Alvaro Naddeo: até no lixão nasce flor

Com delicadeza, memória e crítica o artista retrata a decadência urbana e da sociedade de consumo

Alvaro Naddeo: até no lixão nasce flor
“Reaganomics Killed America’s Middle Class” (2024)

No mundo de Alvaro Naddeo, o fim do mundo não é um espetáculo de fogo e destruição. É um acúmulo silencioso de caixas, pallets, embalagens de junk food, sacolas plásticas, placas de publicidade e carrinhos de supermercado enferrujados.

A partir da delicadeza da aquarela e da precisão nos mínimos detalhes, o artista brasileiro radicado em Los Angeles constrói uma crônica visual do colapso urbano. Uma narrativa feita em cima do excesso de consumo, da desigualdade, do esquecimento, mas também de memória afetiva, contracultura e resistência estética.

"First Class Mail" (2018)

Nascido em São Paulo, Naddeo cresceu entre Brasil, Peru e Estados Unidos. Antes de se dedicar inteiramente às artes visuais, trabalhou por anos como diretor de arte no mercado publicitário. Essa experiência moldou seu olhar, treinado para decifrar a linguagem das marcas, dos signos descartáveis e das arquiteturas de poder camufladas no cotidiano. O que era ofício virou dissidência: sua pintura desmonta o verniz das embalagens e revela o que sobra quando o consumo entra em ruína.

Suas composições trazem elementos da cultura brasileira — como engradados de cerveja Brahma, caixas d'agua Eternit, caixa de fósforo Pinheiro, adesivos do Ratos de Porão, Overall e Rádio 89 Fm — misturados a ícones norte-americanos: Revista MAD, pôster da Playboy, cervejas Pabst, Coors ou Miller, fita VHS da Blockbuster, misturada a shapes e skates clássicos da década de 1980 além de equipamentos de som e discos de vinil. Os universos do skate, do surf e da música não aparecem apenas como referências estéticas. Estão incorporados nas composições como vestígios de vivência e identidade, manifestos silenciosos de uma cultura de rua que não só moldou o artista mas que ainda resiste.

Esses elementos não são meros fetiches visuais. São parte de uma cultura que desvia da norma: o skate como prática de ocupação da cidade, o surf como sonho de liberdade, a música como trilha sonora do caos urbano. Naddeo os retrata com reverência melancólica, quase como um arquivo afetivo de sua juventude.

"Killing in the Name" (2021)

Sua técnica minuciosa de pinturas em aquarela sobre papel, recria com precisão hiperrealista as superfícies desgastadas, as texturas do abandono, as camadas do tempo. Em vez de glamourizar a decadência, Naddeo documenta a persistência do ordinário. Em vez de romantizar o colapso, ele o enquadra com beleza e poesia.

"Quantum Computing" (2023)

A consolidação de sua trajetória internacional passa também pela Thinkspace Projects, galeria de Los Angeles que representa o artista e se tornou uma das plataformas mais relevantes da nova arte contemporânea global e de movimentos artísticos como o surrealismo pop e a arte lowbrow. Reconhecida por apostar em vozes que transitam entre o figurativo, o político e o urbano, a Thinkspace tem sido fundamental para projetar a obra de Naddeo no circuito internacional, com exposições coletivas e solo aclamadas e obras que circulam entre colecionadores e curadores atentos.

Mais do que um exercício técnico ou estilístico, a escolha da aquarela como meio expressivo é, em si, uma decisão política. Frágil, delicada e difícil de controlar, a aquarela carrega uma vulnerabilidade intrínseca, e é essa mesma fragilidade que Naddeo mobiliza para falar de temas densos como desigualdade, especulação urbana, precarização e invisibilidade social. Pintar com aquarela os escombros da modernidade é, de certa forma, devolver delicadeza àquilo que foi brutalizado.

"Cart Series" (2017)

Analisando o corpo da sua obra, também emerge uma dimensão autobiográfica: em muitos trabalhos, há pistas de deslocamento, de migração, de uma identidade em trânsito. O que pode parecer apenas uma composição genérica é, na verdade, atravessado por vivências pessoais, por uma memória entrelaçada de territórios latinos e anglo-saxões, de centro e periferia. Naddeo não pinta o mundo como ele gostaria que fosse, mas como ele insiste em ser — e, ao fazer isso, oferece ao espectador não uma solução, mas um espelho com lente de aumento, revelando uma realidade desconfortável mas impossível de ser ignorada.

Para conferir mais do trabalho do Naddeo, acompanhe o site oficial e o perfil do artista no Instagram.


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