máximo de informação na capa possível, mas tipo colocar todas as músicas, com todas as temáticas na capa, hahaha. Uma vez chegou uma banda que queria um local, com vários detalhes, em cima um céu com vários anjos detalhados e embaixo também uma porrada de coisa. Aí chego na galera e tento chegar num meio termo que faça sentido. 

Vai ter umas três bandas que vão ler isso e achar que é indireta, mas não é, isso acontece sempre, mesmo! hahaha. Meu foco é tentar puxar algum elemento como principal, porque senão fica aqueles cartaz de farmácia, cheia de coisa pra vender. 

Mas isso não é parecido com uma agência e cliente, quando eles pedem tudo e o designer tem que fazer?

É um pouco, sim! hahaha. Mas penso que com a ilustração das bandas, tenho um pouco mais de voz do que quando era diretor de arte na agência, que tinha que fazer o que o cliente pedia e já era. 

Outro local que eu fazia uma grana era no reddit, divulgando meu trabalho por lá e sempre chegava uma galera pedindo pra fazer arte pra livro, filme independente etc. Cobrava lá meus 200 dólares e assim ia. Nessa fase, e essa fase acabou porque acho que a IA me fudeu, já teve trampo que recusei. Mas na maioria das vezes dá bom. 

Vamos falar das suas influências. Tem algum pintor/pintora que você pira? Algum que pode ser visto no seu trabalho como influência?

No começo eu era muito paga pau do Mark Riddick, porque achava que fazer cores era impossível. Tudo dele é preto e branco, não deve ter roupa colorida na casa dele! hahaha. 

Depois, quando comecei a fazer bastante coisa de thrash metal, pirava muito nas capas do Ed Repka e Mark Whelan, que fez o Beneath the Remains. Mas eu achava que era outro nível, não o meu. 

Não lembro quem me deu um lápis de aquarela e passei um baita tempo brincando com isso, até chegar num nível que achei que dava pra usar nas capas! Depois passei para tinta acrílica e me fodi hahaha. Mas nessas eu comecei a pegar o que os artistas usavam e começar a estudar nisso. 

O Dan Seagraves fazia bastante coisa de poster color, a guache.  Ele tinha vinte anos de idade. O Altars of Madness foi feito por um cara de 20 anos de idade! Mas voltando, comecei a estudar a guache e a chave virou, vi que era mais a minha arte, mas a guache não é tão boa por custo benefício, muito cara para pintar grandes telas. 

Acabei voltando para a acrílica para pintar telas maiores e fazer outras coisas. Nessas eu também comecei a pintar a óleo para imitar as capas de terror dos anos 80 e por conta disso comecei a estudar anatomia, porque as pessoas nas capas eram pessoas muito bem feitas! Todos esses estudos foram por conta própria, sempre intercalando com quem pinta com o que. Exemplo, John Sargent, Van Dyck… Eu era um cara com internet e vontade de aprender! Eu comecei no metal, mas hoje me influencio por caras mais realistas, naturalistas. 

Mas se fosse falar sobre três que viraram a chave foram: Manuel Sanjulian, Enric Torres-Prat, Jeffrey Catherine Jones. Esses três autores são o que eu tento ser. O direcionamento da minha arte hoje são desses caras. 

Me fala alguns álbums que você gostaria de ter feito a capa. Capa que você olha e fala “caralho isso aqui é muito absurdo”

Tem uma capa que a arte não foi feita pro álbum, mas é o Hard Attack, do Dust, que foi o Frank Frazetta que fez, que acho absurda. Apesar de ser algo meio macho, mas foi o Frazetta que me fez conhecer um acadêmico da ilustração chamado George Bridgman, que tem dois livros de anatomia que foram o salto pra mim. 

O Eternal Nightmare do Vio-lence, que tem uma arte foda também, sempre me pegou. E tem o Sabbath Bloody Sabbath, do Black Sabbath, que tem uma contracapa que mostra a mesma arte da capa, mas como se fosse algo bom. É o cara morrendo, mas com a família, tudo bonito. É muito brutal! O cara que faz a capa é o Drew Struzan, que tem até um doc dele, ele é fudido, fez todos os pôsteres de Hollywood, Blade Runner, De Volta para o Futuro, Harry Potter, a porra toda. Ele é outro cara que é uma referência fudida pra mim. 

E quais as suas artes que você mais curte?

Cara, sou muito auto crítico e todo meu trabalho eu acho um grande 6,5/7. Mas tem artes que gosto muito, claro. Gosto muito do que fiz com o Damn Youth, por exemplo. A última que fiz com eles, do Descends into Disorder, gosto bastante. 

Gosto de fazer com bandas que tenho afinidade, Violator, Venomous Breath, Damn Youth. A capa do Svb Vmbra Occvltorvm do Venomous Breath eu gosto bastante também, foi desafiadora, tem bastante elemento, mas fluiu.

Tem uma banda da Paraíba que chama Caverna, que fiz também uma capa que foi bem legal. Antes eu era bem mais hardcore e foi por causa deles que peguei contato com outras bandas de metal.

Mas tá bom, tem uma capa de livro que livro que fiz que eu gosto bastante, já me dei uma nota 8, hahaha. É do Nightmare Cycle, do Lawrence Dagstine. 

Conheça mais sobre o trabalho que não é nada 8, é bem 10, do Giotefeli: https://www.instagram.com/giotefeli/


ISMO
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