A nova era dos Diretores Criativos
Artistas mostram que um diploma não é o único caminho para assumir posições de criação no universo das marcas

Do mais completo nada, Jaden Smith foi nomeado o primeiro Diretor Criativo da linha masculina de Christian Louboutin. O movimento da maison francesa, reconhecida pelo icônico solado vermelho de seus calçados e símbolo de desejo por décadas, reacende uma discussão sobre a tendência do mercado, principalmente o de luxo, em ascender artistas à posições estratégicas, como o cargo de Direção Criativa, função técnica e de peso cultural enorme.
A escolha do herdeiro da família Smith para a posição até faz sentido, pois, desde muito novo Jaden se destaca como figura que desafia as normas de gênero em suas escolhas estéticas, geralmente de forma muito ousada e futurista. Uma marca como a Louboutin, que sempre teve sua linha masculina ofuscada pela bem estabelecida divisão feminina, tem no jovem rapper e ator um agente de renovação que, no fim das contas, é um dos principais motivos para o passo.

A contratação de artistas para assumirem o comando criativo de marcas, fato antes visto como exceção, virou regra de ouro para empresas que buscam não só revitalizar sua imagem, mas, acima de tudo, se conectar de forma autêntica com um público novo. O capítulo anterior dessa tendência foi escrito pela Vans, que escolheu a cantora e compositora SZA para ocupar o lugar de Diretora Artística. Tal movimento levantou uma questão: por que uma marca com história consolidada na cultura do skate, surf, BMX e mesmo na música, escolheria uma artista em vez de uma profissional de currículo tradicional e carreira na área? A resposta é complexa e já adianto que talvez não a responda toda por aqui, mas decisões assim residem no ponto de o diretor criativo, como papel, transcendeu as barreiras da função técnica e se tornou um farol cultural.
Mas o que faz um Diretor Criativo?
Para entender melhor essa transição, é importante desmistificar o que é a tal da Direção Criativa e o que realmente faz. Por padrão, a pessoa que assume o cargo é o cérebro por trás da estética e da narrativa de uma marca ou projeto. Fica na responsabilidade de conceber coleções, supervisionar as campanhas de comunicação e marketing, definir a identidade visual e garantir que a ideia e a visão sejam consistentes em todos os pontos de contato com o público. É uma função que exige habilidades estéticas, sensibilidade artística e um olhar comercial e técnico que, juntos, ditam o tom do que vai sair pro mundo, seja em uma vitrine ou nas telas.

Apesar disso, nos últimos anos, essa função foi atualizada e hoje o diretor criativo deixou de ser mais um estilista ou designer de produto e se tornou um curador de cultura, um arquiteto de comunidade e, como estamos falando de marcas, também um criador de desejo. E é nesse ponto que a experiência de um artista se torna relevante e possivelmente mais valiosa do que a de um profissional de carreira. Artistas como SZA carregam uma bagagem de referências, linguagem própria e uma autenticidade que são são bem difíceis de se fabricar, apesar das inúmeras tentativas da indústria. Eles têm a capacidade de traduzir emoções e narrativas em produtos, de transformar campanha em manifestos e de criar universos que vão além de simples itens.
Da música para o high-fashion
Poucos exemplos ilustram tão bem essa mudança de norma do que a ascensão de Pharrell Williams ao cargo de Diretor Criativo de Menswear da Louis Vuitton. A contratação, anunciada em fevereiro de 2023, gerou um misto de sentimento, mas principalmente euforia, curiosidade e ceticismo. A missão de substituir o papel que entre 2018 e 2021 foi desempenhado por Virgil Abloh era das mais difíceis, ainda mais pela Louis Vuitton não ter como tradição convidar criadores autodidatas para posições tão relevantes. No caso de Pharrell, a experiência em moda de luxo vinha principalmente de colaborações pontuais, duas delas, inclusive, com a própria maison francesa.

Para a confirmação de muitos e a descrença de outros, o impacto de Pharrell na Louis Vuitton foi imediato e, em sua primeira coleção, apresentada em junho daquele mesmo ano, ele não se limitou a apresentar roupas. Pharrell montou um show cultural que celebrava a moda, a música, a arte e a cultura de rua. Ele trouxe para o universo do luxo a irreverência e a fluidez que marcaram seu trabalho. A coleção não foi apenas sobre vestimentas, mas sobre celebrar uma visão de mundo, sobre abraçar a comunidade e criar um senso de pertencimento. Pharrell não precisou de um diploma em moda para fazer isso e sua experiência como artista, o vasto repertório de colaborações — como foi o caso da Billionaire Boys Club, projeto criado com o fundador da Bape, Nigo — e sua sensibilidade para captar o pulso cultural do momento foram seus maiores trunfos. Vale lembrar que essas experiências no mundo fashion eram diferentes, já que, no início dos anos 2000, o streetwear ainda não era visto como um elemento do universo das grandes passarelas.
O que a Louis Vuitton procurava em Pharrell era a sua capacidade de criar conexões. Ele não vende só as jaquetas e bolsas, mas sim atitude, um estilo de vida. Ele representa uma ponte entre a herança da marca e o futuro, atraindo um público mais jovem e diverso, que se identifica com sua trajetória e com sua visão.

