A perseverança e a teimosia na produção de Meio Feel

Uma conversa com o produtor paranaense sobre o lançamento do seu novo EP A Gota Cava a Pedra

A perseverança e a teimosia na produção de Meio Feel
Detalhe da capa de A Gota Cava a Pedra (por @leonardo___faria)

Meio Feel é um dos primeiros nomes que vem a mente quando se fala de grime nacional. Responsável por instrumentais emblemáticos como "Champloo", "Bicuda Riddim" e "Fifa Street", o produtor tem diversas colaborações com os principais MCs e produtores da cena.

Depois de alguns anos sem soltar um projeto maior, Meio Feel retorna esse ano com o EP A Gota Cava a Pedra, um disco de boombap que conta com três faixas instrumentais e três feats com os MCs Bruno Kroz, EVYLiN e Kyle Fortes.

O projeto se distancia dos trabalhos lançados anteriormente por ele, e apresenta uma nova face do produtor, que se consagrou na cena de grime instrumental em projetos como Cerol e Versão Brasileira (vol.1 e 2), que carregam faixas atemporais e necessárias para o entendimento da cena nacional. Trocamos uma ideia sobre as características, a identidade e a sonoridade que compõe esse EP, que marca o início de um novo momento na carreira de Meio Feel.


Esse EP foge bastante dos seus outros lançamentos na discografia, por mais que ainda esteja dentro da caixa de música eletrônica instrumental, ele tá distante da bass music — é um álbum de boombap — e queria saber o que motivou a criação dele.

Então, teve um tempo que eu tava com muita dificuldade de criar o que eu tava curtindo — grime, música eletrônica — e eu comecei a produzir muita coisa diferente, vários gêneros, para dar uma estudada mesmo, e quando eu pulei para tentar fazer uns boombap, uns trap, até uns lo-fi, eu tinha muita facilidade. E eu me lembrei que eu comecei a mexer com música por causa do rap, do boombap — eu tinha muita curiosidade de entender como funcionava todo esse sistema de gravação, captação, sample, sabe? A princípio eu nem queria produzir, eu queria fazer captação dos caras.

Quando eu comecei a entender mais os mecanismos de produção — que foi quando eu conheci o grime e outros cenários eletrônicos — eu pausei essa parada do rap e comecei a tentar produzir o rolê eletrônico, e foi quando comecei a lançar os primeiros refixes. Então, de certa forma, esse EP que eu lancei agora é tipo um resgate do meu começo, um retorno a onde eu comecei.

Capa de A Gota Cava a Pedra (por @leonardo___faria)

Eu me identifico e estou completamente dentro do cenário da bass music — do grime, refix, drill, ainda é o que eu mais faço, é o que eu mais gosto, que eu mais escuto — mas o boombap, o hip hop e o rap ainda fazem muito parte da minha vida e do meu começo como produtor. É um lado que tá aqui também, só que acabei fazendo outras coisas, né?

E acho que eu falei tudo isso só para tentar explicar um pouco do nome do EP, porque eu acho que o nome é isso: o lance da produção, de estar caminhando, persistindo, passo por passo, gota por gota, até alcançar alguma coisa. Seja essa gota um instrumental de grime, um refix, um boombap, um instrumental, uma participação, é mais sobre a trajetória, a teimosia e a persistência com a música e a produção, tá ligado?

Das seis faixas do EP, três são instrumentais e três são com MCs. Quem são esses MCs e por que convidar eles?

O lance da escolha dos MCs foi mais por afinidade e do lance de visualizar o MC na faixa. Eu já acompanho o trabalho dos três MCs — do Bruno Kroz, da EVYLiN e do Kyle Fortes — já de tempos: eu colaborei com o Kroz na faixa "Vapor", nós somos amigos, então a gente troca muita ideia, muita referência. Ele foi o primeiro que eu conectei no projeto — quando eu mandei a faixa ele ouviu e já falou: "mano, vou rimar" — e o bagulho já bateu diferente nele. Com o Fortes e com a EVYLiN também foi quase a mesma parada.

