A arte da desconstrução de Iconek

Thiago Iconek fala sobre quadrinhos, música e tudo mais que o influencia

A arte da desconstrução de Iconek

Artistas têm diferentes inspirações e porquês das suas artes. Com o Thiago Iconek, sua arte tem berço nos sons que ouve desde criança, nos quadrinhos comprados ainda na adolescência e nos rolês que fazia com o irmão. 

Forte nas ruas com seu grafite, Iconek é figura presente no cenário urbano de São Paulo e atualmente divide o Ateliê Àrrisca no centro de São Paulo, com três outros artistas. Lá foi palco do nosso papo, que você lê na íntegra a seguir.


Sua arte tem uma relação grande com o rap e com os quadrinhos. O que veio primeiro na sua vida?

Veio meio que tudo junto, mas os quadrinhos vieram primeiro. Meu irmão mais velho colecionava Spider Man, mesmo sem a gente ter muita condição de ter os quadrinhos, mas a gente comprava na banca quando podia e lia bastante. Depois a gente criou o nome ICONE, por causa do personagem Icon, da DC, e era só nós dois fazendo. 

Eu estava começando, meu irmão tinha mais o dom, eu era mais o ajudante. Em 2005 ele parou de assinar ICONE e eu continuei fazendo arte. Em 2015 ele voltou assinando Cure.

Já a música me tocou muito, desde pequeno. Minha primeira lembrança foi uma festa perto de onde eu morava, em 88 ou 89 e ouvi aquela música do Information Society, “Whats on your mind” e essa foi a primeira que me pegou mesmo, que eu prestei atenção. Meu pai sempre foi uma pessoa musical, ele era cantor profissional no Rio de Janeiro e a gente sempre teve um som em casa. A gente vivia ouvindo Antena 1, depois ganhei um walkman amarelo e ouvia bastante o rádio, pagode, clássicos e tudo mais. 

O que era o ICONE nessa época aí?

Era grafite. A gente tinha conseguido emprestada a revista dos Gêmeos, a FIZ, a gente tinha o volume 2, e a gente se apaixonou, começamos a fazer letra, aquelas de Nova Iorque, começamos nessa pegada. 

Os irmãos ICONE

Seu processo criativo hoje é parecido com o dessa época?

Não, é totalmente diferente. Nessa pesquisa atual eu busco a desconstrução do que fiz há 20 anos, que foram as letras nas ruas. É um processo diferente e tem muita influência das coisas que estão à minha volta, das coisas que gosto, a música, videogame, quadrinhos e o hip hop. Todo lance afetivo que me traz uma memória boa, tento inserir dentro dessa desconstrução do que eu criei na rua. 

A gente conversando aqui hoje mais cedo, você comentou que depois da pandemia, você deu uma travada, não estava conseguindo criar como antes. Essa desconstrução veio depois disso e/ou por causa disso?

Não, eu já estava fazendo esse tipo de trampo. Na pandemia foi a minha época mais criativa e quando eu mais consegui desenvolver minha pesquisa. Estava recluso e consegui até fazer exposição online, a Disco Record, com obras que olho e penso que não vou conseguir chegar mais nessa magnitude. É bem louco isso, né? As coisas que acontecem, não é só sobre estar ali e fazer, muita coisa influencia - o que você estava ouvindo, assistindo, o que estava acontecendo localmente… É toda essa atmosfera, é muito louco isso. 

Qual a diferença entre pintar na rua e pintar em tela? Existe algum modus operandi que te faça pintar coisas diferentes nessas plataformas? 

É diferente mas tem uma ligação. Gosto de manter estética e conceitualmente minha ligação com a rua. As composições na tela lembram o que gosto de fazer na rua, mas é um processo diferente, sim. 

Fazer letra na rua é um processo A-B-C-D, um processo atrás do outro. Fazer tela é diferente, tem umas que faço metade e depois vou inserindo coisas aos poucos. É diferente, mas tem uma ligação vendo os dois trabalhos. 

