A lenda voltou: De Leve, Mantendo o Rap Vivo

Depois de mais de uma década, o rapper fluminense volta com um disco que reafirma suas raízes enquanto injeta uma nova dose de energia na cena

A lenda voltou: De Leve, Mantendo o Rap Vivo

Onze anos separam o último álbum de De Leve de seu novo trabalho, Mantendo o Rap Vivo. Tempo suficiente para ver o rap brasileiro se expandir, fragmentar e se reinventar em mil direções, do trap à MPB, das métricas aceleradas às melodias suaves, das mixtapes caseiras e downloads via Napster aos hits, que se antes bombavam no seu estéreo, agora bombam no TikTok. Nesse intervalo, o MC de Niterói permaneceu nas margens, observando o jogo de fora, mas com a mesma ironia de quem nunca acreditou nas regras. Seu retorno não soa como nostalgia, e sim como um lembrete: ainda há espaço para o humor ácido, a crítica social e a leveza, tudo junto e misturado, que sempre foram sua marca.

Nos anos 2000, quando o rap brasileiro ainda oscilava entre o discurso didático e a estética da denúncia, De Leve surgiu com um vocabulário novo. Vindo do coletivo Quinto Andar (não confundir com a plataforma imobiliária digital homônima), berço de nomes como Marechal, Lumbriga, Gato Congelado, Shawlin, Matéria Prima e DJ Castro, ele injetou humor e ironia em um gênero acostumado à seriedade. Suas rimas soavam como conversa na beira da praia, de bermuda e chinelo, mas escondiam críticas afiadas ao sistema, à indústria e até ao próprio rap. O Estilo Foda-se (2003) e Manifesto ½ 171 (2006) abriram espaço para uma vertente mais livre, sem glamour nem moralismo. Era o rap como comentário social, mas também como piada interna, que no fundo, sempre carrega muita verdade.

Quinto Andar, uma das melhores coisas que a virada do milênio trouxe pra cena

Hoje, o cenário é outro. O rap virou mainstream, enche estádio, domina headline em festivais e trilhas de comerciais de marcas globais, alimenta streams milionários e convive com múltiplas estéticas: o trap melódico, o rap mais alinhado ao pop, o experimentalismo eletrônico, e até a fusão com gêneros como o pagode, o sertanejo e o funk. Mas, nesse ecossistema complexo, a leveza e o sarcasmo que De Leve representava parecem ter perdido espaço. Mantendo o Rap Vivo chega, então, quase como um contraponto: um disco que não tenta disputar relevância com os algoritmos, mas relembrar que o rap também pode ser lúdico, crítico e despretensioso, e ainda assim verdadeiro.

Produzido por Felipe Play e Jonis, o álbum é enxuto e direto: onze faixas em pouco mais de meia hora, onde cada batida inspirada cozinhada pelos produtores funciona como terreno fértil para o flow e as ideias. De Leve não tenta soar atual, o que, paradoxalmente, o torna extremamente atual. O bom e velho boom bap é a espinha dorsal, mas o humor continua sendo sua arma mais poderosa. Em faixas como “Rap Fodase” e “Nem o Diabo Quer a Minha Alma”, o MC resgata o sarcasmo como forma de resistência. Já nas ótimas colaborações com Matéria Prima, Oreia, Batz Ninja e Putodiparis, o espírito é de troca, não de saudosismo. O velho e o novo se misturam, mantendo o rap vivo não como estilo, mas como atitude.

Capa de Mantendo o Rap Vivo

Voltar pro jogo depois de tanto tempo exige mais do que coragem, exige propósito. No caso de De Leve, o retorno é quase um ato político. Num cenário em que o rap virou produto, feats acontecem com foco em chegar no Top 100 do Spotify e o algoritmo passou a ditar as regras, Mantendo o Rap Vivo funciona como uma contranarrativa: um disco que não pede licença, não busca o hit e não quer ser hype. É a reafirmação de um modo de fazer: artesanal, crítico e autônomo, que sempre esteve no DNA do hip hop. Entre beats que fazem o pescoço balançar, punchlines, risadas e verdades, De Leve prova que manter o rap vivo é, antes de tudo, manter a própria integridade.

Mais do que um retorno, Mantendo o Rap Vivo é um lembrete: o rap é feito de ciclos, mas também de memórias. E artistas como De Leve são parte dessa memória viva, os que abriram o caminho para que o gênero pudesse rir, debochar e pensar ao mesmo tempo. Num tempo em que quase tudo soa planejado, sua espontaneidade e improviso continua soando necessário. O rap, afinal, segue vivo e é reconfortante saber que ele ainda pode soar desse jeito.


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