Rádio Ontem e os programas para além do rádio
Nicolas Prado fala sobre música alternativa, produtos e espaços para pertencer

O rádio é um dos aparelhos de comunicação mais prolíficos da história da humanidade, um dos mais importantes e um que persiste e resiste ao tempo e às mudanças tecnológicas. Suas ondas levam informação, música e uma porrada de outros assuntos, no AM e no FM. Mas existem outras rádios, para além dos aparelhos de áudio, que fazem um trabalho cultural muito maior do que os jabás e os direitos autorais permitem. As rádios piratas de ontem viraram rádios online de hoje, coexistindo ainda essas duas em um ambiente onde pessoas buscam informações específicas, entrevistas inéditas, sons mocados e assuntos alheios às notícias gerais.
A @ontemradio (Ontem Rádio) é uma dessas, uma rádio online independente com uma programação mensal com uma proposta muito mais voltada para o nicho do que para o mainstream. Com uma atuação online mas grande presença no físico e no olho-no-olho, Nicolas Prado, a pessoa por trás da Ontem, conversou com a gente sobre fazer uma rádio independente e sobre existir para além do áudio.
Como surgiu a ideia de fazer uma rádio?
Ali pelo finzinho de 2019, eu tinha vontade de fazer uma marca de camiseta, de fazer um negócio que eu conseguisse fazer em casa. Mas fazer camiseta por camiseta, não fazia muito sentido na minha cabeça, tinha que ter alguma coisa a mais, tinha que ter alguma outra plataforma que justificasse a pessoa achar aquilo legal e querer comprar, usar uma roupa, usar um negócio que eu fiz.
Esse plano ficou um bom tempo no papel só. Eu pensei ele em 2019, fiz o logo, pensei o nome e tudo mais, mas realmente só entrou no ar em 2021, no finzinho da pandemia ali, para virar de 20 para 21, eu estava com essa vontade de fazer produto, mas eu tive o ponto que eu falei assim: "cara, não, só a camiseta não dá”, e tentei achar algo que eu conseguisse fazer.
E eu achei na rádio online um espaço interessante para isso, cara, porque eu sou DJ, eu também faço som, eu tenho um monte de amigos que também são DJs, pessoas próximas, amigos que fazem podcast. E aí o que simplesmente seria Ontem, que era uma marca de camiseta, um desejo de virar produto, se transforma em Ontem Rádio, que aí eu chamo as pessoas próximas de mim para fazer também, principalmente esse esse grupo aí de pessoas que durante a pandemia estava fazendo muita coisa legal, que estava colocando conteúdo digital organicamente por gostar mesmo, fazer por amor. Era simplesmente a expressão pessoal.
E eu achei interessante conseguir juntar esses interesses que eu tenho, essas coisas que eu gosto em uma plataforma só, porque a rádio é um lugar que eu falo de som, que eu toco as músicas que eu gosto, que eu dou espaço pros meus amigos DJs e pessoas que eu acabei conhecendo no meio do caminho, como colaboradores e participações especiais. Depois também voltou ao desejo de fazer produtos atrelados a isso.
E aí também acabou se transformando em uma coisa nova, que é uma plataforma para produzir eventos. Eu sempre fiz evento na minha vida profissional, sempre fez parte ali do meu dia a dia, da minha rotina como como profissional de marketing e, ter a rádio, ter esses ouvintes, ter essa recorrência, todo mês fazendo coisas, me deu esse espaço para algumas casas começarem a me chamar, oferecer umas noites, fazer amizade com essas pessoas também.
Então, nasce como uma coisa pequena, que era um objetivo só, produzir e vender camisetas e se transformou em um conglomerado de mídia (risos).
Claro que é uma brincadeira, né? Mas se transformou numa coisa que eu consigo expressar e colocar os meus gostos de várias formas pro mundo, para sair do meu computador, para sair do quarto da minha casa e chegar na casa dos outros, chegar no celular dos outros.
Em resumo, bem resumido, a Ontem Rádio é isso, cara, é uma rádio online independente em que eu encontrei um espaço para tocar as coisas que eu gosto e apresentar pros meus amigos e para as pessoas próximas de mim uma forma de colocar som, de colocar conteúdo e a gente brincar de de ter uma rádio.

Por que esse nome ONTEM?
É muito simples: é porque é fácil de fazer logo. Eu tinha o desejo de qualquer coisa que eu fizesse, qualquer empreitada que eu fizesse nesse universo, seja de cultura ou seja de moda, eu gostaria que fosse o nome em português e fosse uma palavra só. E aí lá em 2019, né, quando o nome realmente surgiu, eu escrevi vários nomes de uma palavra só com esses critérios, uma palavra só em português, que soasse bem, que fosse bacana e que fosse fácil de adaptar para transformar em logo.
E o que eu acho legal é que boa parte das coisas que a gente coloca no mundo toca os outros de formas que a gente não tem ideia. Já são 4 anos que efetivamente a rádio existe, muita gente vem falar a sua interpretação, porque tem gente que entende como negócio retrógrado, que quer olhar pro passado. Tem gente que entende que eu só toco música antiga, que os DJs também só tocam música antiga ou somente fala de assuntos de ontem, mas na realidade não tem significado nenhum. É simplesmente uma palavra que eu acho bacana, que soa bacana e que ficou fácil de transformar em logotipia.