Você é um cara que eu sei que faz trampos diversos com sua arte, seja pro Corinthians, seja pra casas culturais da prefeitura, seja pra marcas... Eu vejo que o artista tem que fazer as vezes de "designer" e atender expectativas do cliente também, trabalhar com seu guide... Como é isso, as pessoas te procuram querendo sua arte ou você tem que se moldar às expectativas do cliente? 

A minha experiência, nos trabalhos mais relevantes, foi com as pessoas vindo atrás do meu trabalho, seja nas letras ou nos fragmentos, mais abstrato. Mas hoje em dia existe todo tipo de briefing que você pode imaginar (risos). Eu sou muito sincero com a minha parada, se eu vejo que não é algo que eu faço, por exemplo, mais realista ou figurativo, eu falo até pra não criar expectativas. 

Hoje o Grafite está inserido em grandes galerias e exposições de arte, mas sinto que parece que os caras valorizam mais os desenhos e coisas mais abstratas do que letras e bombs. Existe uma discussão no grafite sobre isso, essa minha percepção é real mesmo? Ou existe espaço para a tag ou as letras? 

Aqui no Brasil existe, não sei se é uma resistência, acho que é algo mais cultural. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem o Museu do Hip Hop, que tem bastante grafite. Em Miami também tem um espaço para o grafite e para exposições de letras. É algo cultural de lá, é a raíz dos caras. 

Hoje eu tenho um olhar diferente, eu até ficava revoltado com isso antes, mas fato é que não tem um lance cultural aqui. A street art aqui começou com o stencil, algo mais figurativo e depois vieram caras como Os Gêmeos, Vitché, Speto… E as letras eram mais ligadas ao hip hop - mesmo a maioria dos letristas que conheço não serem ligados ao hip hop, o que é meio louco (risos). 

É uma questão de nicho e algo comercial também. As pessoas aqui não colecionam e não compram letras aqui, é algo mais cultural na minha visão. 

Eu fiz poucas letras em quadros. Fiz bastante letras em papéis e tem uma galera que curte o grafite e que gosta disso e vai comprar. Mas se eu tiver que inserir letras nos quadros, vou inserir e é isso aí, gosto de fazer esse link e não tenho problema nenhum com isso. Eu não penso em uma questão comercial, eu quero deixar minha marca, fazer algo diferente. Não deixei de fazer letras nos quadros porque não vendia, sabe? Pra mim foi uma evolução, conhecendo a história da arte, estudando e criando meu caminho. 

Iconek na segunda bienal de Grafite

Onde você está com sua arte hoje?

Eu me defino como grafiteiro e um artista visual. O grafite vai estar sempre na minha vida, é um lifestyle, é outra parada. Hoje estamos aqui conversando, trampando, mas amanhã tenho uma folga e se eu tiver possibilidade de pintar uma letra numa viela, eu vou fazer, mano. Isso vai estar sempre na minha vida, são mais de 20 anos fazendo isso. 

Eu me vi como um artista e encontrei possibilidades para desenvolver uma estética, uma pesquisa junto do que eu vivi, o hip hop, as letras… Eu tenho um estudo paralelo que leva para a desconstrução, para o abstrato, e tem várias pessoas que fazem isso. Eu sou mais um, estou aprendendo (risos). 

Vejo que sua arte é muito musical. O quanto a música tem peso na sua arte?

A música influencia muito, cara. As pesquisas e as séries que faço tem muita ligação com música. Quando comecei a desconstruir minhas letras, consegui encontrar um espaço para inserir o conceito da música dentro das composições - isso era algo que eu não encontrava nas letras.

Influencia muito, desde pintar ouvindo música até inserir conceitos e ideia de música. O que mais ouço é o rap, a black music em geral, soul, R&B, jazz, rock… Tudo o que vem dos anos 80 pra mim é um fascínio, porque foi com o que cresci, musicalmente e culturalmente. Eu gosto de explorar tudo. 

