A nova onda dos impressos de skate

Uma conversa sobre a CLIFE Magazine e o atual momento das revistas de skate

A nova onda dos impressos de skate
As atuais duas edições da revista, lançadas em agosto de 2024 e junho de 2025

Recém lançada, a CLIFE Magazine, revista de skate nascida em Barcelona com DNA brasileiro, chegou a sua segunda edição, marco que parece simples, mas em um mercado editorial de nicho tido como enfraquecido, é uma baita conquista. Convidamos Douglas Prieto, editor-chefe do projeto, para falar sobre como a CLIFE nasceu, desafios e o momento atual da mídia impressa.


Salve, Douglas! Tudo certo? Para começar, de quem foi a ideia de fazer a CLIFE?

A gente precisa voltar um pouquinho na história da C-Vida, que é uma skateshop de um fotógrafo, o Leandro Moska. Ele abriu essa loja há 10 anos aqui no Campo Limpo. Depois ele foi para Barcelona e abriu uma outra loja lá com o mesmo nome. Acho que lá a de Barcelona deve ter para 3, 4 anos. 

E aí no ano passado ele veio falar para mim que a loja estava fazendo 10 anos e que ele queria fazer uma revista comemorativa e me perguntou se eu poderia ajudar nisso. E aí começamos a montar a revista, ver o que a gente tinha de ideia, tudo. E nisso o pessoal lá da Espanha meio que começou a falar para ele: "porra, Moska, a gente tá na maior carência de revista, já que você vai se meter a fazer isso, por que você não faz uma revista que não seja somente da loja, que seja uma revista normal?". Até tipo, por exemplo, o pessoal da Al Carrer do Leandrinho, nos alertaram sobre a necessidade da existência de uma revista de skate, que gostariam muito de estar presente, mas que ficaria estranho uma loja anunciar na revista de outra loja.

Aí a gente abandonou essa ideia de ser uma revista comemorativa de 10 anos da loja e resolvemos fazer uma revista de skate sem nenhum vínculo com nada, fazer só uma revista de skate. E hoje a CLIFE já está na segunda edição e é uma revista de skate normal, porque ela não tem nenhuma ligação direta com nada, com marca nenhuma. E agora a gente ainda é um negócio, não digo experimental, mas a gente está fazendo no tempo livre, não tem ninguém dedicado a isso, 24 horas por dia, 7 dias por semana, mas é uma revista de skate.

CPTMAFIA | Fotos: Allan Carvalho | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

É uma revista feita por brasileiros, nascida na Europa, e escrita em inglês. Desde o começo vocês já estavam com essa visão? 

Então, a ideia era que a revista fosse impressa lá na Europa, mas as duas edições foram impressas aqui no Brasil. Ela tem essencialmente uma publicidade, uma parte comercial da Europa. Se você pegar a revista vai ver que a maioria dos anúncios são de marcas e lojas da Europa. Então é isso, ela é tipo, não totalmente, mas ela é comercialmente europeia, editorialmente brasileira e escrita em inglês.

E aí ao mesmo tempo de certa forma cria alguns problemas de distribuição, mas eu acho que esse é um caráter que tem muito a ver com o skate, que a gente acredita assim, que é uma parada que não tem fronteira. A gente fala inglês, tá em Barcelona, vem pro Brasil, brasileiro vai pra Europa, europeu vem para cá… Então é uma ideia meio que sem nacionalidade como o skate é, tá ligado?

Você falou que é um projeto despretensioso, mas percebi que teve um aumento de marcas chegando junto ao projeto da primeira para a segunda edição. Como tá isso?

Cara, eu acho que assim, o lance da primeira pra segunda ter dado uma crescida, é porque é muito mais fácil você mostrar o que você fez do que falar o que você vai fazer, entendeu? Então, muita gente que foi apresentada para primeira edição e não entrou, ou por não botar fé, ou por terem recursos limitados, às vezes não dá. Agora vendo a primeira edição impressa, já fica mais fácil para um cara saber onde ele tá se metendo.