Existe espaço para música alternativa dentro das rádios tradicionais?
Acho que quando diz rádio tradicional, de dial hoje, que é literalmente a rádio que você ouve no carro, que você ouve no seu aparelho de som, eu acho que existem iniciativas, sim, existem alguns programas em rádios mais nichadas que dão espaço pro universo independente. Um exemplo muito bom é o Thiago DJ, na Rádio 89, que dá um ótimo, um grande espaço pras bandas de rock alternativas, independentes, não somente daqui de São Paulo, mas banda gringa que vem para cá, banda de outros estados que estão aqui fazendo show pela cidade. Mas no geral a rádio é algo extremamente comercial. Eu entendo que isso não é uma exclusividade brasileira, né? Na maioria do planeta são comerciais, ou grandes grupos que têm emissoras e retransmissoras ao redor dos seus países, ou são aquelas rádios locais que tem uma relevância regional, mas que costumam tocar o top 40, que costumam tocar as músicas que estão fazendo sucesso nos gêneros mais populares, né?
Então, comparado com, sei lá, 20, 15 anos atrás, existe muito menos espaço, mas é um espaço que ele é, mesmo sendo pequeno, muito importante para as bandas. Pegando exemplo novamente do 89, que tem abrangência nacional, chega no país inteiro, dá para ouvir pelo mundo inteiro através da rádio online, que é um ponto interessante também, né? Que todas as rádios, praticamente todas, eu acho, das comerciais gigantes, são rádios que estão no dial e também estão no seu site e alguma maioria também tem seus aplicativos. Então, dá mais oportunidade para as pessoas ouvirem.
Mas respondendo a sua pergunta, eu acredito que o espaço existe, porém ele é muito pequeno.
Como funciona a programação de uma rádio online como a ONTEM?
Todo mês tem programas fixos como o “2 horas de dub", que como diz nome tem duas horas de dub seguido. Tem programa como o “música casa”, somente de House Music, principalmente nova-iorquina dos anos 90. Então vejamos, tem uns dez, nove programas que eu faço individualmente, que eu sento no computador e faço o select. Quando são seleções de som, eu vou para as pickups e faço os sets, igual tocar na noite, um set gravado, mixado. Esses são os conteúdos que eu faço sozinho.
E aí temos mais dois DJs que são fixos da casa e que tocam todo mês, que é o Luciano Peixoto lá do Rio Grande do Sul de Porto Alegre, um dos donos da YERBAH, e o Caê, meu amigo de Osasco, que se apresenta como CHSO.
Nós três fazemos essa programação fixa todo mês e eventualmente temos convidados, DJs que entraram em contato ou DJs que a gente conheceu tocando nessas festas que a rádio acaba proporcionando e ajuda a promover. E sempre aparece os convites, né? Sempre aparece gente que fala “pô, vi o seu trabalho, vi a rádio, achei legal, posso mandar um set?”. Então, a gente sempre trabalha nessas duas frentes mas com nós três todos os meses produzindo conteúdo. E esse conteúdo ele roda o mês inteiro e idealmente, no primeiro dia útil do mês, troca a programação.
E também tudo vai pro YouTube. O YouTube é mais recente, né? Comecei a fazer ano passado porque algumas pessoas chegaram pra mim pedindo pra ouvir sets de novo, falando que tinham gostado muito. No começo, você tinha que estar lá pra ouvir, agora mudei um pouco esse pensamento e tem conteúdo disponível no Youtube, sets longos que atingem uma nova camada de pessoas, porque o algoritmo também nos ajuda. As pessoas vem do Youtube, descobrem a rádio, descobrem o instagram, vêem que tem festa e acabam colando com a gente.
dive foi um dos DJs convidados para os sets que foram pro Youtube
Eu lembro que a gente tinha conversado pessoalmente e você comentou que uma coisa que fomenta a rádio são os produtos, também. Como é isso, transformar algo que é intangível em produto?
A princípio, a ideia que surgiu é “pô, vamos fazer camiseta, vamos fazer um negócio em volta disso” e se transformou em uma rádio que tem camisetas. Eu sempre entendi que uma coisa não ia conseguir ficar desassociada com a outra, porque realmente é um reflexo do ser humano que eu sou, da pessoa física que eu sou, por trabalhar com esse universo que envolve vestuário, que envolve moda e também sempre isso está associado com música, né? Eu estudei bateria por muitos anos, toquei em bandas, hoje me expresso como DJ, então eu nunca consegui imaginar de um jeito diferente desde que as coisas se fundamentaram. A rádio sem a camiseta ou boné sem a rádio, os dois sempre estavam andando juntos. E realmente foi muito curioso, cara, porque são coisas que eu faço literalmente!