Eu morava na Cohab, na Cidade Tiradentes e já estava rolando essa época a MTV mas lá em casa não pegava. Era 1995. Um dia meu pai veio com uma antena que pegava o canal, mas tudo chuviscado e eu vi que era algo de música mas não sabia exatamente o que era, até que um amigo mais velho me explicou o que era a MTV.

DiscoRecord é uma das coleções do iconeK e mostra bem essa junção de música e arte

Depoi me mudei para São Matheus, em 99 e comparado à Cidade Tiradentes, era mais perto do centro, e pegava a MTV. Aí foi um portal pra mim porque eu comecei a consumir tudo que ela tinha, pop, eletrônico, hardcore, heavy metal, tudo. Isso me ajudou a ser um cara mais eclético, a respeitar mais os ritmos e tentar entender. Hoje eu gosto de tudo para tentar compreender e foi bastante por causa dessa época. Teve o Rock in Rio também nesse meio tempo, que também me ajudou a conhecer coisas e ouvir de tudo. 

Hoje minhas playlists tem de tudo (risos). Quando eu entendi que o Spotify era um portal que me ajudava a estudar a música, me trouxe muito mais coisa. Estudar catálogos, ouvir coisas que eu não conhecia… Mas voltando ao jazz, eu era mais novo e ficava pagando de ouvir jazz, mas era difícil pular naquela piscina (risos). Hoje eu consigo ouvir e compreender. Tudo isso impacta na minha arte. 

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Junto da Intermanus, um boneco referenciando o MF Doom com um boné fat caps mesclando hip hop e grafite no personagem do Iconek

Hoje você está no Ateliê Àrrisca, no centro de São Paulo, com outros artistas. Isso te ajuda a criar? 

Foi uma parada fundamental, essa troca entre artistas me faz muito bem, ver outro tipo de cultura, outro tipo de técnica - essa foi a coisa principal desse ateliê. Foi o que me fez voltar a trampar e a fluir a minha criatividade. 

Parte da parede do Thiago no Ateliê

Me fala um pouco sobre essa coleção do Coisa e do Dr. Doom. 

O Coisa é um super herói que eu sempre gostei e sempre quis desenhar, trazer ele pra essa minha pesquisa. O Dr. Doom é um antagonista do Quarteto Fantástico e, como fã de quadrinhos, quis criar uma história. 

Aí criei um embate em que eles atravessam um portal invisível e são contaminados por um vírus chamado Fragnito, que decompoe a pessoa mental, sensorial e materialmente. A forma mais grave do vírus é a material, que é a parte do meio da tela. Eu trabalho essa série com atos, sendo o primeiro um print, como se fosse a capa do gibi. A segunda é essa parte das 6 telas, que é o embate. E a terceira parte é o início da mistura dos dois, eles se fragmentando e tornando um só. 

Vi nessa série também uma possibilidade de criar merch. Ela surgiu no meio da série dos cristais. 

As fases do Fragnito no Ateliê Àrrisca

Que é sua próxima exposição, né? Vamos falar dela. 

Essa foi a primeira exposição que consegui terminar aqui no ateliê. Ela chama Crystalzz, com dois Z no final fazendo referência ao jazz. Ela se baseia em processos e buscas - cada pessoa tem atalhos para conseguir chegar nos seus processos de uma forma ideal. Um escritor tem as manhas para escrever um bom texto; um dj sabe qual sebo que consegue encontrar bons discos; um vendedor de melancia, bate na melancia e sabe qual ele vai comprar. 

O conceito é esse e visualmente eu me inspirei nos cristais e nas jóias. É uma exposição por lotes, o primeiro processo é das pedras soltas que você garimpa. Depois disso, é o processo de lapidação até chegar no brilhante, e por fim a gema, a jóia. 

É sobre processos, buscas e garimpos, algo que todo mundo tem dentro de si para achar sua arte. 

Um preview rapidinho da Crystalzz, que vai ao ar em setembro de 2025

ISMO
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