Square Deal e a Rota Panamericana do café
De SF/CA ao Brasil, na base de gasolina e café com a Square Deal

Conheci a Square Deal pela internet há alguns anos e, na primeira visita à loja, ainda na Galeria Metrópole, Centro de São Paulo, vi uma zine sobre o balcão. Nela, fotos em 35mm/P&B de plantações de café que, segundo o atendente, eram do dono da loja, um norte-americano que viajava de moto pela América Latina conhecendo cafeicultores. Fiquei com essa história na memória e, alguns anos e DMs depois, marquei de encontrar o tal gringo no novo espaço da Deal, uma pequena porta no bairro da Água Branca, para entender qual era dessas viagens e tomar alguns dos cafés recém trazidos do México.
Chegando no espaço, não foi muito difícil de reconhecê-lo: a figura que falava um português arrastado enquanto tentava explicar os diferentes tipos de cafés e como experimentá-los se apresentou como Max (Max Brooker). Tinha chegado da Cidade do México havia menos de 2 semanas com um carregamento de mais de 8 tipos diferentes de grãos: "Trouxe todos os cafés nessa última viagem. Foram uns 50kgs mais ou menos, minhas costas estão doendo até agora, mas estou feliz que deu certo", ele comenta.

A Rota Panamericana
Mas vamos por partes, já que essa história começa há 10 anos, adaptando a Rota Panamericana. Como ele conta:
"Comecei em São Francisco e fui até o sul da Patagônia e voltei para a Califórnia. Fiquei na Rota praticamente o trajeto todo, mas saí algumas vezes quando queria ir para o litoral ou mudar para destinos diferentes. A ideia era fazer o trajeto todo, mas do Panamá até a Colômbia é a única parte que não tem rodovia."
Na época, o acesso ao Brasil foi feito pelo Sul, passando por Pelotas, Porto Alegre, Florianópolis, subindo até Salvador e depois Manaus, onde fez grandes amizades, principalmente com pessoas da cena do skate, comunidade da qual fazia parte quando nos EUA. No trajeto, que durou mais ou menos 4 anos, o café entrou oficialmente na história, já que começou a vender copinhos da bebida pela cidade de Aguascalientes, de forma despretensiosa. Mal sabia que a coisa ficaria séria.
Quando cheguei na Colômbia, conheci uma família que tinha um negócio de exportação de café, e comecei a trabalhar para eles, fazendo análises de qualidade de cada saca que chegava à usina e exportava para um armazém. Eu tirava amostras de cada saca, tipo, diferentes partes da saca, pesava, classificava os defeitos e, em seguida, separava os tamanhos dos grãos. Depois, eu fazia torras de amostra e provava com eles. E eles faziam a análise de pontuação ou análise de qualidade, ofereciam um preço e procuravam compradores.
Foi a minha primeira experiência com essa parte técnica do café mas eu me envolvi muito. E então eles começaram a trabalhar mais tarde com cacau, e eu fiz um curso lá na Colômbia com eles para análise de qualidade com cacau e também para classificação de defeitos.
Comecei a trabalhar com eles, buscando cacau e coletando amostras. Foi aí que toda a ideia da Deal começou. E eu gostei um pouco da experiência de trabalhar com eles, pois todo o modelo de negócios era super focado no lucro, visitando produtores e tudo o que eu vi lá parecia um pouco injusto e, tipo, não levar em conta a qualidade de vida do agricultor e também não levar em conta todas as práticas que o agricultor adota. Se é sustentável e coisas assim. Então comecei a imaginar e pensar em como seria uma maneira melhor de fazer as coisas.

Max me conta que o nome, Square Deal, foi roubado de um programa governamental que o presidente norte-americano Theodore Roosevelt (1858-1919) criou para salvaguardar os produtores locais, garantir o mínimo de conservação dos recursos naturais e acabar com os trustes - uma espécie de agrupamento privado para controle geral de um mercado - pra melhorar o acesso de consumidores à diferentes mercadorias. Essa parte do papo foi meio uma aula de geopolítica semi-cabeçuda, mas super importante pra entender o real objetivo do projeto.
Tive a ideia de começar o meu próprio projeto, então eu sabia que precisava economizar dinheiro. Voltei da viagem, entrei em contato com algumas pessoas e consegui um emprego em uma fazenda no norte da Califórnia. Tipo, na época era possível ganhar uma grana cultivando maconha, sabe?
Daí eu fiz um acordo com uma pessoa que tinha uma propriedade que me permitiu cultivar e colher desde que a gente dividisse os ganhos em 50/50. Fiz isso por 2 anos mais ou menos e depois disso fui para a Cidade do México pra começar o projeto.
A primeira loja foi uma portinha de 10m² na Cidade do México, que é onde ele melhor conhecia os produtores locais. Na época, comprou uma moto usada no Craiglist, tipo nossa OLX e começou a rodar pelo país para conhecer as plantações locais.
Encontrei um espaço barato, bem no centro, numa área industrial. Aí consegui um torrador bem barato para começar e comecei a viajar de moto por diferentes áreas, coletando amostras e tentando encontrar cafeicultores com quem eu quisesse trabalhar. E aí comecei a comprar café e abri a loja. Foi super lento no começo, basicamente vendendo para amigos.

