ruadois e sua Sinfonia Marginal

Mirral ONE e Well contam sobre os processos do disco e a trajetória do coletivo

ruadois e sua Sinfonia Marginal
Foto: @______mene

Sinfonia Marginal é o primeiro disco de estúdio do coletivo mineiro ruadois, formado por DJ Akila, Mirral ONE e Well. O álbum chega depois de quatro anos do primeiro lançamento do trio, o live set Proibido Estacionar - Vol.1. Desde então, esse primeiro ganhou uma sequência e outros dois EPs foram lançados, S2 e Entreato.

Os sets gravados surgiram da vontade de criar, costurando trechos de letras que já existiam em cima de batidas de amigos. Depois de um tempo, ir para dentro do estúdio se mostrou necessário: "a gente fundamentou todo o nosso corre na música eletrônica, mas o que a gente produzia era ao vivo, então nossa música não era tocável para o DJ", conta Well.

Proibido Estacionar - Vol.1 (outubro de 2021)

A intenção era de se manter próximos à rua, e mostrar que a música eletrônica não era só aquela consumida pelos playboys, como acrescenta Well: "era justamente essa sinalização que a gente queria passar, de ser algo real, algo próximo, e é o que a gente focou mesmo — em show, performance com a galera. Nosso foco era em sempre estar ao vivo, presente, e depois fomos para estúdio, porque a gente precisava também criar um produto para vários acessos, e isso foi se amadurecendo. Mas a gente nunca deixou de trazer a essência que a rua deu pra gente, desses ensinamentos — tanto no discurso quanto na postura."

Não deixaram mesmo, pois vemos em Sinfonia Marginal vários traços estéticos da dinâmica dos sets, com as variações de intensidade e uma grande mistura de gêneros. Essa ideia se fortalece com a apropriação da estrutura da sinfonia para a construção do disco, uma forma elitizada e distante do universo das ruas, que ganha aqui outro significado e interpretação.

O disco explora a não linearidade da vida, e reflete uma vivência mais comum, com os vários altos e baixos que ela traz: "ele nasceu da vontade de refletir nas linhas a nossa vivência, a nossa perspectiva em relação ao mundo. Quando a gente começou a pesquisar, desenhar, a gente percebeu que eram muitas coisas e que a gente tinha que organizar essas coisas de alguma forma. A gente encontrou a sinfonia, pesquisou questão de formato, como funcionava, e cabia muito bem com essas nuances. Apesar de serem atos bem definidos, ela espelhava um pouco daquilo que a gente queria passar", explica Well.

Se trata, também, de uma homenagem à trajetória do ruadois — é o resultado de cinco anos de trabalho, ao longo dos quais eles aprenderam a trabalhar juntos, lidar com as adversidades e adquirir a bagagem necessária.

Apesar de Mirral e Well assumirem a cara do projeto, ele foi construído de maneira coletiva, com produções de Arthur PS e participações de Alt Niss, Liah, Ogoin, JOCA e DiPaiva. Akila, a DJ do coletivo, não aparece ativamente no projeto, mas segue focada na parte da performance, sempre presente nos sets e shows.

Capa de Sinfonia Marginal (foto: @______mene)
"Acho que Sinfonia Marginal reflete isso também —
a dificuldade que a gente tem pra poder produzir, problemas da vida adulta, alguns questionamentos que a gente tem sobre o nosso próprio corre. Trazer essa percepção de quem tá à margem, não só da sociedade, mas do acesso à cidade, às oportunidades." — Well

O disco é dividido em quatro atos, que se diferenciam pelos gêneros e sensações exploradas. "O Sinfonia é uma conexão de tudo que a gente fez nesses cinco anos, então tem garage, tem boombap, tem drum and bass, e a gente quis apostar também no footwork, que foi um bagulho que eu sempre chapei. A gente tava com a ideia de fazer esses interlúdios, mas não sabia como, e o footwork veio como uma luva na parada — essa coisa curta, de repetição, que tem muito dentro do gênero, e que com pouco a gente consegue falar muito", explica Mirral.

O footwork é um gênero ainda muito pequeno no Brasil, mas que vem conquistando o seu espaço. Originado em Chicago, empresta a sua sonoridade para os interlúdios "Suspeito" e "Caos Urbano", que funcionam como alerta de transição de atos e ampliam o universo sonoro do ruadois.

A faixa "Sublime" em colaboração com o JOCA, apresenta outra sonoridade que não havia sido explorada anteriormente — o afrobeats, gênero que apresenta uma roupagem pop, misturada com o R&B, para a tradição dançante da música africana.

Foto: @______mene
"A gente sempre levantou essa parada que a gente faz música eletrônica periférica, para se distanciar desse rolê que os playboys tem chegado em peso e tomado de assalto. Música eletrônica é preta." — Mirral ONE

A vontade de explorar outros ritmos, e não ficar só na música eletrônica, veio a partir da incompreensão de parte do público, que não entende o lugar de onde ela vem e o significado que carrega em si, como conta Mirral: "a gente achou que poderia e deveria investir também em outros ritmos — não se delimitar somente ao UK garage, ao drum and bass. A gente sentiu que é uma parada nova que chega pra uma galera, só que pra outra parte, não tava comunicando tanto. Você vai trocar uma ideia com um mano do rap falando que você tá fazendo música eletrônica, os caras não pegam muito, música eletrônica vai muito pra um lado de música de playboy."

O trabalho chega em um momento de amadurecimento e foi construído essencialmente na base das conexões. "Essas visões que a gente ganhou ao longo do trajeto foram muito valiosas, e as conexões também. A galera que trampou com a gente faz parte dessa orquestra, porque sem um ali, a parada não ia funcionar — desde a pessoa que fez uma assistência, até quem tava liderando a parte de audiovisual ou de cenografia", conta Well.

Sinfonia Marginal se desdobra também em um Short Film, produzido pelo estúdio criativo multidisciplinar FRESCO, que como explica Well, procura, assim como o projeto num todo, falar sobre a dificuldade de sonhar no contexto em que eles se encontram hoje:

"Eu trabalho regularmente, de segunda a sexta, em escritório, não consigo me sustentar com a minha arte, e isso é frustrante, tá ligado? Meu sonho é que eu pudesse fazer arte 24 horas por dia. Mirral tá na mesma situação, também tem um trabalho, cumpre aquela demanda e também não consegue viver disso. Várias pessoas tem essa mesma inquietação, para além da arte também, às vezes a pessoa tem uma pira de esporte, que joga muito bem, mas provavelmente não vai ter uma chance de seguir carreira por conta de vários entraves que a vida tem, que essa sociedade traz.

O disco vai passando por essas nuances, eu acho que o vídeo passa por isso — na correria, desorientação e, sem saber o que você tá fazendo, você troca o seu tempo pelo sonho. O vídeo tem meio que um final feliz, que é essa realização, a pessoa conseguindo se conectar com a música, conseguindo se conectar com o sonho."

Foto: @______mene
"Tudo que permeia essas músicas é a vontade que a gente tem de fazer a parada acontecer." — Well

Mais do que construir uma cena, a proposta do ruadois agora é a de explorar novas sonoridades, sempre conseguindo imprimir a própria identidade no que eles se propõem a fazer: "a gente vai pulando de galho em galho, uma hora a gente acerta uma, e sem abandonar o que a gente tá fazendo. Porque tem UK garage, tem drum and bass, tem footwork, tem boombap, tem afrobeats, e a gente vai dando a nossa cara, nossa textura, em tudo que a gente produz", completa Well.


Ouça Sinfonia Marginal, primeiro álbum de estúdio do ruadois, já disponível nas plataformas digitais.


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