Universos mais distantes
A estratégia de associar artistas a marcas não é inteiramente nova e, se tratando de música e moda, é mais fácil enxergar uma correlação. Mas lá no longínquo ano de 2010, a diva pop Lady Gaga foi nomeada Diretora Criativa da Polaroid. O objetivo era ambicioso: reinventar a marca em um momento em que a fotografia digital dominava o mercado. O resultado da aposta, chamado Grey Label, buscava unir a tecnologia vintage e o sentimento de saudosismo, à estética moderna. Por mais que o projeto não tenha alcançado o sucesso esperado, a parceria mostrou o poder de um artista em gerar buzz e direcionar o olhar do público para uma marca. Hoje, talvez seja possível dizer que o projeto foi lançado no momento errado, mas é fato que Lady Gaga, no auge de sua carreira e com um senso estético muito próprio, trouxe elementos de experimentação e inovação que a Polaroid, sozinha, talvez não teria conseguido. Não à toa, depois de quase falir, o que trouxe a marca de volta ao mercado foi um projeto independente que retomou a produção de filmes para as câmeras originais e, em 2017, comprou os direitos pela propriedade intelectual da marca.

Outro caso de sucesso, esse talvez incontestável, é o da parceria entre a Converse e o rapper, produtor e designer Tyler, The Creator, colaboração que começou após o artista romper com, olha só, a Vans. Iniciado em 2017, o projeto se solidificou com a linha Golf le Fleur e foi um dos grandes acertos da marca centenária. Tyler é conhecido por construir universos lúdicos e muito criativos, e pegou essa energia para ressignificar modelos clássicos como o One Star e o Chuck Taylor.
Uma diferença interessante aqui é que Tyler não foi nomeado formalmente como Diretor Criativo, mas sua influência e o sucesso das colaborações o colocaram nessa posição de fato. Ele demonstrou que a autenticidade é um ativo inestimável e construído, trazendo consigo uma comunidade de fãs que o acompanha há anos e compra não apenas um tênis, mas uma parte do seu mundo criativo.
Em contexto similar, a recente parceria entre o rapper A$AP Rocky e a Ray-Ban ilustra como um artista pode ser mais do que um embaixador. O marido da Rihanna é considerado há alguns anos um ícone da moda de rua e foi convidado a atuar como diretor criativo após ser flagrado utilizando modelos exclusivos da marca durante as sessões de seu julgamento criminal. O que poderia ter sido um momento de crise para a empresa de óculos, trouxe na realidade uma estética de vanguarda e a capacidade de Rocky em unir música e moda. Ao escolher cada detalhe das roupas, acessórios e claro, os óculos, Rocky não estava desfilando no tribunal, mas criando uma narrativa de superação, conquista e sucesso, que depois veio a ser apresentada nas coleções mais recentes.



O Futuro da Direção Criativa
A ascensão desses artistas inevitavelmente provoca uma reflexão sobre mérito e do porque pessoas, muitas vezes sem formação em design ou experiência no business, são escolhidas no lugar de um profissional que construiu sua carreira em ateliês e escolas de moda.
A resposta talvez esteja na compreensão de que, na economia que luta não só pelo seu dinheiro mas também por sua atenção, a influência seja a nova moeda de troca. Assim, o papel do profissional de carreira se transforma, com o designer se tornando o braço direito técnico, responsável por traduzir a visão artística e a narrativa em produtos comercialmente viáveis.
O debate parecia obsoleto, mas talvez ainda seja cedo para dizer se um artista é qualificado ou não para uma posição tão alta. A qualificação, neste caso, não é calculada pela quantidade de diplomas, mas pela capacidade de ressoar com uma audiência global, de ditar tendências e de traduzir uma visão em algo desejável. No fim do dia, a missão de um diretor criativo é construir uma narrativa que faça sentido, e isso os artistas costumam saber fazer bem.
A nomeação de Jaden para a Louboutin e SZA para a Vans não são por acaso. São a prova de que as marcas compreenderam que, para continuar relevantes, é preciso mais do que seus ícones imagéticos como o quadriculado e a Sidetripe, ou o solado vermelho. Após 60 anos, a Vans parece ter encontrado sintonia em uma das vozes mais autênticas da música contemporânea, enquanto a parceria entre a elegância de Christian Louboutin e a ousadia de Jaden apontam para uma nova era onde a verdade de um artista se torna o bem mais valioso de uma marca.