Matheus Mendes | Fotos: Diego Sarmento | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

Apesar de ser toda escrita em inglês, nessa edição vocês fizeram uma matéria em português também, do Biano [Bianchin], certo?

Essa é uma coisa muito boa de estar começando um projeto do zero. A gente tem liberdade, tipo, a primeira edição foi em inglês, mas na segunda tem uma matéria que fez sentido estar escrita em português. A gente não tem nada que nos amarre, tá ligado? Eu acho que a gente pode fazer, acho que essa é uma liberdade que a gente sabe que, conforme o negócio vai tomando forma, vai precisando se encaixar em alguns padrões editoriais aí e tal, mas por enquanto a gente é totalmente livre. Se a gente precisar fazer uma matéria escrita em hebraico, a gente faz, tá ligado?

No editorial dessa segunda edição vocês falam sobre alguns lugares que ela chegou. Europa, América do Norte, veio aqui pra América do Sul também… Como foi essa distribuição?

Hoje em dia a revista acho que não tem outro lugar para ela ser distribuída que não seja em skateshops, né? Então, como tem matéria, skatista, fotógrafo e contatos em diversas partes do mundo, ela devagarinho vai chegando meio que através da mão dessas pessoas, chegando em todos esses lugares, né? 

E aí essa ideia foi meio que assim, quando eu comecei a olhar o que eu tinha de pauta na segunda edição, comecei ver que tinha a matéria do Copenhagen Open que tá acontecendo na Grécia. Aí, tipo, uma entrevista do Killian [Zehnder], que é um suíço quasileiro, que vive lá em Barcelona, está toda hora por aqui. Aí a gente tinha o Becker [Dunn], que é o moleque americano que faz carreira lá nos Estados Unidos. Aí a matéria do [Samuel] Jimmy recebendo o Kanaan [Dern] em Brasília. O Biano, 50 anos de idade, foi filmar em Barcelona, nos Estados Unidos e aqui no Brasil também. Então tinha todo um lance meio que global, que acabou sendo o tema dessa segunda edição, que é a ideia da revista mesmo.

Killian Zehnder | Fotos: Leandro Moska | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

Vocês chegaram a receber feedback da galera de fora daqui do Brasa mesmo?

Ah, cara, sim. Muita gente, principalmente lá da Europa, que viu a primeira já querendo saber da segunda, cobrando a segunda. Aqui no Brasil também, sei lá, eu pessoalmente acabei levando a revista em alguns eventos e aí a galera veio toda agradecida, porque todo mundo gosta de revista de skate. É um negócio que a pessoa pega com alegria. 

Então, o feedback tem sido muito positivo, especialmente por causa dessa coisa da escassez mesmo, de ter muito pouca revista, né? E a gente ficou bem animado com o que a gente ouviu da primeira e eu particularmente gosto bem mais dessa segunda edição do que da primeira, até porque a primeira foram algumas coisas que a gente tinha em mãos, coisa que tentaram encaixar em outra revista e acabou não saindo e tava pronta. E na segunda teve algumas coisas que a gente foi atrás de buscar e fazer.

Vocês já falam em periodicidade fixa?

Ah, a gente quer fazer duas por ano. Que nem, saiu essa agora e aí a gente já começou a conversar para fazer uma outra para ter ela pronta ali em novembro do segundo semestre.

Brian Anderson em Copenhagen por Paulo Macedo

E como é para você, como editor ter esse olhar de, cara, vamos fazer uma revista que ela funcione sendo semestral? Entender o que faz sentido entrar porque sabe que é "atemporal", digamos assim.

Eu acho que é tipo, é tentar pegar algumas coisas que você sabe que não vão ficar passadas, né? Ou que pelo menos fique aquele recorte de tempo ali, faça sentido falar… Na revista mensal às vezes você tinha algumas coisas que tinham que entrar, e agora a gente faz a revista mais como um meio, com um pensamento meio de livro mesmo. 