O primeiro produto que realmente pegou foi o boné e tinha vendido, sei lá, umas umas 10 unidades, oito unidades. Aí eu fui na galeria do rock para buscar tela de silk e eu vi um rapaz assim, um menino que eu não conheço, não sei quem é, usando o boné e para mim foi muito impactante, porque é um desenho que eu fiz na mão e botei no xerox para fazer o distorção do logo e virou um produtinho e chegou nas pessoas. Então, quando encosta em um ser humano que eu não tenho ideia quem seja, eu vejo como um sinal que deu certo, que andou, que criou o interesse a ponto da pessoa entrar na lojinha online, colocar o cartão de crédito, comprar o produto, esperar receber e usar. Então, foi uma chancela muito forte para mim da mensagem de, “cara, essas coisas que você tá fazendo aí não são legais somente para você, tem que tirar de dentro, pô, precisa fazer acontecer mais”.
Em relação ao design, aos desenhos, algo que sempre penso é que tem que me agradar primeiro e eu sou muito chato com essas coisas. Sei que outras pessoas se tocam com isso também, né? E volta para aquela história da interpretação, cada um costuma olhar para aquilo e achar alguma coisa. E essa mensagem, essa palavra se transforma em um valor para aquela pessoa ali que na maioria das vezes eu não conheço.
E tem outra parada também, que aprendi viajando a trabalho, aprendi com gringo. Muitos lugares que você vai, por exemplo, comprar um burrito e a tendinha de burrito tem a camiseta para vender. Ou então você vai numa loja de foto, equipamento de fotografia, e vende a camiseta. E aquilo ali não é uma linha de dinheiro, não é o que paga o negócio, não é quem paga o aluguel, não é quem paga a luz, mas é um a mais que brilha os olhos e leva teu nome pra outros lugares.
Outra coisa que também vejo a ONTEM saindo do online são nos eventos, DJ sets e afins. Conta um pouco também sobre a importância de se fazer eventos com o nome da rádio.
Cara, transpor o mundo digital ali pro mundo físico nesse universo de música para mim foi fácil, porque como já é algo que eu faço na rádio, então eu só traduzi pro mundo real. O que faltavam eram os espaços e eles acabaram chegando ali no finzinho da pandemia, já com todo mundo vacinado. Eu tava com as pickups já tinha quase dois anos, então já estava bem treinado, por assim dizer (risos). E aí comecei a tocar e no início precisava de um nome e pensei em usar o nome da rádio. Só que no meio do caminho eu aproveitei o nome de um programa. E é um programa que hoje eu não faço ele com tanta recorrência como eu fiz no passado, que se chama DISCO ESQUISITO. Fico pensando que se eu tivesse uma discoteca nos anos 70, ela teria esse nome, tipo Disco Inferno ou algo do tipo, mas Disco Esquisito (risos).
O DISCO ESQUISITO é assim
Mas voltando aos eventos, essa festa começou a se transformar em algo legal, fiz uma identidade visual muito interessante, muito bonitinha, assim, um logo legal, sempre trocando uma arte que eu sampleio ali de revista antiga e tal. E os eventos se transformaram como uma parte mais legal de tudo e como uma frente também, como um outdoor, como uma mídia pra gente, porque é o espaço que as pessoas chegam e nos conhecem de fato. Tem muita gente que nos conhece primeiro dos eventos e quer saber mais, quer saber se tocamos em outro lugar, e aí apresento a rádio.
Estar em contato com as pessoas é muito legal e até pensando nessa questão da pandemia, que foi quando a gente começou de fato e depois foi voltando a se encontrar, tem muito moleque que não fez rolê ali e depois quis colar com a gente nos bailes. Essas pessoas hoje tem uma vontade muito grande de experimentar o mundo, de ir nos bares, nas baladas, pelo menos eu vejo assim. Tem gente que fala que estamos no “fim das noites”, no fim das baladas, mas não acredito nisso, vejo que muitas pessoas jovens estão aprendendo o que é a noite, o que é essa parada de sair de casa para ouvir música e eu fico muito feliz quando elas colam com a gente. Poderia ser só o instagram, poderia ser só o site, mas virou algo a mais, a gente faz evento para as pessoas irem e as pessoas vão. Isso para mim é o mais louco de tudo, porque tenho muitos amigos, conheço muita gente, estou envolvido aí em vários cenários, aí em várias esferas de comunicação, em várias esferas profissionais, porque eu estou muito tempo no mercado, porque faço um monte de coisa, mas quando vem um grupo de gente que a gente não conhece, uma turma jovem, é muito especial. Quando essas pessoas vem uma vez e depois voltam em outro rolê, pra mim isso é muito legal.

Onde a pessoa pode ouvir a Ontem Rádio?
As pessoas podem ouvir a nossa rádio em https://www.ontem.co/. Dá pra ouvir tanto no desktop quanto no celular e iPads também, né? Então são três versões do site. E também tem um aplicativo, que está disponível tanto para iOS quanto para Android e para encontrar esse aplicativo, porque no caso do do Apple, do iOS, ele não tá na Apple Store, ele é um link direto que você baixa e ele aparece no seu celular. E o terceiro lugar é o YouTube. É só procurar por Ontem Rádio.
E, claro, nas festas que a gente promove, que as pessoas podem ficar sabendo através do nosso instagram que é o @ontemradio.