50 anos de Lenora de Barros
A língua afiada de uma artista que tirou a poesia do papel

Se tem alguém que conseguiu pegar o texto, a palavra, a linguagem, e transformar seus significados e aplicações, esse alguém é Lenora de Barros. A artista paulistana nascida em 1953, se formou em linguística em 1970 pela USP e, como a fruta não cai muito longe do pé, a filha do pintor e fotógrafo Geraldo de Barros (1923 - 1998) logo começou a explorar também as artes visuais. O que não se esperava é que os dois universos, da palavra e da imagem, estariam tão presentes no trabalho que a artista desenvolve até hoje.
Lenora tensiona os limites das diferentes categorias artísticas, trazendo elementos dos mais variados universos em uma metalinguagem que resulta em materiais provocadores, algo que a arte na década de 1970 precisava ser.


Homenagem a George Segal (1975 e 1990)
Poesia em greve
Muito inspirada pelo Concretismo, movimento artístico que buscava quebrar as ideias de forma e conteúdo, muito presente nos textos, Lenora se aproximou de grandes nomes como Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e outros, com quem trabalhou em 1975 na edição da revista de arte Poesia em Greve, ou Poesiaem G, nome feito para despistar a censura do regime ditatorial.
Na revista, Lenora pega um trabalho que começou a desenvolver ainda na faculdade e coloca no mundo como Homenagem a George Segal. Na foto-performance, que chegou a ser realizada em vídeo anos depois, Lenora referencia as esculturas de gesso de Segal e se propõe a discutir sobre o engessamento da linguagem. A primeira experimentação com as artes visuais já foram um indício do que viria mais pra frente.
Trecho e A cara. A língua. O ventre. (2022)
A língua
Em 1979, Lenora cria “Poema”, uma série fotográfica que surge do desejo em discutir a relação entre palavra e imagem. A artista já disse em entrevista que o trabalho nasceu quando buscava uma forma de escrever um poema sobre escrever poemas, mas a angústia de não conseguir colocar isso em palavras e o universo de possibilidades que estar na frente da máquina de escrever a apresentava, fez com que ela tomasse um outro caminho.
Nas fotos, Lenora usa a própria língua para digitar e interagir com o objeto criador dos textos, como se quisesse diminuir a distância entre ela, criadora do poema, e a máquina, que o materializa. A língua, com duplo significado, se torna então o principal objeto do trabalho da artista dali pra frente.
Outros projetos como Linguagem (1990 - 2022), em que sua própria língua é registrada por diferentes fotógrafos por um período de mais de 40 anos, sendo transformada pelo uso, no sentido literal e abstrato, Dizendo quase nada (1979 - 2013), onde retoma a máquina de escrever como objeto participativo, e A cara. A língua. O ventre (2022), video-arte em que utiliza argila para criar caras e bocas, literalmente modelando-as como bem quer.






Poema (1979)
Poesia
Apesar de sempre trazer diferentes suportes para seu fazer artístico, a poesia e o texto sempre estão ali presentes. Seja entendendo as letras como símbolos gráficos, ou o som da fala ao ler os textos, Lenora pega a sua bagagem de formação como linguista e brinca com os conceitos de significante e significado, o que são os objetos na vida material e como trazemos os seus significados para o mundo das ideias, palavras, sons. É uma para que parece meio cabeçuda mas que, como qualquer arte deveria ser, não precisa ser compreendida só pelo o que a artista coloca em nossa frente, mas também passa pela visão que colocamos sobre as obras a partir do que sabemos e vivemos.
Hoje, 50 anos depois de se colocar no mundo das artes, Lenora segue uma vanguardista, artista presente em movimentos definidores das artes no país e também construtora do futuro. Ainda na ativa e com exposições pelo mundo todo, é das figuras importantes de se conhecer e reconhecer por que ama arte, como nós aqui da ISMO.





Procuro-me (2001), Dizendo quase nada (2013), Língua Vertebral (2010)