Que nem o Copenhagen (Open)?

O Copenhagen foi engraçado porque assim, talvez se tivesse sido um Copenhagen Open tradicional que tivesse sido em Copenhagen, talvez eu não tivesse colocado na revista, entendeu? Mas como foi um negócio único, o ano que foi em Atenas, isso talvez fez sentido de que fosse parar nas revistas. Talvez se fosse mais um Copenhagen em Copenhagen, talvez não não colocasse.

Matheus Souza | Fotos: André Calvão | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

Então você acha que hoje é mais fácil de montar uma revista, considerando períodos maiores para produção?

É mais fácil. Porque tem um movimento oposto que, ao mesmo tempo que o lance de fotografia digital aumentou absurdamente a quantidade da produção de conteúdo, diminuiu absurdamente a quantidade de lugares impressos para colocar esse conteúdo. Então, a relação de oferta e demanda nunca foi tão grande quanto agora.

Antigamente você tinha, vamos dizer, meia dúzia de fotógrafos e você tinha pelo menos 24 revistas, 12 Tribo e 12 CemporcentoSkate por ano para colocar as fotos que essa meia dúzia de caras estavam fazendo. Hoje em dia você tem 60 milhões de fotógrafos e tipo quatro revistas no mundo inteiro, tirando a Thrasher que é mensal, todas revistas de periodicidade pequena. Então essa balança do que é produzido para um lugar impresso descompensou muito nos últimos anos.

Por isso que eu te falo que é mais fácil fazer hoje do que era na outra época, porque na outra época tinha muita revista para fazer, tinha pouca gente produzindo conteúdo bom e era complicado. 

E por mais que existam 1 milhão de outras maneiras de mostrar esse conteúdo de foto, em rede social, um monte de coisa, os fotógrafos ainda têm essa coisa de tipo querer ver a foto na revista, talvez até mais do que, não sei se eu posso dizer, até mais do que os skatistas, mas o fotógrafo é um cara que tem uma relação mais próxima com essa coisa de editor, de papel. Então eu acho que justamente por causa dessa quantidade de material e menos revista para fazer hoje me parece um universo bem mais fácil do que já foi em outros tempos.

Becker Dunn | Foto: Mason Miller

Acho que é o gancho perfeito para falar sobre essa questão editorial. Primeiro, por que fazer?

Ah, cara, eu acho que no caso do skate específico, a revista é um negócio que faz muito parte da história do skate, tá ligado? Acho que uma pessoa fazer uma revista é quase pelo mesmo motivo que um cara sai para fazer um vídeo ou que um cara resolve abrir uma skateshop, entendeu? É uma coisa que faz parte do negócio. 

E claro que a revista envolve um monte de coisa, precisa ter uma viabilidade financeira, mas hoje em dia até essa coisa de impressão que antigamente, tipo, era sempre uma quantidade absurda para imprimir, hoje em dia você consegue imprimir 2000, 3000 revistas de um jeito mais tranquilo do que em outras épocas. E acho que é isso. Acho que é pelo fato de manter uma das coisas importantes do skate viva. E é por isso que aceito esses convites.

E se tratando da CLIFE em si, como você a enxerga nesse momento do mercado, em relação ao que já foi o universo de revistas de skate.

Acho que assim, na revista, o grande lance, apesar da gente ainda não ter conseguido fazer isso com a CLIFE pela falta de braços por enquanto, mas é que a revista você não pode mais imaginar que ela vai ser uma coisa que vai existir sozinha. Você tem que ter um um lance de site, de comunidades, de evento. A revista tem que ser um braço de uma coisa maior para ela ser viável comercialmente. Claro que a CLIFE tá começando ainda, mas em outras revistas que eu trabalhei e trabalho, a gente continua vendo a importância grande que a revista tem, mas como uma parte, não como uma coisa em si.

