O Pasquim era a contracultura em estado puro
Um jornal brasileiro irônico que tinha forte relação com a música e com a cultura brasileira de oposição em meio à ditadura

O jornal O Pasquim, fundado por Tarso de Castro, Sérgio Cabral e Sérgio Jaguaribe (o Jaguar) foi um marco na história do impresso brasileiro. O veículo era uma oposição forte à ditadura, de maneira cômica, descontraída e com muita ironia. Uma resistência necessária frente a uma rigorosa censura que pairava sob solo brasileiro a partir do fim do anos 1960.
O Pasquim foi fundado um ano depois do AI-5, em 1969 e durou até 1991, tendo participado nomes consagrados de várias áreas da cultura, como Ziraldo, Chico Buarque, MIllôr Fernandes, entre outros. Era um jornal combativo, com sua maneira divertida, desejado por quem podia e não podia ter - na ditadura os jovens escondiam nas mochilas, levavam pra escola e se debruçavam em grupos para ler suas edições apreendidas pela censura.

O Pasquim trazia fotos, textos, entrevistas e colunas, mas talvez o que tenha ficado mais forte e o que tenha influenciado mais pessoas foram suas charges. O time de desenhistas contava com de grandes nomes como Henfil, Fortuna, Ziraldo, Duayer, Prósperi e, mais ativamente e, talvez, o mais importante, um de seus fundadores, o Jaguar. Ele foi responsável por criar, inclusive, o ratinho Sig, um mascote do Pasquim que viria protagonizar momentos memoráveis nas artes do jornal.

Claro que O Pasquim não ia deixar de ser alvo da ditadura militar só porque era irônico ou subjetivo: muito pelo contrário, suas prisões começaram cedo, já no seu primeiro ano. Em 1970, o Jaguar publicara uma charge com o quadro Independência ou Morte, mas no lugar da famosa frase, viria “Eu quero mocotó!”, que era algo como querer mais mulheres (mocotó era sinônimo de pernas femininas). A charge desagradou a censura e o prendeu no mesmo ano, junto de vários outros artistas brasileiros que desafiavam o status quo, como cantores do Festival da Canção.

1072 edições e dois discos lançados
Tendo 22 anos de duração, O Pasquim se tornou um marco na história do jornalismo brasileiro e inspirou (e inspira) várias gerações de humoristas e jornalistas que se prezam a enxergar o mundo com olhos atentos ao que é imposto na sociedade, mas sem perder a leveza.
Com 1072 edições, hoje o jornal encontra-se no acervo da Biblioteca Nacional Digital e pode ser acessado nesse hiperlink.
O Pasquim passeou não só pelo impresso, sendo influente em várias áreas. Rolou até uma música do Jorge Ben com o Trio Mocotó eternizando o jornal na música "Cosa Nostra".
"Que o Tarso de Castro não entende de jornal
E que o Sérgio Cabral é Vasco por fora
Mas Flamengo por dentro
Que o Luiz Carlos Maciel está entre o hippie e a Tropicália
Que o Ziraldo é anti-mineiro e só trabalha com barulho
Que o Jaguar e manager e aproveitador do Sig
Que o Millôr é o ex-marido daquela mulher, é é é...
Que o Fortuna pensa em fazer humor para fazer fortuna
Que o Paulo Francis está inserido no contexto da consumação... do uísque da "J&B";
Paulo Garcez vive com um clique na cuca, clique, clique, clique...
Que o Pedro Ferreti fala, fala mete o pau e não aparece;
Que o Sig morre de amor pela vedete Odete Lara e não é correspondido, que perigo...
Que o Henfil teve um problema patológico: ele é o próprio fradinho baixinho
E dizendo que eu só namoro empregadinha e que eu sou duro e só ando de trem...
Mas o que vai, vai, o que vem, vem..."
Outras músicas também citaram O Pasquim, como a Garota do Pasquim, de Dóris Monteiro e as entrevistas sobre música no jornal se tornaram marcantes. Nomes como Tom Jobim, Raul Seixas e Aldir Blanc tem entrevistas que são revisitadas até hoje, mesmo datando da década de 70.

O jornal também foi responsável pelos Discos de Bolso, uma publicação fonográfica d'O Pasquim contando com vários nomes da MPB, como Fagner e João Bosco, que até então eram meros desconhecidos. Esses eram um dos primeiros discos independentes lançados por aqui, encabeçados por Sergio Ricardo em 1972, em meio à ditadura.
Cada compacto mostraria uma música inédita de um compositor conhecido, e um compositor desconhecido de grande talento - Sergio Ricardo
O projeto teve apenas dois discos, mas foi um importante pólo de novos artistas brasileiros da época pós-Tropicalismo, que não encontravam muitos espaços para lançarem suas músicas com a repressão. Para o Sergio, "cada compacto mostraria uma música inédita de um compositor conhecido, e um compositor desconhecido de grande talento. Daí o grande caráter desbravador do Disco de Bolso. Era uma coisa jornalística, informativa."
O segundo Disco de Bolso, com Caetano Veloso e Fagner
A influência do O Pasquim pode ser vista até hoje
Com mais de 200 mil exemplares vendidos, O Pasquim influenciou grupos como Casseta e Planeta, a revista Bundas, a revista Piauí, entre outros que buscaram no humor e no pensamento fora da caixa para suas publicações e produções.


Essa foi a capa da primeira edição, em 1969 e a primeira charge da história d’O Pasquim
O Pasquim foi além de um jornal necessário contra a ditadura, foi um ato de resistência. Hoje, em 2025, suas influência se vê presente em grupos humorísticos, publicações periódicas, zines de contracultura, charges no instagram e sites como a ISMO. Cartunistas como Gabriel Tropz, Carol Ito, Victorcartum, RoteBC, Renan Cesar, entre muitos outros continuam levando o estilo ácido e humor combativo para as redes sociais e veículos em que colaboram.
Em 2025, nos despedimos de Sérgio Jaguaribe, o Jaguar, aos 93 anos de idade. Jaguar ajudou a fundar o Pasquim e seu legado e sua história foram gigantes, para além somente do jornal e dos desenhos.







Charges, mensagens e fotos faziam parte das icônicas capas do Pasquim