A juventude está com saudades daquilo que não viveu
Quando o futuro é nebuloso, a nostalgia bate forte

Filtros analógicos via apps no celular, dancinha no TikTok com músicas dos anos 80 e jovens de 19 anos assistindo Sex and the City, uma série de televisão que foi transmitida originalmente entre 1998 e 2004 são alguns exemplos de um comportamento cultural que pode ser visto, de modo geral, como nostalgia, mas que tem um novo nome: Anemoia, ou aquela saudade daquilo que a gente não viveu. O termo cunhado pelo neologista John Koeing há mais de 10 anos, ganhou força mais recentemente quando a Geração Z começou a se apropriar de signos e códigos da geração anterior.
Esse é um comportamento identificado mundialmente, mas que no Brasil, um país do sul-global, muito impactado pelo atraso ao acesso tecnológico e um perfil de produção e consumo de cultura próprio, tem suas peculiaridades. Os reflexos da aceleração digital foram e são muito fortes por aqui, além das transformações sócio-econômicas que aconteceram no começo dos anos 2000 e fazem alguns conceitos, como o de crises, mais específico. Mas vamos por partes.

No meu tempo era melhor
Olhar para o passado, sentir nostalgia de momentos da própria existência ou mesmo pesquisar e ressignificar a cultura de quem veio antes é algo comum. Acredito que você, em algum momento, ouviu de alguém mais velho que o tempo deles era melhor. Seja pela simplicidade das coisas, a segurança de jogar bola na rua, a possibilidade de construir um patrimônio ou mesmo ir ao show de um artista já falecido. Hoje, os millenials que cresceram ouvindo isso dos pais e avós, são os que reproduzem o discurso, mas talvez seja a última geração a fazer isso. Se no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, o futuro era cheio de possibilidades, para a Geração Z as coisas são bem diferentes.
Os nativos digitais nasceram e cresceram em um mundo de crises econômicas, humanitárias e climáticas, sendo esta última a principal responsável por tirar a perspectiva de futuro. Nesse contexto, a nostalgia se torna algo confortável de performar, e como os millenials, que hoje são a maior parte da população brasileira (34%), são em grande parte responsáveis por ditar o que está em evidência, logo, é o passado dessa geração que prevalece, fazendo com que a população da faixa mais nova a consuma e tenha como referência. Quase como aquele irmão mais novo que você encrenca mas é sua ref, sabe?
Então, para um grupo que vê pouca esperança e tem grandes cicatrizes geradas pelo isolamento que o digital traz, potencializadas por uma pandemia recente, a nostalgia tem o efeito de enfatizar conexões sociais em um passado que é visto como mais coletivo e compartilhado. É o poder da memória, que acolhe e faz do passado um lugar mais seguro, mesmo que esse passado não seja o seu.
@alinebahz doida pra usar muito essa belezinha ✨ #cybershot #digicam #pointandshoot #sony #sonycybershot
♬ how i love being a woman - editdiaary
A inflação das Cybershots já é realidade
Os millennials, última geração que viveu o analógico, experienciou conexões menos intermediadas pelas redes, e esteve mais ativa no período de aceleração do tempo, vê o seu passado ser ressignificado pelo mercado como forma de novos produtos culturais. O que nos leva a considerar outro ponto importante dessa discussão, que é a crise por originalidade.
Nada mais é novo?
Se vanguardas costumam ser formadas por pessoas que, através de uma sensibilidade e observação ativa, captam o espírito do tempo e se propõem a quebrar o status quo cultural vigente, em uma realidade que o futuro não parece tão real, o caminho mais fácil é olhar para trás. Mas o que está acontecendo não é o que Chico Science disse com modernizar o passado ser uma evolução, mas uma crise de novidade. Seja no audiovisual, na música, na moda e outras expressões culturais e artísticas, retornar ao passado deixa de ser um recurso para ser necessidade.
No Spotify, são inúmeras as playlists de pagode 90, ou recente sucesso dos MTG que resgata clássicos da música brasileira em uma nova roupagem. Na TV, 3 das últimas principais novelas da Globo são remakes e no cinema, a chance de encontrar em cartaz filmes de uma franquia com mais de 20 anos é gigante. E até na moda, sinônimo de auto-expressão pessoal, o mainstream transita entre bermudas da Cyclone, calças de cintura baixa e tênis de cadarço largo, de preferência com CGC e comprados em brechó.

O passado não chega no presente como ele era, mas cheio de novos elementos próprios do nosso tempo, reestruturados, com uma linguagem acessível para diferentes públicos, os que tiveram acesso originalmente e os que o terão pela primeira vez. O que importa é que essa memória possa ser compartilhada. No fim, apesar de todas as crises, em sua essência a nostalgia ou a anemoia não são tão ruins, mas se a memória é algo tão importante para a geração Z, é importante que eles construam as suas próprias e deem valor às vivências.
As diferenças entre o "eu da memória" e o "eu da vivência"