Quando fiz o convite, eu já tinha definido qual ia ser a faixa de cada e o que ia ser instrumental. O Fortes é um mano aqui de Londrina, da cidade onde eu moro, e como ele vem de um cenário de batalha de rima, ele é muito afiado com o lance de caneta. Eu lembro que ele teve até um pouco de dificuldade, mas mano, ele é um menor muito bom, a gente foi no estúdio de um parceiro aqui e o bagulho fluiu da melhor forma.

Eu queria trazer as pessoas que eu gosto e fazer de um jeito diferente, porque você vai ver o trabalho da EVYLiN, por exemplo, ela vem também do rolê eletrônico, de jersey, house, e eu trouxe ela para uma para uma faixa de boombap com um sax muito r&b. Eu imaginei um cenário diferente e ela deu o nome, tá ligado? Eu acho que foi mais esse lance de afinidade e de personalidade, eu acho que eles se encontram assim nas faixas.

Contracapa de A Gota Cava a Pedra (por @leonardo___faria)

E nessa questão, o que norteou a sonoridade do EP?

É muito pessoal também: como eu sou muito calmo, eu vou muito para esse lance, até fazendo grime — eu faço umas doideiras porque às vezes eu acho que precisa — mas no geral eu faço música mais tranquila, mais calma. É o meu forte, porque o que eu mais gosto de fazer é samplear, e geralmente o que me cativa a samplear é umas músicas mais tranquilas.

Eu não acho que esse EP seja uma parada tão explosiva, tão energética. Eu acho que ele tem sua potência, mas é uma coisa bem tranquila, bem calma, para você ouvir de boa, tá ligado? Pá, queimar um e ficar de boa.

Sobre o lado gráfico do trampo, foi você, que também designer, quem ficou responsável por essa parte?

Não, mano. Eu sou designer também, e graças a isso, eu tenho eu tenho muito contato, muito amigo, e nesse projeto eu contei com três pessoas que foram chaves. Minha esposa Ritiélly fez a captação dos vídeos e também me ajudou muito nas escolhas e em ditar o tom das paradas, tá ligado? Teve a fotografia do Lucas Oliveiro, que é um menor aqui da cidade que a gente já trabalhou junto em uma marca de roupas, e ele também já trabalhou com o RHR. Eu já sabia que eu queria uma parada mais artística, e sabia que eu podia contar com ele e com o Léo Faria, outro designer.

Eu sabia que eles iam entregar uma parada mais para o lado do conceitual, de abstrair a ideia e transformar em imagem também. Eu queria, a princípio, uma parada bonita, tá ligado? Eu queria fotografias bonitas, com conceito, que não fugissem do EP, porque eu acho que as músicas estão bonitas, então eu queria que o visual estivesse em conjunto com as faixas.

Fale um pouco mais desse conceito então, da gota cavar a pedra. Você explicou no Instagram que é sobre essa persistência, essa perseverança de estar sempre fazendo e uma hora sair.

Na real é um bagulho que fala muito de mim, da minha pessoa, da minha caminhada como produtor e eu sou muito teimoso. Eu acho que esse esse lance da gota cavar a pedra — água mole, pedra dura, tanto bate até que fura, que o pessoal fala — é teimosia pura, mano. É persistência, perseverança, mas é teimosia pura, e eu me considero muito teimoso.

Porque querendo ou não, eu já passei por uns bagulhos na vida que poderia ter feito eu desistir de fazer música. Na época que eu comecei a aprender música, eu era CLT, fazia faculdade e descobri que ia ser pai, então era muita coisa, mas não é só um hobby, é uma parada que eu amo. Então, acho que é um pouco disso, mesmo quando às vezes fica um tempo sem gotejar, uma hora volta a gotejar de novo e a gente faz acontecer. E não tem um objetivo concreto assim, talvez não seja furar a pedra de fato, né?