O Brasil
Quando a gente fala de café a nível global, é impossível não falar do Brasil, né? Primeiro porque tomamos quantidades colossais de café, e segundo porque produzimos alguns dos melhores cafés do mundo, apesar de consumirmos pouco dele. Mas vamos chegar lá. O ponto é que a passagem do Max por aqui há alguns anos fez com que ele se interessasse na possibilidade de trabalhar por aqui.
Eu queria muito aprender português porque estava pensando um pouco mais em ter um futuro com café, mexer com exportação e tal. E o Brasil é uma megapotência na produção e exportação de café, e também porque fiz conexões muito legais durante aquela primeira viagem que falei. Gosto muito dos amigos que fiz. Gosto muito da cultura do skate e pensei em vir pra cá. Depois que passei esse tempo no Brasil, pensei: eu preciso voltar e descobrir uma maneira de viver aqui um dia.
O lance é que as experiências em relação às formas de produção foram muito diferentes entre os diferentes lugares. Max conta que na Colômbia, por exemplo, os produtores apresentam melhores condições e várias fazendas funcionam como um negócio familiar. Já no México, a galera é menos favorecida e a produção é pulverizada entre famílias com pequenas propriedades que não possuem nem suporte do governo nem educação, seja para potencializar os negócios, seja para entender como e onde investir.

Eles simplesmente não têm muita educação financeira e conhecimento de como poupar é quase um luxo. Muitos nem sabem da importância disso tudo. E tem uma questão de corrupção bem forte por lá. Normalmente quando termina o período de colheita chegam os Coiotes - pessoas que realizam travessias ilegais para os EUA - e pagam um preço muito, muito baixo, tipo, o custo de produção ou menos. Muitas vezes, eles têm uma propriedade que herdaram e cultivam milho, feijão, café, frutas e vegetais e vendem tudo muito barato.
Tem um lance de terem uma vida bem simples também, de sei lá, fazerem as próprias roupas, consumirem tudo em comércios locais e mesmo assim viverem de boa. Mas ouço muitos agricultores reclamando bastante sobre estarem sendo prejudicados e coisas assim. E isso é foda de ver, principalmente porque tem um monte de consumidor e distribuidores que vivem um estilo de vida de classe média alta. E o agricultor está, literalmente, mal conseguindo sobreviver.
E aqui no Brasil, quando comecei a trabalhar com cafeicultores, lembro de chegar a uma fazenda e ver uns 200 hectares e pensar “caramba, isso aqui é enorme” mas na verdade era uma fazendo de um pequeno-médio produtor. Foi um choque para mim. Tipo, uma loucura. Tipo, como é tão diferente?
Acho que a expectativa em relação ao café do Brasil é muito grande. Então, quando você tem, tipo, sei lá, uma fazenda pequena, você consegue exportar o produto e pega uma grana. E aqui é super eficiente porque você não precisa de tanto trabalho braçal porque eles têm muita máquina. Claro que tudo tem seu lado bom e ruim, tipo, talvez no México tenha uma pegada de carbono muito baixa e a biodiversidade não seja muito afetada como é aqui.

Cafezinho nosso de cada dia
O consumo também é uma parada muito diferente aqui, se a gente compara com nossos irmãos continentais. Em cidades como São Paulo é possível observar um aumento de cafeterias e espaços para consumo de cafés especiais, mas a real é que o grande volume de café consumido por nós brasileiros é o pilãozão ou melitta da massa, com muito açúcar e feito no coador de pano. Max inclusive conta que ficou muito surpreso que viu que por aqui todo mundo coa o café em casa. "Nos EUA, quase todo mundo tem uma cafeteira elétrica, e no México, a maioria das pessoas só toma café instantâneo. Eles nem sabem direito o que é preparar um café."
Confesso que achei bem louco pensar que uma bebida tão popular e com literalmente séculos de presença e força em nosso continente têm diferentes impactos na cadeia produtiva e no consumo também. E a conversa com o Max me fez pensar sobre como a grana que chega para os produtores não é exatamente o que aparece no valor da saca durante o Globo Rural no domingo pela manhã.
A gente tenta ser super transparente com o quanto estamos pagando aos produtores. E também é importante, pois eles estão criando empregos na torrefação. Acho legal porque, normalmente, um café que você compra nos EUA, talvez 5% do dinheiro da saca de café vai para o produtor, tá ligado? Para a origem. Preciso fazer as contas para mostrar isso em algum tipo de relatório de transparência, mas acho que hoje uns 20% da nossa receita vão para o produtor e ainda tem o dinheiro que gira nas economias né, seja aqui no Brasil ou lá no México.

Próximas trips
Para o futuro, Max quer começar a fazer um trabalho educacional com esses produtores, os ensinando sobre os produtos que eles mesmo plantam, para que entendam o real valor de tudo aquilo e, ao negociar com compradores, recebam o justo pelo trabalho. A próxima viagem já está programada, só falta a moto ficar pronta.
Quero conhecer alguns produtores da Chapada Diamantina, passar pelo interior do Ceará porque sei de algumas pequenas propriedades que plantam café, voltar à Belém do Pará e depois dar uma passada em Manaus de novo. Tô com um monte de equipamento na mala que ajuda a ensinar o pessoal a conhecer sobre o grão, categorizar, tentar diminuir a distância de conhecimento que rola entre quem planta e quem bebe.
Sei que às vezes ouvir isso pode soar um pouco um discurso de salvador branco, mas ver todo o corre que o Max fez até aqui me despertou uma vontade de olhar com atenção pra cada café que tomo, seja o coado que faço em casa ou aquele super especial feito na prensa francesa superfaturada de Pinheiros.
No fim, o papo acabou obviamente na mesa de café, onde ficamos bebendo xícaras e mais xícaras. Voltei pra casa pedalando com um saco carregado de cafés diferentes, do Brasil, do México, e com uma história bem legal pra escrever por aqui. Fica a dica para você dar um pulo na Square Deal, conhecer um pouco do trabalho dos caras, tomar um cafezinho do bom e quem sabe, entender um pouco mais sobre essa bebida tão definidora do nosso país, mesmo que seja pela voz de um gringo.
Passa lá e compra um cafezinho do bom
Conheça mais em: https://www.squaredeal.com.br/