Biano Bianchin | Foto: Allan Carvalho | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

É curioso porque você me fala com um olhar otimista. O cenário não é dos melhores, mas você não concorda com a máxima, por exemplo, de que “o impresso morreu”?

Não, e acho que é otimista porque não é mais possível pensar uma revista como era pensado há 20 anos, que você vai ter um escritório onde vão trabalhar as pessoas pela revista e que a marca vai bancar a revista com um anúncio. Acho que esse modelo que sumiu completamente. O impresso não morreu, mas esse modelo, tipo, se você tentar viver nesse modelo aí é impossível, ele não existe mais.

Esse tipo, a revista da banca de jornal não existe mais. Tipo, você vai numa banca de jornal, vende tudo lá e algumas revistas e jornais. Num modelo de negócio mais atual, é bem possível fazer revista e torná-la viável e interessante e até comercialmente importante dentro de um outro esquema de coisas aí, não sendo só viver da revista.

É meio aquela história, de quando o YouTube começou a estourar, a galera tipo: "Ah, TV vai morrer". E no fim foi só tipo uma mudança de processo né?!

Para mim uma coisa cíclica interessante de ver no skate é que, eu tenho a mídia do skate antes do Berrics e depois do Berrics. Quando o Berrics chegou, para mim, pelo menos do que eu estava vivendo, foi a grande mudança. E foi engraçado, sei lá, não sei quanto tempo, se 10 anos, 8 anos depois, ter uma revista do Berrics, entendeu? Tipo, o bagulho meio que acabou com as revistas e dali a pouco existia uma revista do Berrics. Então, eu acho que é por aí, o que morreu foi um modelo de negócio que existia há um tempo atrás de revista, mas não a revista.

Gustavo Andrade | Foto: João Paulo Cunha | Direção de Arte: Guilherme Theodoro

Sobre modelo de negócio, novos caminhos além da revista, vocês lançaram merch também, né?!

A primeira coisa que a gente fez além da revista, que já está meio rolando é uma linha de camisetas da CLIFE, que nesse primeiro momento eu nem sei se isso vai acabar virando comercialmente ou se vão ser umas camisetas para fazer aquela distribuição pros skatistas usarem na sessão (risos).

Mas assim, tem um artista que tem matéria na revista, que é skatista que é o Thomas Henrique. Ele desenhou as camisetas para serem vendidas online. Talvez tenha um pack, talvez dê para comprar tipo camiseta e revista ou só a revista... Eu também não sei quantas camisetas foram feitas ainda, mas tô falando porque é só a segunda edição e já existe mais uma outra coisa com o nome da CLIFE, que é uma linha de camisetas, assim a gente vai crescendo pros outros lados.

E olhando para essas mudanças, você consegue visualizar próximas ondas de mudanças desses modelos ou você acha que a gente vai ficar nesse estado por um tempo?

É, eu acho que para CLIFE, especificamente, por estar começando ainda do jeito que eu falei, a gente quer e vai querer fazer mais uma edição esse ano ainda e começar a estruturar essa coisa de ter um canal do YouTube, alguma coisa pra revista existir além do papel. 

O fato é que tem muito canal do YouTube, muita conta de Instagram e tem muito pouca revista. Então, o que a CLIFE vai fazer? Vamos ter mais uma revista e aí fazer um caminho meio que contrário. Mas com o passar do tempo, quando a gente chegar na, sei lá, na terceira edição, no fim do ano, se a gente já tiver uma estrutura que permita ter alguém criando conteúdo de vídeo e crescer para essa parte digital... Acho que as revistas de papel correram atrás do digital e agora a gente tá fazendo um caminho exatamente contrário. A gente fez uma revista, que é o que tem pouco, e aí depois, aos pouquinhos, a gente vai voltando para essa selva aí, onde tem um monte de gente, entendeu?

Camisetas CLIFE | Estampas: Thomas Henrique

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