Mas é o bagulho da constância e de não deixar secar a fonte — continuar fazendo — porque eu acho que tudo isso é importante para geral que tá ouvindo, que me acompanha já de um tempo, mas é mais importante para mim, que estou fazendo. Porque ouvir uma sample desde o começo, transformar aquilo em outra parada, convidar alguém para rimar, botar aquilo dentro de um projeto, sair, as pessoas ouvirem e criarem uma conexão com aquilo, que é totalmente diferente daquilo que você criou, eu acho foda.

E o que você pode dizer sobre as faixas especificamente?

Eu posso falar no geral: eu acho muito interessante o projeto, falando pessoalmente, porque eu consegui misturar muita coisa que eu gost, juntei muita gente que eu gosto, que eu queria no projeto — eu estou fissurado no bagulho de sample, então eu juntei muita sample que eu queria usar. Tem sample brasileira, de jazz, de rap, de músicas que fizeram parte da minha construção também, então tem um pouco de tudo.

A última faixa, por exemplo, tem um skit do Faísca e Fumaça falando uma paradinha, isso foi um amigo meu que me passou — eu já estava precisando de um bagulho, procurando, ele nem sabia e mandou — é massa essas coisas, querendo ou não acontece pelo destino também. Mas é isso, eu consegui usar muita coisa, e cada faixa ali é um pouco diferente na construção.

Tem vários tipos de produção também. Tem umas que eu sampleei a bateria, umas que eu fiz a bateria, umas que eu sampleei só a melodia. Eu brinquei de um jeito que eu, pessoalmente assim, me orgulho, falo: "caralho, tem várias técnicas de sample no bagulho, tem várias variações da parada". 

E mesmo as músicas mais longas, a terceira, por exemplo, se sustenta sem voz, tá bem amarrada.

É, essa daí também é uma faixa que eu consegui cropar várias partes da sample, e eu deixei ela longa propositalmente para a rapaziada poder baixar, porque tem uma rapaziada que usa alguns instrumentais meus em batalha de rimas, tá ligado?

Então é um instrumental um pouco mais longo para a rapaziada, além de ouvir, poder utilizar de alguma forma, botar numa batalha ou querer fazer algum outro projeto, sei lá, um refix, um remix, o bagulho tá aí, mano. Tá liberado! [risos].

Essa parada das samples é muito forte, então. É o que norteia a sua produção, no geral?

Para mim sim, eu até sei tocar uns bagulhos, montar umas melodias, mas não é o meu forte e não é o que eu tento buscar no geral. Eu vivo escutando música, e agora eu tô com uma vitrola que eu ganhei de dia dos namorados e a minha a minha parada agora é comprar comprar uns vinis baratos, gravar esses bagulhos e fazer de uma maneira orgânica, porque é isso, a música tá aí, a gente tem que usar o bagulho.

Mas para mim eu acho que é o que norteia — eu tenho uma proximidade muito forte com isso, gosto muito e tento aprender cada dia mais como fazer, como respeitar o bagulho também, não só reutilizar de qualquer jeito. E acho que o refix também, querendo ou não, é uma escolinha para quem gosta de sample. Mas é isso, gosto muito do bagulho e é o que me guia.

E o que esperar agora dos futuros lançamentos? Esse EP de agora muda os caminhos que os projetos anteriores trilharam?

Eu acho que não. Eu acho que ele veio só como um respiro, talvez seja um recomeço. Porque na época da pandemia eu lancei muito grime, refix, e depois acabei dando um hiato, de praticamente dois anos sem lançar música direito. Aí voltei com esse projeto e eu quero que isso seja mais um start de uma nova era, de mais lançamento e mais projetos.

Eu acho que talvez isso dita um pouco o mood de algumas coisas que eu quero fazer — mas não o gênero, não o lance de de fazer só rap ou só boombap — mas o mood de fazer grime um pouco mais calmo, o lance do mellow grime, buscar essa influência e transformar nisso também.

Eu já estou trabalhando em outros projetos para sair esse ano também. Quero muito que saia o Versão Brasileira Vol.3, que é um EP só de refix, e mais um outro projeto só instrumental de grime, também. Mas não sei, estou trabalhando e vamos vendo.

(Foto: @lucasliviero)

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